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segunda-feira, 3 de maio de 2010

(2010/363) Segunda reação ao post de Haroldo Reimer (2010/361) Teologia Heurística?


1. Porque a diferença é o século XIX. Meu amigo Haroldo fez perguntas muito pontuais e pertinentes em seu post (2010/361) Teologia heurística?. Aqui, quero responder a uma delas: "Osvaldo, com muito fôlego, tem proposto uma classificação tripartite da Teologia: metafísica, metafórica e heurística. A primeira é a tradicional, de corte vétero-medieval. A segunda respira as energias das ciências da linguagem, tendo, com novo fôlego, dedicado o post (2010/351) Metáfora e sacramento. A isso ainda quero reagir com mais vagar. Por ora, preocupa-me a pergunta: qual é a distinção efetiva entre o primeiro tipo e o segundo? Ambas tem destino ao manejo da arena da política, que é o espaço efetivo da Teologia e aquilo que lhe corresponde em outras culturas, a saber a ordem mitológica. A pergunta que me fica é: será que a diferença entre ambas não reside somente na consciência do sujeito operante em relação ao seu objeto?".

2. Sua segunda formulação da pergunta, Haroldo, parece-me que você toca em cheio na questão. Ela não seria precisamente a resposta, mas uma inferência adequada da resposta. A rigor, o que difere a Teologia metafísica (ontológica) da metafórica (narrativa) é o modo como recebem o século XIX. O "modelo" para a Teologia metafísica pode ser Karl Barth - a "doutrina" positiva da Igreja (e Barth não considera a hipótese de doutrinas e igrejas, mas de "doutrina" de de "igreja") é revelação especial de Deus, inacessível em qualquer outro lugar que não a "revelação". Desde aí, para cima e para baixo, você pode reunir uma série de Teologias "mais ou menos" ontológicas, na medida em que negociam mais ou menos material para compor o núcleo duro da "doutrina revelada". Cabem, aí, posturas tão distantes, mas, nem por isso, radicalmente distintas, quanto Tillich e Bultmann, de um lado, e Moltmann e Pannemberg, de outro, para não citar a interminável lista dos teólogos que freqüentam as edições teológicas das Editoras evangélicas, onde, no limite, a Teologia se dissolve em catequese. Para essa corrente, trata-se de obter uma forma criativa de contornar o século XIX, começando pela astúcia retórica de Barth: "sim, o homem está preso à história e à cultura [com o que ele "concorda" com o XIX], mas Deus, não!, Deus pode "vir" e "revelar-se" ao homem insulado [com o que ele coopta o XIX, mudando tudo, para não mudar nada...].

3. A Teologia como metáfora, não. Ela assume integralmente o século XIX. Ela reconhece que o homem jaz irremediavelmente na história e na cultura (e de tal sorte que sequer há como "falar" de revelação, posto que seria necessário a alguém um olhar não-humano para inclusive indentificá-la, e critérios não-humanos para homologá-la). No entanto, a Teologia como metáfora "ama" de tal modo a "comunidade de fé", que se esforça pela manutenção das palavras sagradas, porque são as palavras sagradas - a "Teologia" - que dá configuração e conforto a essa mesma comunidade. Tenho conversado com Alessando Rocha sobre essa definição, e ele a tem endossado, na condição de representante da corrente. Para a Teologia como metáfora, o conteúdo da fé constitui uma "narrativa" - mito, se preferir - instrumental, motivadora, animadora, confortadora. Não se trata de, por meio delas, apontar para realidades metafísicas, mas para dimensões subjetivas e relacionais. As palavras sagradas da fé somente não são finais, somente não começam e acabam em si mesmas, porque não são elas a chave de compreensão dessa corrente, mas, antes, a "comunidade de fé", de modo que, por isso, as palavras da fé, metafóricas e poéticas, constituem um "instrumento" pastoral.

4. Enquanto a Teologia ontológico/metafísica constitui-se sobre o tripé - 1) realidade metafísica tomada como realidade forte, 2) palavras sagradas "fortes", reveladoras/representadoras da realidade metafísica forte e 3) comunidade de fé, por sua vez a Teologia metafórica/narrativa sustenta-se apenas sobre dois pilares: a) palavras sagradas "fracas", não-representacionais, destinadas à configuração e ao conforto da comunidade e 2) a própria comunidade.

