1. Porque a diferença é o século XIX. Meu amigo Haroldo fez perguntas muito pontuais e pertinentes em seu post (2010/361) Teologia heurística?. Aqui, quero responder a uma delas: "Osvaldo, com muito fôlego, tem proposto uma classificação tripartite da Teologia: metafísica, metafórica e heurística. A primeira é a tradicional, de corte vétero-medieval. A segunda respira as energias das ciências da linguagem, tendo, com novo fôlego, dedicado o post (2010/351) Metáfora e sacramento. A isso ainda quero reagir com mais vagar. Por ora, preocupa-me a pergunta: qual é a distinção efetiva entre o primeiro tipo e o segundo? Ambas tem destino ao manejo da arena da política, que é o espaço efetivo da Teologia e aquilo que lhe corresponde em outras culturas, a saber a ordem mitológica. A pergunta que me fica é: será que a diferença entre ambas não reside somente na consciência do sujeito operante em relação ao seu objeto?".
2. Sua segunda formulação da pergunta, Haroldo, parece-me que você toca em cheio na questão. Ela não seria precisamente a resposta, mas uma inferência adequada da resposta. A rigor, o que difere a Teologia metafísica (ontológica) da metafórica (narrativa) é o modo como recebem o século XIX. O "modelo" para a Teologia metafísica pode ser Karl Barth - a "doutrina" positiva da Igreja (e Barth não considera a hipótese de doutrinas e igrejas, mas de "doutrina" de de "igreja") é revelação especial de Deus, inacessível em qualquer outro lugar que não a "revelação". Desde aí, para cima e para baixo, você pode reunir uma série de Teologias "mais ou menos" ontológicas, na medida em que negociam mais ou menos material para compor o núcleo duro da "doutrina revelada". Cabem, aí, posturas tão distantes, mas, nem por isso, radicalmente distintas, quanto Tillich e Bultmann, de um lado, e Moltmann e Pannemberg, de outro, para não citar a interminável lista dos teólogos que freqüentam as edições teológicas das Editoras evangélicas, onde, no limite, a Teologia se dissolve em catequese. Para essa corrente, trata-se de obter uma forma criativa de contornar o século XIX, começando pela astúcia retórica de Barth: "sim, o homem está preso à história e à cultura [com o que ele "concorda" com o XIX], mas Deus, não!, Deus pode "vir" e "revelar-se" ao homem insulado [com o que ele coopta o XIX, mudando tudo, para não mudar nada...].
3. A Teologia como metáfora, não. Ela assume integralmente o século XIX. Ela reconhece que o homem jaz irremediavelmente na história e na cultura (e de tal sorte que sequer há como "falar" de revelação, posto que seria necessário a alguém um olhar não-humano para inclusive indentificá-la, e critérios não-humanos para homologá-la). No entanto, a Teologia como metáfora "ama" de tal modo a "comunidade de fé", que se esforça pela manutenção das palavras sagradas, porque são as palavras sagradas - a "Teologia" - que dá configuração e conforto a essa mesma comunidade. Tenho conversado com Alessando Rocha sobre essa definição, e ele a tem endossado, na condição de representante da corrente. Para a Teologia como metáfora, o conteúdo da fé constitui uma "narrativa" - mito, se preferir - instrumental, motivadora, animadora, confortadora. Não se trata de, por meio delas, apontar para realidades metafísicas, mas para dimensões subjetivas e relacionais. As palavras sagradas da fé somente não são finais, somente não começam e acabam em si mesmas, porque não são elas a chave de compreensão dessa corrente, mas, antes, a "comunidade de fé", de modo que, por isso, as palavras da fé, metafóricas e poéticas, constituem um "instrumento" pastoral.
4. Enquanto a Teologia ontológico/metafísica constitui-se sobre o tripé - 1) realidade metafísica tomada como realidade forte, 2) palavras sagradas "fortes", reveladoras/representadoras da realidade metafísica forte e 3) comunidade de fé, por sua vez a Teologia metafórica/narrativa sustenta-se apenas sobre dois pilares: a) palavras sagradas "fracas", não-representacionais, destinadas à configuração e ao conforto da comunidade e 2) a própria comunidade.
