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segunda-feira, 3 de maio de 2010

(2010/363) Segunda reação ao post de Haroldo Reimer (2010/361) Teologia Heurística?


1. Porque a diferença é o século XIX. Meu amigo Haroldo fez perguntas muito pontuais e pertinentes em seu post (2010/361) Teologia heurística?. Aqui, quero responder a uma delas: "Osvaldo, com muito fôlego, tem proposto uma classificação tripartite da Teologia: metafísica, metafórica e heurística. A primeira é a tradicional, de corte vétero-medieval. A segunda respira as energias das ciências da linguagem, tendo, com novo fôlego, dedicado o post (2010/351) Metáfora e sacramento. A isso ainda quero reagir com mais vagar. Por ora, preocupa-me a pergunta: qual é a distinção efetiva entre o primeiro tipo e o segundo? Ambas tem destino ao manejo da arena da política, que é o espaço efetivo da Teologia e aquilo que lhe corresponde em outras culturas, a saber a ordem mitológica. A pergunta que me fica é: será que a diferença entre ambas não reside somente na consciência do sujeito operante em relação ao seu objeto?".

2. Sua segunda formulação da pergunta, Haroldo, parece-me que você toca em cheio na questão. Ela não seria precisamente a resposta, mas uma inferência adequada da resposta. A rigor, o que difere a Teologia metafísica (ontológica) da metafórica (narrativa) é o modo como recebem o século XIX. O "modelo" para a Teologia metafísica pode ser Karl Barth - a "doutrina" positiva da Igreja (e Barth não considera a hipótese de doutrinas e igrejas, mas de "doutrina" de de "igreja") é revelação especial de Deus, inacessível em qualquer outro lugar que não a "revelação". Desde aí, para cima e para baixo, você pode reunir uma série de Teologias "mais ou menos" ontológicas, na medida em que negociam mais ou menos material para compor o núcleo duro da "doutrina revelada". Cabem, aí, posturas tão distantes, mas, nem por isso, radicalmente distintas, quanto Tillich e Bultmann, de um lado, e Moltmann e Pannemberg, de outro, para não citar a interminável lista dos teólogos que freqüentam as edições teológicas das Editoras evangélicas, onde, no limite, a Teologia se dissolve em catequese. Para essa corrente, trata-se de obter uma forma criativa de contornar o século XIX, começando pela astúcia retórica de Barth: "sim, o homem está preso à história e à cultura [com o que ele "concorda" com o XIX], mas Deus, não!, Deus pode "vir" e "revelar-se" ao homem insulado [com o que ele coopta o XIX, mudando tudo, para não mudar nada...].

3. A Teologia como metáfora, não. Ela assume integralmente o século XIX. Ela reconhece que o homem jaz irremediavelmente na história e na cultura (e de tal sorte que sequer há como "falar" de revelação, posto que seria necessário a alguém um olhar não-humano para inclusive indentificá-la, e critérios não-humanos para homologá-la). No entanto, a Teologia como metáfora "ama" de tal modo a "comunidade de fé", que se esforça pela manutenção das palavras sagradas, porque são as palavras sagradas - a "Teologia" - que dá configuração e conforto a essa mesma comunidade. Tenho conversado com Alessando Rocha sobre essa definição, e ele a tem endossado, na condição de representante da corrente. Para a Teologia como metáfora, o conteúdo da fé constitui uma "narrativa" - mito, se preferir - instrumental, motivadora, animadora, confortadora. Não se trata de, por meio delas, apontar para realidades metafísicas, mas para dimensões subjetivas e relacionais. As palavras sagradas da fé somente não são finais, somente não começam e acabam em si mesmas, porque não são elas a chave de compreensão dessa corrente, mas, antes, a "comunidade de fé", de modo que, por isso, as palavras da fé, metafóricas e poéticas, constituem um "instrumento" pastoral.

4. Enquanto a Teologia ontológico/metafísica constitui-se sobre o tripé - 1) realidade metafísica tomada como realidade forte, 2) palavras sagradas "fortes", reveladoras/representadoras da realidade metafísica forte e 3) comunidade de fé, por sua vez a Teologia metafórica/narrativa sustenta-se apenas sobre dois pilares: a) palavras sagradas "fracas", não-representacionais, destinadas à configuração e ao conforto da comunidade e 2) a própria comunidade.

5. Desde essa precisão configurativa, advêm conseqüências: a) como você bem sustentou, ambas são políticas, no sentido de que ambas estão interessadas no trato comunitário-pastoral; b) ambas são, por isso, "pastorais"; c) os valores de cada Teologia encontram-se invertidos - a Teologia metafísica tem seu "coração" no Ser, que ela tem configurado nas "palavras fortes da fé", e a que faz submeter-se a comunidade de fé (logo se vê, a comunidade é o terceiro elemento da série valorativa). Já a Teologia metafórica tem seu "coração" na comunidade, para cuja configuração e conforto "usa" as palavras fracas da fé, que são essas que aí estão, mas podiam ser quaisquer outras.

6. Talvez seja pouca a diferença entre a Teologia ontológica e a metafórica, principalmente se comparadas à Teologia fenomenológica. Mas não é tão pequena assim. A Teologia metafórica representa a tentativa de conciliação entre a mentalidade ocidental-moderna e a tradição, assumindo como mito/narrativa as palavras sagradas, mas fazendo-o de modo a conferir valor positivo ao juízo crítico da modernidade, e esforçando-se pela "salvação" histórico-cultural das comunidades de fé. Em solo brasileiro, quer-me parecer que ela esteja longe de tornar-se operacional, porque as comunidades são formadas por homens e mulheres com mentalidade pré-moderna, "vetero-medieval", como você disse. É o problema de uma formação baseada nos pressupostos europeus, quando o "público alvo" encontra-se, ainda, nos dias barrocos...

7. É provável que a Teologia metafórica, política, encontre expressão individual na forma futura de uma Teologia estética. Isso seria curioso, na medida em que resgataria, numa outra dimensão e com outra funcionalidade, o "modelo" do "deus dos pais", ainda que de forma ainda mais nuclear, agora radicalmente nuclear. Quando o sujeito de fé conceber-se ele mesmo como um animador de mitos, e considerar o conceito de "Deus" ou de "deuses" na forma de "amigos imaginários", estará aberta a estrada para a multiplicidade de narrativas teológicas, todas elas sem nenhum lastro de dependência que não a instância noológica subjetiva de onde provêm - a consciência criativa e criadora da experiência humana - do que estamos informados desde... o século XIX...