5. Desde essa precisão configurativa, advêm conseqüências: a) como você bem sustentou, ambas são políticas, no sentido de que ambas estão interessadas no trato comunitário-pastoral; b) ambas são, por isso, "pastorais"; c) os valores de cada Teologia encontram-se invertidos - a Teologia metafísica tem seu "coração" no Ser, que ela tem configurado nas "palavras fortes da fé", e a que faz submeter-se a comunidade de fé (logo se vê, a comunidade é o terceiro elemento da série valorativa). Já a Teologia metafórica tem seu "coração" na comunidade, para cuja configuração e conforto "usa" as palavras fracas da fé, que são essas que aí estão, mas podiam ser quaisquer outras.

6. Talvez seja pouca a diferença entre a Teologia ontológica e a metafórica, principalmente se comparadas à Teologia fenomenológica. Mas não é tão pequena assim. A Teologia metafórica representa a tentativa de conciliação entre a mentalidade ocidental-moderna e a tradição, assumindo como mito/narrativa as palavras sagradas, mas fazendo-o de modo a conferir valor positivo ao juízo crítico da modernidade, e esforçando-se pela "salvação" histórico-cultural das comunidades de fé. Em solo brasileiro, quer-me parecer que ela esteja longe de tornar-se operacional, porque as comunidades são formadas por homens e mulheres com mentalidade pré-moderna, "vetero-medieval", como você disse. É o problema de uma formação baseada nos pressupostos europeus, quando o "público alvo" encontra-se, ainda, nos dias barrocos...

7. É provável que a Teologia metafórica, política, encontre expressão individual na forma futura de uma Teologia estética. Isso seria curioso, na medida em que resgataria, numa outra dimensão e com outra funcionalidade, o "modelo" do "deus dos pais", ainda que de forma ainda mais nuclear, agora radicalmente nuclear. Quando o sujeito de fé conceber-se ele mesmo como um animador de mitos, e considerar o conceito de "Deus" ou de "deuses" na forma de "amigos imaginários", estará aberta a estrada para a multiplicidade de narrativas teológicas, todas elas sem nenhum lastro de dependência que não a instância noológica subjetiva de onde provêm - a consciência criativa e criadora da experiência humana - do que estamos informados desde... o século XIX...

8. Por enquanto, as duas encontram-se como candidatas à direção dos "povos dos deuses". São, sobretudo, religiosas. De um lado, os velhos xamãs e videntes, afiançadores da revelação; de outro, poetas e narradores, a promover conforto por meio da identificação com enredos de salvação e libertação. Está cedo para apostas. Contento-me com a tentativa de contribuir para uma classificação das Teologias que, cada vez mais, avolumam as representações confessionais na Universidade brasileira. E, será que erro, são, todas, até agora, ontológicas.

9. O que acha, meu amigo - além de "fôlego", tem "substância" nesses arrazoados matinais?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

domingo, 2 de maio de 2010

(200/362) Primeira reação ao post de Haroldo Reimer - (2010/361) Teologia heurística?


1. Porque a Teologia é, agora, uma coisa nova. Meu amigo Haroldo Reimer escreveu o post (2010/361) Teologia heurística? Que bom! Haroldo faz falta em Peroratio. Animo-me, quando ele escreve. E, particularmente em relação ao assunto que escolheu, minha animação é ainda maior. Encontro-me pulsionalmente envolvido com a quetão do estatuto epistemológico da Teologia, e, para esse fim, tenho-lhe proposto uma nova classificação - Teologia como ontologia (metafísica), Teologia como metáfora (narrativa) e Teologia como fenomenologia (heurística). O artigo de proposição formal sairá publicado na Revista Pistis & Praxis, da PUC-PR. Mas gostaria de reagir a algmas questões postas por meu amigo.