5. Desde essa precisão configurativa, advêm conseqüências: a) como você bem sustentou, ambas são políticas, no sentido de que ambas estão interessadas no trato comunitário-pastoral; b) ambas são, por isso, "pastorais"; c) os valores de cada Teologia encontram-se invertidos - a Teologia metafísica tem seu "coração" no Ser, que ela tem configurado nas "palavras fortes da fé", e a que faz submeter-se a comunidade de fé (logo se vê, a comunidade é o terceiro elemento da série valorativa). Já a Teologia metafórica tem seu "coração" na comunidade, para cuja configuração e conforto "usa" as palavras fracas da fé, que são essas que aí estão, mas podiam ser quaisquer outras.
6. Talvez seja pouca a diferença entre a Teologia ontológica e a metafórica, principalmente se comparadas à Teologia fenomenológica. Mas não é tão pequena assim. A Teologia metafórica representa a tentativa de conciliação entre a mentalidade ocidental-moderna e a tradição, assumindo como mito/narrativa as palavras sagradas, mas fazendo-o de modo a conferir valor positivo ao juízo crítico da modernidade, e esforçando-se pela "salvação" histórico-cultural das comunidades de fé. Em solo brasileiro, quer-me parecer que ela esteja longe de tornar-se operacional, porque as comunidades são formadas por homens e mulheres com mentalidade pré-moderna, "vetero-medieval", como você disse. É o problema de uma formação baseada nos pressupostos europeus, quando o "público alvo" encontra-se, ainda, nos dias barrocos...
7. É provável que a Teologia metafórica, política, encontre expressão individual na forma futura de uma Teologia estética. Isso seria curioso, na medida em que resgataria, numa outra dimensão e com outra funcionalidade, o "modelo" do "deus dos pais", ainda que de forma ainda mais nuclear, agora radicalmente nuclear. Quando o sujeito de fé conceber-se ele mesmo como um animador de mitos, e considerar o conceito de "Deus" ou de "deuses" na forma de "amigos imaginários", estará aberta a estrada para a multiplicidade de narrativas teológicas, todas elas sem nenhum lastro de dependência que não a instância noológica subjetiva de onde provêm - a consciência criativa e criadora da experiência humana - do que estamos informados desde... o século XIX...
8. Por enquanto, as duas encontram-se como candidatas à direção dos "povos dos deuses". São, sobretudo, religiosas. De um lado, os velhos xamãs e videntes, afiançadores da revelação; de outro, poetas e narradores, a promover conforto por meio da identificação com enredos de salvação e libertação. Está cedo para apostas. Contento-me com a tentativa de contribuir para uma classificação das Teologias que, cada vez mais, avolumam as representações confessionais na Universidade brasileira. E, será que erro, são, todas, até agora, ontológicas.
9. O que acha, meu amigo - além de "fôlego", tem "substância" nesses arrazoados matinais?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Sua segunda formulação da pergunta, Haroldo, parece-me que você toca em cheio na questão. Ela não seria precisamente a resposta, mas uma inferência adequada da resposta. A rigor, o que difere a Teologia metafísica (ontológica) da metafórica (narrativa) é o modo como recebem o século XIX. O "modelo" para a Teologia metafísica pode ser Karl Barth - a "doutrina" positiva da Igreja (e Barth não considera a hipótese de doutrinas e igrejas, mas de "doutrina" de de "igreja") é revelação especial de Deus, inacessível em qualquer outro lugar que não a "revelação". Desde aí, para cima e para baixo, você pode reunir uma série de Teologias "mais ou menos" ontológicas, na medida em que negociam mais ou menos material para compor o núcleo duro da "doutrina revelada". Cabem, aí, posturas tão distantes, mas, nem por isso, radicalmente distintas, quanto Tillich e Bultmann, de um lado, e Moltmann e Pannemberg, de outro, para não citar a interminável lista dos teólogos que freqüentam as edições teológicas das Editoras evangélicas, onde, no limite, a Teologia se dissolve em catequese. Para essa corrente, trata-se de obter uma forma criativa de contornar o século XIX, começando pela astúcia retórica de Barth: "sim, o homem está preso à história e à cultura [com o que ele "concorda" com o XIX], mas Deus, não!, Deus pode "vir" e "revelar-se" ao homem insulado [com o que ele coopta o XIX, mudando tudo, para não mudar nada...].