8. Por enquanto, as duas encontram-se como candidatas à direção dos "povos dos deuses". São, sobretudo, religiosas. De um lado, os velhos xamãs e videntes, afiançadores da revelação; de outro, poetas e narradores, a promover conforto por meio da identificação com enredos de salvação e libertação. Está cedo para apostas. Contento-me com a tentativa de contribuir para uma classificação das Teologias que, cada vez mais, avolumam as representações confessionais na Universidade brasileira. E, será que erro, são, todas, até agora, ontológicas.

9. O que acha, meu amigo - além de "fôlego", tem "substância" nesses arrazoados matinais?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

domingo, 2 de maio de 2010

(200/362) Primeira reação ao post de Haroldo Reimer - (2010/361) Teologia heurística?


1. Porque a Teologia é, agora, uma coisa nova. Meu amigo Haroldo Reimer escreveu o post (2010/361) Teologia heurística? Que bom! Haroldo faz falta em Peroratio. Animo-me, quando ele escreve. E, particularmente em relação ao assunto que escolheu, minha animação é ainda maior. Encontro-me pulsionalmente envolvido com a quetão do estatuto epistemológico da Teologia, e, para esse fim, tenho-lhe proposto uma nova classificação - Teologia como ontologia (metafísica), Teologia como metáfora (narrativa) e Teologia como fenomenologia (heurística). O artigo de proposição formal sairá publicado na Revista Pistis & Praxis, da PUC-PR. Mas gostaria de reagir a algmas questões postas por meu amigo.

2. Antes de qualquer coisa: não se trata de uma nova classificação para a Teologia... cristã. Para mim, não há mais como falar de Teologia e, sub-repticiamente, subentender-se "Teologia cristã". Desde 1999, Teologia não é mais propriedade da Igreja - nem das igrejas. Ela passa a ser um conjunto de saberes e procedimentos sob a administração da República Federativa do Brasil, que é laica. Assim, a Teologia é uma disciplina oferecida seja por cristãos, por umbandistas, por kardecistas e por messiânicos, sempre por meio de IES credenciada pelo Governo Federal e de cursos autorizados/reconhecidos pelo MEC. Se continuarmos a insistir numa retórica de Teologia... cristã, sendo o contexto da discussão a sua análise epistemológica, incorreremos na anacronia de insistirmos na propriedade de uma coisa que não é mais nem apenas cristã nem mais (apenas) nossa. Teologia, agora, é multi-referencial.

3. A classificação que proponho não tem em vista uma Teologia cistã isolada. Te em vista a Teologia cristã mais a Telogia kardecista mais a Teologia umbandista mais a Telogia messiânica - emais qualquer outra que venha somar a essas quatro representaões traditivas. É necessário reconhecer que nenhum critéio de classificação até hoje elaborado atende a nossa situação. Nem mesmo o fato de a Teologia estar na CAPES há décadas significou alguma coisa de realmente concreto nesse cntexto, porque a Teologia enclausuou-se em seu mundo medieval, defendendo nucleos confessionais revelados e normativos, onde a regra do jogo fora, sepre, heurística e crítica. O evento significativo, aí, é a Graduação - um aríete nos ortões a Teologia. Teologia Sistemática de um lado, e Bíblica de outro, não atende o objeto novo que é a Telogia no MEC. Quando por nenhuma outra razão, porque não há Bíblia na Umbanda!

4. Insito, portanto: é preciso uma classificação nova, sob novos enfoques, sob novos critérios, sob novos pressupsotos, porque a situação é nova, o objeto "Teologia" é outro, é novo, não é mais aquele com que trabalhávamos. Não nos demos conta, mas a Teologia não é mais aquilo que fazíamos, aquilo que chamávamos pelo nome que Platão parece ter "inventado". Teologia é outra coisa, agora, e precisa dizer o que é. Se posso empregar uma metáfora analógica: o ladrão entrou pela janela, e levou tudo, e não nos demos conta... O Filho do Homem veio em hora em que nos descuidamos... Acostumados à pregação da súbita parousia, fomos é nós mesmos pegos desprevenidos - pior, ainda estamos esperando Deus sabe pelo que... Entendamos de uma vez por todas: o mundo antigo se foi - com o MEC, tudo é novo. Pouca coisa "velha" há de servir, e também aí cabe a metáfora dos odres velhos e remendos novos...

5. Sim, a Exegese já se emancipou - "graças a Deus". Ainda há rincões teológicos que emcabrestam a pática exegética, atrelando-a à Teologia, a velha. Mas aí não se pratica Exegese, de fato. Aí se domestica um processo, como se domesticam pessoas, onde quer que a Teologia encene sua dança milenar. A Exegese aproxima-se da História, da Arqueologia, da Análise do Discurso (logo, da Lingüística), da Filologia, e, por necessária extensão, da Antropologia e da Sociologia, sem negligenciar, nem por um segundo, a Fenomenologia da Religião. A Exegese já está em casa, e só não avançou ainda mais significativamente porque, do lado da Teologia, ainda encontra reações conservadoras que emperram seu avanço independente, e, do lado da História e suas co-irmãs, encontra a suspeita de que ela ainda seja uma espécie de Teologia disfarçada. A Exegese, contudo, quando praticada como tal, está a anos-luz de distância da Teologia tal qual ela é praticada ainda hoje nos ambientes confessionais - incusive a CAPES.

6. Já a Teologia precisa achar seu rosto. Isso não significa que ela precisa convencer ao MEC de que, tal qual ela é e se faz por exemplo, na CAPES, ela é "ciência" - porque não é. Não é nem quer ser. Como Haroldo comenta no início de seu post, os eixos epistemológicos científico-humanistas impostos pelo PARECER CNE/CES 118/2009 constrangem a Teologia justamente porqe ela não tem o perfil apropriado do jogo científico, e, diante daquela exigência, que a uma ciência significaria seu próprio pathos, ela, contudo, sente-se afrontada.

7. Na próxima reação, responderei a duas questões que meu amigo levanta: a) qual a real diferença entre uma teologia metafísica e uma teologia ontológica, e b) o que é que uma teologia heurística pensa que poderá/irá descobrir?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2010/361) Teologia heurística?


1. Mesmo não contribuindo com regularidade e muito menos com a sofreguidão do colega e amigo Osvaldo, a questão da classificação da Teologia continua me ocupando. Um dos últimos momentos de debate forte foi quando e após o Parecer 118. Aí houve sentimentos distintos. Havia e há os que entenderam que o parecer, com suas exigências de inclusão de “eixos” típicos das Ciências Humanas na matriz curricular dos cursos de Teologia no Brasil, pretendia transformar a Teologia em Ciência(s) da religião. Outros, entre os quais me insiro, viram a necessidade de tais eixos para pelo menos conformar ou forçar a dialogicidade efetiva da Teologia com as demais ciências humanas de sua chave classificatória. Isso, claro, para dar conta da condição de cidadania acadêmica da própria Teologia.