2. Antes de qualquer coisa: não se trata de uma nova classificação para a Teologia... cristã. Para mim, não há mais como falar de Teologia e, sub-repticiamente, subentender-se "Teologia cristã". Desde 1999, Teologia não é mais propriedade da Igreja - nem das igrejas. Ela passa a ser um conjunto de saberes e procedimentos sob a administração da República Federativa do Brasil, que é laica. Assim, a Teologia é uma disciplina oferecida seja por cristãos, por umbandistas, por kardecistas e por messiânicos, sempre por meio de IES credenciada pelo Governo Federal e de cursos autorizados/reconhecidos pelo MEC. Se continuarmos a insistir numa retórica de Teologia... cristã, sendo o contexto da discussão a sua análise epistemológica, incorreremos na anacronia de insistirmos na propriedade de uma coisa que não é mais nem apenas cristã nem mais (apenas) nossa. Teologia, agora, é multi-referencial.

3. A classificação que proponho não tem em vista uma Teologia cistã isolada. Te em vista a Teologia cristã mais a Telogia kardecista mais a Teologia umbandista mais a Telogia messiânica - emais qualquer outra que venha somar a essas quatro representaões traditivas. É necessário reconhecer que nenhum critéio de classificação até hoje elaborado atende a nossa situação. Nem mesmo o fato de a Teologia estar na CAPES há décadas significou alguma coisa de realmente concreto nesse cntexto, porque a Teologia enclausuou-se em seu mundo medieval, defendendo nucleos confessionais revelados e normativos, onde a regra do jogo fora, sepre, heurística e crítica. O evento significativo, aí, é a Graduação - um aríete nos ortões a Teologia. Teologia Sistemática de um lado, e Bíblica de outro, não atende o objeto novo que é a Telogia no MEC. Quando por nenhuma outra razão, porque não há Bíblia na Umbanda!

4. Insito, portanto: é preciso uma classificação nova, sob novos enfoques, sob novos critérios, sob novos pressupsotos, porque a situação é nova, o objeto "Teologia" é outro, é novo, não é mais aquele com que trabalhávamos. Não nos demos conta, mas a Teologia não é mais aquilo que fazíamos, aquilo que chamávamos pelo nome que Platão parece ter "inventado". Teologia é outra coisa, agora, e precisa dizer o que é. Se posso empregar uma metáfora analógica: o ladrão entrou pela janela, e levou tudo, e não nos demos conta... O Filho do Homem veio em hora em que nos descuidamos... Acostumados à pregação da súbita parousia, fomos é nós mesmos pegos desprevenidos - pior, ainda estamos esperando Deus sabe pelo que... Entendamos de uma vez por todas: o mundo antigo se foi - com o MEC, tudo é novo. Pouca coisa "velha" há de servir, e também aí cabe a metáfora dos odres velhos e remendos novos...

5. Sim, a Exegese já se emancipou - "graças a Deus". Ainda há rincões teológicos que emcabrestam a pática exegética, atrelando-a à Teologia, a velha. Mas aí não se pratica Exegese, de fato. Aí se domestica um processo, como se domesticam pessoas, onde quer que a Teologia encene sua dança milenar. A Exegese aproxima-se da História, da Arqueologia, da Análise do Discurso (logo, da Lingüística), da Filologia, e, por necessária extensão, da Antropologia e da Sociologia, sem negligenciar, nem por um segundo, a Fenomenologia da Religião. A Exegese já está em casa, e só não avançou ainda mais significativamente porque, do lado da Teologia, ainda encontra reações conservadoras que emperram seu avanço independente, e, do lado da História e suas co-irmãs, encontra a suspeita de que ela ainda seja uma espécie de Teologia disfarçada. A Exegese, contudo, quando praticada como tal, está a anos-luz de distância da Teologia tal qual ela é praticada ainda hoje nos ambientes confessionais - incusive a CAPES.

6. Já a Teologia precisa achar seu rosto. Isso não significa que ela precisa convencer ao MEC de que, tal qual ela é e se faz por exemplo, na CAPES, ela é "ciência" - porque não é. Não é nem quer ser. Como Haroldo comenta no início de seu post, os eixos epistemológicos científico-humanistas impostos pelo PARECER CNE/CES 118/2009 constrangem a Teologia justamente porqe ela não tem o perfil apropriado do jogo científico, e, diante daquela exigência, que a uma ciência significaria seu próprio pathos, ela, contudo, sente-se afrontada.

7. Na próxima reação, responderei a duas questões que meu amigo levanta: a) qual a real diferença entre uma teologia metafísica e uma teologia ontológica, e b) o que é que uma teologia heurística pensa que poderá/irá descobrir?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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