2. A julgar por algumas reações, em ambientes distintos, parece ser assim que a dialogicidade efetiva romperia com a conditio própria da Teologia. E isso é o preocupante.

3. Osvaldo, com muito fôlego, tem proposto uma classificação tripartite da Teologia: metafísica, metafórica e heurística. A primeira é a tradicional, de corte vétero-medieval. A segunda respira as energias das ciências da linguagem, tendo, com novo fôlego, dedicado o post 2010/351 “Metáfora e sacramento”. A isso ainda quero reagir com mais vagar. Por ora, preocupa-me a pergunta: qual é a distinção efetiva entre o primeiro tipo e o segundo? Ambas tem destino ao manejo da arena da política, que é o espaço efetivo da Teologia e aquilo que lhe corresponde em outras culturas, a saber a ordem mitológica. A pergunta que me fica é: será que a diferença entre ambas não reside somente na consciência do sujeito operante em relação ao seu objeto?

4. Mas, e a Teologia heurística? Todo o conjunto daquilo que costumamos entender sob “Teologia” (claro que num viés cristão-ocidental) é uma importante rede simbólica na tessitura das relações sociais durante muitos séculos. Vida e morte, guerra e paz, esperança e desesperança, crítica e anti-crítica. Tudo isso se decidiu em relação a tais conteúdos ou sobre seus fundamentos. Reconheço a importância dessa tradição. Mas, o que se descobriu mesmo?

5. Na Teologia acadêmica houve algumas rupturas sintomáticas. No final do século XIX, a exegese histórico-crítica se distancia do “método teológico”, passando a assumir cada vez mais um interesse “histórico” e crescentemente “fenomenológico” sobre o vir a ser e o ser dos textos sagrados (em especial: bíblicos). A própria “História da igreja” passou a se pautar cada vez em consonância com as exigências dos métodos historiográficos, inicialmente da “escola de Berlim” e depois com as demais influências rumo a uma “história total” (mentalidades, social, etc.). A chamada “teologia prática” se utilizou desde sempre de aspectos das ciências cognitivas para melhor operacionalizar os conteúdos da fé em confronto com o sujeito crente ou mesmo o descrente. O que restou foi o “núcleo” da Teologia: a “sistemática” ou a “dogmática”. Aí se está efetivamente diante de Teologia. E esta pretende que seja cristã.

6. São admiráveis os esforços para fazer dialogar os conteúdos da fé com os sistemas cognitivos gerais. Cada vez mais um manual de teologia sistemática tem de ser mais extenso para poder operacionalizar em seu interior o conjunto e as interrelações entre os mais diversos âmbitos e facetas dos conhecimentos sobre as “nervuras do real”, o mundo, a realidade, o cosmo. Mas aí é sistema. Como na filosofia. O modus operandi é fundamentalmente o da filosofia grega, com todas as suas nuanças de abstratividade. Na base de tudo permanecem fundamentalmente dois elementos: o sujeito da fé e as “bases escriturísticas”. Mas se as últimas, diga-se a Bíblia, também são expressão da experiência de fé transformada em doutrina, resta somente o sujeito da fé, aquele que passa pela experiência do sagrado. E este sempre haverá de ser plural, por que plurais são as próprias experiências, em concordância com a diversidade com que cada sujeito hermenêutico se põe a se compreender no seu dasein e na sua forma de expressão e relação com o seu entorno. Qual é, então, a base para a descoberta, para a heurística? Não será somente a descoberta da própria experiência?

7. Mas aí, o que se teria descoberto?



HAROLDO REIMER

sexta-feira, 30 de abril de 2010

(2010/351) Metáfora e sacramento


1. Se admitirmos que a Teologia como metáfora é uma classificação adequada para um tipo de Teologia que, apesar de articular-se politicamente com as "palavras da fé", não assume qualquer modalidade de reserva metafísica, isto é, que não parte do pressuposto de que, às palavras da fé, correspondem realidades extra-físicas, "celestes", nesse caso, então, penso não ser possível classificar Bultmann como um teologo metafórico. É verdade que a teologia metafórica rompe com a relação "histórica" das palavras da fé - elas são, apenas, "palavras instrumentais", drágeas de encenação litúrgico-psicológica, poética. Do mesmo modo, Bultmann - e ainda mais radicalmente - cortou a relação retoricamente genética entre as palavras da pregação - o querigma - e a historicidades das cenas que elas descrevem. No entanto, ao passo que Bultmann continua fiel a uma eficiência salvífica da pregaão, a teologia metafórica lida com as mesmas palavras fazendo delas palavras performativas, roteiro narratológico e cênico, plástico, para o "cuidado", para a "manutenção" da comunidade de fé - o uso político da estética. Ambos são pastorais, mas apenas um é realmente metafórico - e não é Bultmann.

2. Para Bultmann, as cenas descritas nos Evangelhos são mito. O nascimento virginal é mito. A ressurreição é mito. A ascenção é mito. A parousia, mito. As curas, mito. Apesar disso, é justamente a pregação dessas cenas que constitui a pregação, o querigma. Para Bultmann, não são as palavras em si que "salvam": é o jogo da pregação, da proclamação, porque, nos termos da racionalização do teólogo "existencialista", é durante a proclamação do querigma que se abre o momento em que Deus põe diante de si o homem, que, em face de sua abertura ou seu fechamento ao jogo querigmático, à pregação, autentica ou não a sua exitência em Deus.

3. O resultado do querigma de Bultmann é uma pregação, ou melhor, o conteúdo de uma pregação que é pura metáfora, mas igualmente um conjunto de palavras "mágicas" que têm um poder sacramental, quando articuladas no formato da liturgia da proclamação. Não é a morfologia, a semântica, a sintáxe, a prosódia - é o fato de elas serem proclamadas. Para Bultmann, querigma é sacramento. O sacramento de Bultmann é um saquinho homilético de metáforas...

4. Se alguém questionar (o) um querigma (por não ter) sem lastro histórico, isto é, que se possa conceber que, sendo mito, logo, imaginação humana, tais palavras não têm qualquer fundamento, Bultmann poderia argumentar que a hóstia não passa de farinha de trigo com água, e, no entanto, a eucaristia constitui, para a fé, o momento do agraciamento místico, mágico, do homem. Se Deus pode utilizar-se de farinha de trigo, por que não pode utilizar-se de... mito? Assim como não é a farinha de trigo, igualmente não é o mito que "salva" - é a sua função sacramental. Fora do sacramnto, são idéias humanas: na encenação litúrgica, transubstancia-se o mito em sacramento, o que era metáfora, vira graça...

5. A teologia metafórica não chegará aí. Não pode. E, se chega, não é teologia metafórica - permanece, nesse caso, a modalidade bultmanniana de metáfora-sacramento. Bultmann tem um compromisso com a pregação, mais do que com o século XIX. Sim, Bultmann reconhece a propriedade crítica do século XIX - e tanto que aceita a classificação de mito para as narrativas do Novo Testamento. Mas Bultmann empreende todo esforço para manter o caráter soteriológico do jogo cristão, razão pela qual recorre ao conceito de "sacramento", ainda que aplicando-o ao "valor" protestante - a pregação do Evangelho. Já a teologia metafórica tem cmpromissos muito mais sérios - se os tem (mas, se não os tem, não é metafórica!) com o século XIX. De um lado, não pode tratar as narrativas neotestamentárias, nem as da fé, como "história", e, de outro, não pode olhar (mais) para as mansões celestes. Assim, seu amor pela comunidade, seu engajamento pastoral, impõe que torne a fé alguma coisa próxima da poesia, da festa, da celebração, cujo fundamento começa e termina aí mesmo, sem recurso à história ou à ontologia metafísica sobrenatural. Para a teologia metafórica, a metáfora não é sacramento - é metáfora mesmo...

6. Essa é uma questão muito importante, porque é possível identificar retóricas que, à superfície, parecem próprias da teologia como metáfora. Mas, a rigor, não são. Não são, porque, no fundo, o teólogo que as maneja ainda as articula, de alguma maneira, com o Ser, com Deus, ainda as emprega mágica e miticamente - dir-se-ia: ainda há "fé", aí. O ambiente onde se flagra com mais freqüência esse fenômeno de dar aparência metafórica ao que é, de fato, ontológico, é o ambiente que se assume como "plural". Aí, se decide respeitar as demais religiões, logo, os demais discursos religiosos. Como cada religião tem seus próprios discursos, os teólogos que se movimentam nesse abiente são forçados a aceitar diferentes discursos que descrevem realidades muito diferentes, iguais apenas no fato de apontarem, todos, para o supra-hmano, supra-físico.

7. É aí que acontece um fenômeno curioso, sub-reptício. O teólogo assume implicitamente (é seu "segredo"!) uma realidade metafísica - que é ontologia e metafísica, sob todos os aspectos. Não importa a fé das religiões, só há uma dimensão metafísica, um so "céu", uma só "divindade". Na seqüência, continua a racionalização: os discursos religiosos, todos, são metáforas para esse mesmo mundo metafísico. Assim, o teólogo consegue olhar para seu discurso e vinculá-lo à metafisica enterrada sob a metáfora que ele mesmo usa, mas, ao mesmo tempo, pode "aceitar" a retórica do amigo/irmão religioso, porque, afinal, o discurso dele refere-se à mesma realidade metafísica a que ele mesmo se refere por meio de sa própria metáfora. Ainda que à sperfície pareça que o outro fala de outra coisa, não, a metáfora do outro refere-se, se bem interpretada, àquela única realidade espiritual por trás de todas as metáforas...

8. Ora, a estratégia cristã sempre foi trazer as consciências para seu mundo teológico, fazê-las catequisadas, convertidas. Esse tipo sub-reptício de teologia ainda faz o mesmo, mas "retoricamente", apenas. O teólogo faz-se acreditar no fato de que, se o discurso não-cristão é, ao fim e ao cabo, uma referência metafórica à verdade - cristã! -, seque que a "missão", afinal, chegou ao fim... É um jeito curioso de resolver as questões.

9. O problema é quando o jogo é revelado. Aí fica claro que não se resolveu foi coisa nenhuma, e que o que se chamou de pluralismo fora, o tempo todo, maquiagem evangelística. E a metáfora sai da sala com o rabo entre as pernas, envergonhada de ser flagrada como ontologia metafísica dissolvida em estratégia política.


OSVALDO LUIZ RBEIRO

domingo, 11 de abril de 2010

(2010/313) Do deslocamento tectônico de certas teologias


1. Não sei se o futuro revelará sucesso para a classificação que postulo para a Teologia pós-MEC - teologia ontológica, teologia metafórica e teologia fenomenológica. Deixemos que o futuro tome conta de si. Todavia, essa semana tornei a enfrentar uma questão nervosa em torno da teologia como metáfora, questão que eu já enfrentara, no mesmo contexto, ao passado. Quando apresentados à teologia como metáfora, a primeira coisa que os alunos comentam é: ora, como o teólogo metafórico pode tratar as palavras da fé como metáfora, se as "ovelhas" as tratam como representações fidedignas do mundo de "Deus"? Ou seja, como pode o teólogo ser metafórico, se a comunidade é ontológica?

2. A questão é muito bem levantada, mas, convenhamos, ela decorre de um problema tectônico: a teologia como metáfora é resultado do enfrentamento das Luzes e do Romantismo europeus, e é, em todo sentido, o resultado de um enfrentamento dessa questão européia. A teologia metafórica é uma saída pastoral - ao estilo europeu. Logo, se estamos em solo não-europeu, se estamos diante de comunidades ontológicas - e estamos: as comunidades cristãs brasileiras são, sem exceção?, medievais, logo, metafísicas e ontológicas -, resulta natural que a teologia metafórica encontre-se, aí, aqui, absolutamente deslocada. A teologia metafórica só logrará encontrar aceso natural em comunidades "esclarecidas" iluminista-romanticamente, em comunidades que compreendem que a metáfora é a forma escolhida por essa parcela da pastoral para, ao mesmo tempo que manter as "palavras que curam", desviar-se da metafísica doutrinária da Idade Média. Fora desse ambiente, não há lugar para ela - salvo na experiência subjetiva do teólogo tectonicamente deslocado. Arrisco dizer que esse é o caso da totalidade dos teólogos metafóricos atuais. Considerando-se os que conheço, sem dúvida. Já o disse pessoalmente a um representante "forte" dessa modalidade de teologia...

3. O mesmo se deve dizer da teologia fenomenológica - somente onde se desejar verdadeiramente, sem tergiversações, sem dissimulações, sem prestidigitações, uma teologia verdadeiramente científico-humanista, só aí, em nenhum lugar mais, emergirá a teologia fenomenológica - que ainda precisa emergir enquanto "fato" para além dos imites de sua simples formulação teórica. Também a teologia fenomenológica é uma reação ao Iluminismo e ao Romantismo europeus, conquanto não seja uma saída pastoral - pelo cntrário. Ela é uma saída heurística, científica - ao menos é o que postula. Mas, nesse sentido, é tão deslocada quanto sa "irmã" de berço, a teologia metafórica.

4. Já a teologia ontológica, não. Ela sequer é necessária e exclusivamente "cristã". Quando nasceu a teologia cristã, já havia pelo meos 100.000 anos que a teologia ontológica adensava seus domínios planetários. Seja o Brasil cristão, seja a África animista, seja o Oriente politeísta, impera aí, inconteste, a teologia ontológica - e, não se enganem, também os cristianismos europeus, todos, o são. Todo o planeta é sua casa. Todo país é sua morada. Ela está em casa em qualquer templo. Ela só não resiste àquele evento secular que, começando com as invasões árabes na Europa (século X), redundou na invenção tectônica das repúblicas modernas (século XIX/XX). Quer dizer, resistir, resiste, mas ao preço ou da sonegação de informação, ou ao preço de sua demonização. Na prática, encontrou um modo de sobreviver nas repúblicas - e, qem sabe?, à República...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

domingo, 14 de março de 2010

(2010/217) Teologia no país de Ameno


1. Em 1996, sob a direção de Eric Lévi, o grupo Era lançou o álbum "Era - Volume 1", onde consta a performance Ameno. Ainda que assemelhada ao latim, a "língua" com a qual a letra é composta é imaginária. Todavia, uma vez que a melodia emprega elementos de música clássica, ópera e canto gregoriano, o efeito é a tradução de um abiente de magia, de mística e religiosidade, transportando o espectador para cenários fantásticos medievais. Mas tudo é tão somente imaginário e subjetivo...


2. No fundo, a Teologia sempre foi assim. Sua língua, suas imagens, sua referência - são abstrações imaginárias. É seu efeito na consciência, na mente, no coração dos espectadores que a tornam efetiva, eficiente, eficaz, porque seu poder reduz-se exclusivamente à sua capacidade de produzir efeitos psico-somáticos - fé e ação - naqueles que se deixam "seduzir", "encantar", "convencer", para usar alguns dos termos de Platão, em A República, quanto à intenção do projeto de A Cidade Bela, em face dos seus cidadãos.

3. Não me surpreende descobrir que a letra de Ameno não tem "sentido", e que todo o jogo é simbólico e performativo, encenado e dirigido pelos "hermeneutas" oficiais - o Era. Esse é, rigorosamente, o mesmo jogo clerical. Não estou me referindo aqui ao fato de, até ontem, ainda, as missas serem em latim. Refiro-me ao fato ainda mais profundo e significativo de que, não importa em que língua missas e cultos sejam celebrados - a analogia com Era/Ameno está implícita, conquanto Ameno seja a sombra de um modelo milenar, muito mais antigo do que todos os cristianismos somados.



4. Chamo a essa Teologia de estilo Ameno de Teologia ontológica. Quando você descobre isso, mas continua a jogo, então eu diria que essa nova Teologia é de essência metafórica - como os fãs do Era, que cantam Ameno, sabendo tratar-se de uma lúdica alucinação performativa, os teólogos metafóricos entregam-se ao lúdico e político jogo de manter as engrenagens girando. O desmancha prazeres, todavia, é o crítico que, olhando da porta a frenética dança teológica, interpreta-a fenomenicamente, desnudando-a. Ah, sim, o efeito dissolve-se no ar. A Teologia fenomenológica não está interessada em manter a dança, a festa, a missa, o culto - ela está interessada, tão somente, em entender como e quem maneja as cordas...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

(2009/502) Uma resposta para Cassia


1. Não é possível, Cassia, pensar Deus, senão por meio de doutrina. Mais do que isso: a mera proposição "de fé" de sua existência já é... doutrina. O simples fato de darmos como certa a sua existência e o modo de nos referirmos a ele já é... doutrina. Deus apenas mora na doutrina. Ou, se quisermos uma referência menos científico-humanista - a doutrina é a janela da casa de Deus, mas a janela e a casa, bem como seu habitante, também são... doutrina.

2. O desejo de "ver" Deus, tocar Deus, contemplá-lo, essa paixão, essa pulsão - é a expressão natural da mística. Quando você expressa o desejo de ver Deus sem doutrinas, mas, como dirão os místicos judeus, diretamente, como quem se põe face a face com Deus, a ponto de quimar-se-lhe as faces pelo fogo divino, você aumenta a fila dos místicos - de Tauler a São João da Cruz, de Mestre Eckhart a Jacob Boehme. A fórmula que mais expressa essa mística apofática é a do Budismo Chan: "Se vires Buda, mata-o". Uma negação/afirmação, uma afirmação/negação, uma intromissão no "Mistério" que se faz envergonhada pela ousadia, uma covardia de olhar que peca pela incontinência... Tillich tentou a fórmula: "Deus é símbolo para Deus", mas aí já se está irremediavelmente preso a uma metafísica racionalizada demais para traduzir-se em mística.

3. Ver Deus sem doutrinas... Por quê? Porque se crê nele tão uterinamente, tão prostaticamente, que se quer vê-lo. É bastante erótica essa teologia - desejo de tocar o corpo quente de Deus, de ver-lhe... a nudez... Vem lá de dentro de nós, das regiões cerebrais mais primitivas. Vem das noites imemoriais da peregrinação humana.

4. Barth, campeão dos campeões da teologia catafática, isto é, daquela que fala de Deus por meio positivo (doutrina), queria uma única doutrina para todas as igrejas do planeta. Por quê? Porque ele cria tão prostaticamente em Deus, e confundia tanto sua crença com "saber", que só lhe parecia natural que todos "soubessem" a mesma coisa - "Deus". O Deus verdadeiro, sabido e crido do modo verdadeiro.

5. Logo, qual é a diferença fundamental entre a teologia apofática e catafática, a negativa e a positiva, a do não-dizer e a do dizer? Nenhuma, absolutamente nenhuma - se o critério for epistemológico. As duas são expressão clássica da fé. Uma é otodoxa, outra pietista. As duas faces da mesma moeda.

6. O que não quer "dizer", isto é, usar doutrina, o místico-contemplativo apaixonado, ele crê tão profundamente que sabe, e pronto. O que quer "dizer", isto é, usar doutrina - a barthiana "Teologia da Palavra" (em sua forma envergonhada, torna-se "Teologia Hermenêutica": nós não sabemos positivamente, eles dizem, nós interpretamos... Ah, entendi...) -, o ortodoxo-racionalizador, ele crê tão profundamente que sabe, e pronto. Os barthianos tendem a ser menos ecumênicos. Já os místicos, deviam ser necessariamente a-doutrinários, a-confessionais, ultra-ecumênicos - mas uma mística cristã, intolerante com a mística budista, hinduísta, "africana", apenas revela o disfarce místico da velha doutrina... cristã.

7. Tive minha fase eckharthiana. Durou um ano e meio, mais ou menos. É uma fase pós-dogmática e pré-epistemológica, mas, ainda, fideísta voluntarista. A mística, quando descobre que todas as doutrinas são fantasias da racionalidade religiosa, envergonha-se, e agarra-se a si mesma em sua pulsão de crer, em sua abertura ao "Mistério", como se isso driblasse a doutrina - porque ela não se dá conta de que ela, a mística, toda mística, é, sempre, doutrinária.

8. Você pode parar na fase apofática. Hoje é até bastante politicamente interessante: crer e deixar crer. Mas isso só funciona se todos forem místicos-monoteístas. Quando a mística se depara com a pluralidade de doutrinas/místicas, ou ela se fecha em si mesma, ou arrebenta. Voltam as velhas questões, relegadas à bruma: Deus? Deuses? Deusa? Deusas? Macho? Fêmea? Assexuado? Bom? Mal? Pessoal? Energético?

9. Severo comigo mesmo, como sou, forcei-me a sair de mim e a me olhar - o que é que eu, Osvaldo, estou fazendo? Por que não percebo que sou sempre eu a inventar saídas? Por que, em vez de olhar para as saídas, não olho para minha produção de saídas? Noutra palavra: por que, em vez de olhar para Deus, positiva ou negativamente, não olho, primero, para eu pensando esse Deus? Por que não encaro de frente essa condição humana?

10. Uma teologia epistemologicamente refletida, não esquecerá que é a consciência humana quem produz todas as idéias sobre Deus, todas as sensações a partir dessas idéias, quando elas são abraçadas como nossas. Deus se torna um ser de espírito, um habitante da noosfera, que nutro, que alimento. Se há Deus fora dessa condição, como saber? Pela fé! Ah, voltamos ao início...

11. Uma teologia fenomenológica não pode ser mística, nem mágica, nem metafórica. Só pode ser científico-humanista, só pode saber que qualquer pessoa, quando pensa em Deus, fala de Deus ou sente Deus, fabula, fantasia, e experimenta suas próprias fabulações e fantasias. As experiências são reais, mas com seres imaginários.

12. O quê? Não posso suportar esse discurso. Está resolvido: sou, ainda, talvez para sempre, metafísico/ontológico.

13. O quê? Posso até suportar esse discurso, mas preciso das palavras para animar comunidades? Está resolvido: sou, e talvez para sempre, metafórico (a comunidade também?).

14. O quê? Não posso não suportar esse discurso? Está resolvido: sou fenomenológico. Bem-vindo ao planeta solidão, não-metafísico, não-metafórico, planeta epistemológico. Se você fizer silênco por um segundo, ouvirá o vento frio que corta a cara a gente soprar na concha do ouvido os murmúrios do Mar Impenetrável...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

(2009/486) Questões teológicas muito profundas


1. Ainda aguardo a "autorização" para que possa publicar, aqui, um "intenso" debate que temos travado, Cassia, Eduardo, Alessandro e eu, todos, estudantes e professores do Curso de Graduação em Teologia em Nova Iguaçu. Temos discutido um tema específico - as "modalidades" discerníveis nas diversas teologias históricas contemporâneas - a partir da base disciplinar Teologia Brasileira.

2. Cassia provocou. Eduardo reagiu. Eu me meti - mandavam e-mail para mim e para o Alessandro... E, finalmente, Alessando escreveu. Uma interessante troca de e-mails comunitários. Se eles autorizarem - já pedi duas vezes, e nada! -, publicarei.

3. Eduardo acabou de escreveu uma réplica à Cassia. Trata de questões sempre sérias. No fundo, o problema é conseguir dar conta de uma atitude fundamental - a relação consciente diante da "tradição", proposta como fé.

4. Sem um sistema teórico de aproximação, isto é, sem que possamos dizer que uma coisa é isso, outra coisa é aquilo, nenhum diálogo é possível. Você poderia considerar que uma obra de arte e uma equação de física quântica sejam a mesma coisa. Bem, são, se você pensa como critéro "produtos humanos". Sim, são, ambos, a obra de arte e a equação quântica, obras humanas - uma escultura e uma fórmula matemática. Mas são coisas completamente diferentes, se o critério é, agora, a pragmática - um, é estético - a obra de arte - o outro, heurístico. Há quem não goste de classificações. Mas elas têm o valor heurístico da nudez: não há biombos, quando se usam classificações, distinções. A crítica é a única garantia democrática do conhcimento.

5. Nesse caso, é curioso perceber como se cogita da dissolução da metafísica, mas, sempre, falando-se em "Deus". Ora, se houver uma mística cética, mesmo, que substitua uma ontologia metafísica ou uma metáfora comunitário-traditiva, ela, a mística, se cética, só pode ser crítica (se não, transforma-se numa metafísica plural bastante folclórica - e, se folclórica...). Ora, ela imediatamente está informada de que a idéia "Deus" é uma idéia histórica. Se há Mistério (o que, em si, já é uma dúvida), não se pode saltar, daí, da possibilidade de Mistério, diretamente, para a possibilidade de "Deus". Pode ser que o mistério seja Deus, Deusa, Deuses, Deusas. Isso que eventualmente seja pode ser energia, "mana", pode ser não-pessoal, e pode ser "pessoal". Pode ser bom, mau, bom-mau (como o Yahweh original, antes da racionalização pós-persa). Pode ser deísmo, teísmo, panteísmo, politeísmo. Pode ser tuido que qualquer religião já inventou, do budismo quase-ateu até o politeísmo hindu de 300.000.000 de deuses, passando pela preseunção monoteísta... Até a metáfora pode ser presunçosa...

6. Logo, a verdadeira crítica metafísico-ontológica, a meu juízo (estou errado? Onde estão os argumentos contrários?), corrói a representação da tradição. Se ainda me apego à representação da tradição, há alguma razão para isso: estética (se pessoal), política (se pastoral - o que não sgnifica, necessariamente, manipulação, mas não é, igualmente, desalienação). A rigor - não sabemos coisa alguma.

7. Por outro lado, reconhecer a "persistência" do Mistério não é recuar para um retorno à metafísica - é perguntar o que é essa "persistência". Perguntar pelo Mistério não produz respostas, porque as respostas que inventamos - Tologias - foram, todas, invenções culturais, seja a ontologia, seja a metáfora, seja a fenomenologia. Agora: a questão é: que tipo de Teologia pode, realmente, sem disfarces, sem "folhas de parreira" (apud Cassia!), fazer a pergunta pelo que é essa persistência? Para mim, apenas as Ciências - e, assim, apenas uma Teologia como Ciência...

8. A velha e boa ontologia pode dar respostas? Pode. Tem dado, em todas as religiões, há mais de dez mil anos. Em termos "istraelitas/judaicos", há uns dois e meio, três. Em termos cristãos, dois mil anos. É ontologia. Tem seu direito. Mas, diante do crivo das Ciências Humanas, é o que é. Mito que desconhece sua condição de mito... Um auno onte me disse: Deus não é mito. Não se discute uma coisa assim.

9. A metáfora, igualmente, não quer investigar. Não quer fazer a pergunta. Quer apenas o direito de poder dizer o que quiser, independentemente de Roma e Witenberg - a questão é política, não heurística. Não é à toa que permanece na tradição, e terá, na tradição, as respostas... Se Galileu fosse por aí, arrumaria um jeito de deixar o sol girando em torno da terra, desde que isso fizesse bem para a comunidade... a seu juízo... Mas Galileu nao poderia ser Galileu, fosse metafórico...

10. Só o espírito crítico-investigativo (com todos os seus defeitos) pode fazer a pergunta. Se pode respondê-la? Penso que sim. Já li Vattimo - tudo dele em português. Não faz perguntas heurísticas. Foge delas. Faz declarações políticas. É legítima a política, mas não para medir a distância entre nós e a Lua... Já Morin, será que foi lido? Eu o li. O caminho para as respostas, até para o modelo de pergunta, está ali, porque ele reúne dezenas de especialistas em dezenas de especialidades. É uma espécie de congregação das teorias científicas de topo, críticas, claro, todas. Não é um solipsismo moriniano, mas a congregação de esforços de um planeta. Morin é multidão...

11. Não sei se há Mistéro algum. Muito menos, se há, o que tem lá, o que ele é, o que eles são, o lá e o Mistério. Sei que minha mente lida com uma noção persistente de Mistério. É essa noção que tem de ser investigada, esse produto da mente, da consciência. Uma teologia fenomenológica lida com isso. Não com o "nome" tranqüilizador "Deus", nem com o Ser. Cada qual faça o que desejar fazer. Cada qual invista no que julgar legítimo investir. Mas quem compra ações, compra ações. Quem compra ouro, ouro. E que guarda no colchão, no colchão. Somos o que somos, independentemente de desgostarmos de que um nome seja dado a isso que somos.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

sábado, 12 de setembro de 2009

(2009/468) Das Três Teologias - e de uma quarta...


1. Para uma recomendável aproximação às escolas teológicas do século XX, não conheço nada tão bom quanto A Teologia do Século XX, de Rosino Gibellini, publicado pela Loyola. É realmente uma excelente obra de introdução - e até para mais do que uma simples introdução - às correntes históricas da teologia do século passado, iniciando com o "confronto" entre as teologias liberal e dialética, até as contemporâneas teologias feminista e negra, por exemplo. Para uma abordagem cássica à teologia, insisto, sumamente recomendável, tem-se Gibellini.

2. Falo "abordagem clássica", porque mesmo Gibellini apenas "descreve" - e muito bem - as diversas correntes, seus pressupostos, seus defensores, as obras principais. Trata-se de um caso de desdobramento do modo comum de se falar de teologia - por exemplo, Teologia Bíblica e Teologia Sistemática.

3. Eu, todavia, gosto de, primeiro, aproximar-se de sobrevôo. Não me sinto confortável com um simples roteiro ponto por ponto, escola por escola, sem, antes, ter uma visão sistêmica do conjunto. Quero saber o que realmente se faz em cada uma das "escolas". Que tipo de teologia é a que se faz aí. E, para isso, os manuais - mesmo Gibellini - são insuficientes, a despeito do valor imenso de sua obra.

4. Para poder aproximar-me com maior "inteligência" das diversas teologias concretas, seja in vitro (literatura), seja in vivo, uso uma classificação que organiza as diversas correntes tendo por base seus pressupostos teórico-estatutários. Isso me permite entrever, por sobre o caos das teologias, três territórios muito claramente demarcados, conquanto, sob nenhum aspecto, igualitariamente distribuídos.

5. Penso, então, ser possível diferenciar as teologias em três grupos: ontologia, metáfora e fenomenologia.

6. Teologia ontológica ou teologia-como-ontologia é aquela que se traduz em mediação racionalizada de conteúdos metafísicos. As palavras que ela usa e dirige à comunidade revestem-se, programaticamente, de apreensões e apresentações de grandezas metafísicas "reais" e "verdadeiras". Por exemplo, quando o teólogo fala sobre "Espírito Santo" (no caso de se tratar de uma teologia ontológica cristã), o teólogo está se referindo mesmo à "Terceira Pessoa da Trindade". Deus, Cristo, graça, pecado, céu, salvação (para ficar no caso cristão) são - todas - palavras a que correspondem "verdades absolutas". É a teologia que se faz há dois mil anos, no cristianismo, e desde sempre, em todas as religiões do planeta.

7. Teologia como metáfora é outra coisa. O teólogo metafórico também usa as mesmas palavras que o teólogo ontlógico, e tabém as dirige à mesma comunidade. No entanto, ao contrário do teólogo ontológico, que crê que por trás da palavras há uma realidade "real" e "verdadeira", o teólogo metafórico apenas usa palavras "úteis" da tradição, com as quais constrói sentido para a comunidade, sem que considere que tais palavras apontem (para) realidades fechadas, reais, unívocas, no "além". São meramente palavras, instrumentos retóricos de construção de realidade, significativas. Quando um teólogo metafórico usa a palavra "Espírito Santo", ele está apenas evocando a força traditiva que tem essa fórmla para construir sentido e mundo. Ele não está propriamente falando do mesmo "Espírito Santo" de quem falaria um teólogo ontológico, conquanto use a mesma palavra. É que, para ele, essa palavra é "meramente" um instrumento retórico, uma metáfora, portadora de força "cosmogônica". É um "demiurgo" o teólogo metafórico...

8. A teologia fenomenológica é, ainda, uma terceira coisa, absolutamente diferente das anteriores. A principal diferença dela em relação a suas predecessoras é que a teloogia fenomenológica não é "política". Em termos pragmáticos, quer a teologia ontológica, quer a teologia metafórica, constroem-se com vistas a dar sentido e realidade a um mundo de fé e tradição - a "comunidade". São discursos políticos em sentido programático. Não são "investigação", nem "estudo" - são discursos performativos, palavras de ordem, mais ou menos fechadas (a teologia como metáfora tenderá [mais] à pluralidade e ao ecumenismo, ao passo que a teologia ontológica tenderá [mais] ao fundamentalismo excusivista - o que faz de ambas projetos muito díspares, é verdade).

9. Assim, a teologia fenomenológica não se "dirige" à comunidade. Ela é, basicamente, pesquisa, estudo, cujo conteúdo, cujo objeto constitui-se pelo conjunto dos discursos humanos sobre o sagrado. Quando um teólogo fenomenológico tem nas mãos a palavra Espírito Santo ("tem nas mãos", porque não é uma palavra que ele "use", ele apenas a "maneja"), isso quer dizer que ele está pesquisando o sentido com que essa palavra era usada em tal lugar, por tal pessoa, em tal época, investigando seus efeitos na linha do tempo, suas implicações éticas, por exemplo.

10. Hans Küng, em Teologia a Caminho (Paulinas), postula uma "teologia histórico-crítica", à altura e semelhança da exegese histórico-crítica. Eu diria que essa teologia histórico-crítica de Hans Küng deve ser considerada um conjunto interno (um hipônimo) da teologia fenomenológica, porque, por exemplo, não sei como seria o caso de uma teologia umbandista histórico-crítica, já que a tradição umbandista não se funda em "Escritura", e a metodologia histórico-crítica baseia-se exatamente em crítica das Escrituras (no campo religioso). ao passo que um teólogo umbandista pode operar adequadamente no campo da fenomenologia. O "espírito" de uma teologia histórico-crítica está suficientemente garantido em uma teologia mais ampla, menos presa aos pressupsotos da teologia cristã, e, por isso, fenomenológica.

11. Minha análise de teólogo é que a teologia como ontologia não tem qualquer possibilidade de diálogo com a pesquisa. Nenhuma. De nenhum tipo. No momento, teólogos ontológicos brasileiros argumentam em favor da manutenção da confessionalidade e da "dimensão" da fé no MEC, confundindo questões epistemológicas com "identidade traditiva" - uma pena. Seu "pecado" é não ter aprendido absolutamente nada com o século XIX e, na prática, ainda viver na Idade Média. Desde Kant que se devia saber que fé não é conhecimento. Contudo, insiste-se...

12. O problema da teologia como metáfora me parece duplo. Um, acadêmico. A metáfora, na academia, não serve para grande coisa. A metáfora é um instrumento retórico para dizer coisas por outro meio consideradas indizíveis. Assim, tratar-se ia, das duas uma: ou de uma catequese disfarçada, ou de uma sessão de "testemunhos estéticos plurais", ao gosto de uma pós-modernidade acrítica. O segundo problema é ético: até que ponto leitores de livros de teologia metafórica estão cientes de que se trata de metáfora? Sou testemunha pessoal de que uma classe de teologia ("ontologia") está estudando um livro sobre Espírito Santo, crendo que se trata, mesmo, "Dele". Além disso, se a "comunidade" - palavra e questão cara ao teólogo metafórico, de outro modo, não se faria necessária a manutenção da tradição na forma de metáfora - não sabe que joga um jogo de metáfora, que jogo ela joga?

13. O problema com a teologia fenomenológica é que, a despeito de sua perfeita adequação pragmática aos citérios da heurística científico-humanista (ou seja, apesar de ela fazer-se verdadeiramente ciência humana - é a única das três que, de fato, tem potencial científico-humanista), ela não dá conta da dimensão "espiritual" do próprio teólogo fenomenológico. Eventualmente, por hipótese (não pensei nisso suficientemente), um teólogo que, na comunidade, pronuncia-se (honstamente) ontologicamente, poderia, na academia, comportar-se fenomenologicamente (há implicações éticas aqui, eu sei, mas há casos assim, e os conheço). O problema, contudo, é o caso do teólogo fenomenológico que, também na vida, assumiu os pressupsotos científico-humanistas de compreensão do fenômno religioso. Ele sabe que não pode saber nada sobre o "sagrado", nem se para além do fenômeno antropológico - o "sagrado" é um fenômeno antropológico - há alguma "Coisa". E, no entanto, se ele se abre para esse Mistério - é o meu caso - que nome dar a isso?

14. Como qualificar uma teologia que "sabe" que não sabe se Deus existe? Que reconhece que o conjunto inteiro, sem exceção, das doutrinas humanas, cristãs e não-cristãs, são aquilo mesmo que delas disse Feuerbach - "projeção"? Que é e só pode ser cética? Que - todavia! - olha para o Vazio com olhos de Saudade? Que - todavia! - "pressente" um cheiro de maresia, como quem se aproxima do mar, mas, ainda, não o vê? Que - todavia - dirige palavras ao Inefável, sem que, por um minuto, transforme em "fé" a sua dúvida, que permanece, para sempre, incerteza e tremor?

15. Não se pode chamar a isso de teologia ontológica - porque ela é cética. Não se pode sequer chamar a isso de teologia negativa, ao modo de Mestre Eckhart, porque a teologia negativa "sabe" que Deus é de tal modo transcendete que "sabe" que é um pecado falar de Deus - logo, ela é silêncio... A teologia confessional sabe, e fala do que sabe, a negativa, sabe, e sabe que não pode falar. Mas não é o caso de um teólogo que, como eu, não sabe abolutamente nada, coisa alguma, senão que foi contamidado - talvez essa seja a questão - com "gotas de saudade", uma abertura antropológica, assumida como tal, sempre lembrado, para o Além, sem que o Além possa ser, jamais!, apontado, sequer, assumido, apenas, desejado... na dúvida irrecusável da fé-dúvida...

16. Diria, então, que me resolvi academicamente. Tenho nome e jeito para o que faço - teologia como fenomenologia. Mas não me resolvi na vida. Aqui, agora, olho para Quem? e sequer sei se estou só ou se Alguém me acompanha. Gosto de pensar que sim. Mas sempre saberei que nunca passará diso - de gosto... Puro desejo de criança. Se para Freud isso era um defeito, não sei se quero cura.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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