3. A Teologia como metáfora, não. Ela assume integralmente o século XIX. Ela reconhece que o homem jaz irremediavelmente na história e na cultura (e de tal sorte que sequer há como "falar" de revelação, posto que seria necessário a alguém um olhar não-humano para inclusive indentificá-la, e critérios não-humanos para homologá-la). No entanto, a Teologia como metáfora "ama" de tal modo a "comunidade de fé", que se esforça pela manutenção das palavras sagradas, porque são as palavras sagradas - a "Teologia" - que dá configuração e conforto a essa mesma comunidade. Tenho conversado com Alessando Rocha sobre essa definição, e ele a tem endossado, na condição de representante da corrente. Para a Teologia como metáfora, o conteúdo da fé constitui uma "narrativa" - mito, se preferir - instrumental, motivadora, animadora, confortadora. Não se trata de, por meio delas, apontar para realidades metafísicas, mas para dimensões subjetivas e relacionais. As palavras sagradas da fé somente não são finais, somente não começam e acabam em si mesmas, porque não são elas a chave de compreensão dessa corrente, mas, antes, a "comunidade de fé", de modo que, por isso, as palavras da fé, metafóricas e poéticas, constituem um "instrumento" pastoral.
4. Enquanto a Teologia ontológico/metafísica constitui-se sobre o tripé - 1) realidade metafísica tomada como realidade forte, 2) palavras sagradas "fortes", reveladoras/representadoras da realidade metafísica forte e 3) comunidade de fé, por sua vez a Teologia metafórica/narrativa sustenta-se apenas sobre dois pilares: a) palavras sagradas "fracas", não-representacionais, destinadas à configuração e ao conforto da comunidade e 2) a própria comunidade.
5. Desde essa precisão configurativa, advêm conseqüências: a) como você bem sustentou, ambas são políticas, no sentido de que ambas estão interessadas no trato comunitário-pastoral; b) ambas são, por isso, "pastorais"; c) os valores de cada Teologia encontram-se invertidos - a Teologia metafísica tem seu "coração" no Ser, que ela tem configurado nas "palavras fortes da fé", e a que faz submeter-se a comunidade de fé (logo se vê, a comunidade é o terceiro elemento da série valorativa). Já a Teologia metafórica tem seu "coração" na comunidade, para cuja configuração e conforto "usa" as palavras fracas da fé, que são essas que aí estão, mas podiam ser quaisquer outras.
6. Talvez seja pouca a diferença entre a Teologia ontológica e a metafórica, principalmente se comparadas à Teologia fenomenológica. Mas não é tão pequena assim. A Teologia metafórica representa a tentativa de conciliação entre a mentalidade ocidental-moderna e a tradição, assumindo como mito/narrativa as palavras sagradas, mas fazendo-o de modo a conferir valor positivo ao juízo crítico da modernidade, e esforçando-se pela "salvação" histórico-cultural das comunidades de fé. Em solo brasileiro, quer-me parecer que ela esteja longe de tornar-se operacional, porque as comunidades são formadas por homens e mulheres com mentalidade pré-moderna, "vetero-medieval", como você disse. É o problema de uma formação baseada nos pressupostos europeus, quando o "público alvo" encontra-se, ainda, nos dias barrocos...
7. É provável que a Teologia metafórica, política, encontre expressão individual na forma futura de uma Teologia estética. Isso seria curioso, na medida em que resgataria, numa outra dimensão e com outra funcionalidade, o "modelo" do "deus dos pais", ainda que de forma ainda mais nuclear, agora radicalmente nuclear. Quando o sujeito de fé conceber-se ele mesmo como um animador de mitos, e considerar o conceito de "Deus" ou de "deuses" na forma de "amigos imaginários", estará aberta a estrada para a multiplicidade de narrativas teológicas, todas elas sem nenhum lastro de dependência que não a instância noológica subjetiva de onde provêm - a consciência criativa e criadora da experiência humana - do que estamos informados desde... o século XIX...
8. Por enquanto, as duas encontram-se como candidatas à direção dos "povos dos deuses". São, sobretudo, religiosas. De um lado, os velhos xamãs e videntes, afiançadores da revelação; de outro, poetas e narradores, a promover conforto por meio da identificação com enredos de salvação e libertação. Está cedo para apostas. Contento-me com a tentativa de contribuir para uma classificação das Teologias que, cada vez mais, avolumam as representações confessionais na Universidade brasileira. E, será que erro, são, todas, até agora, ontológicas.
9. O que acha, meu amigo - além de "fôlego", tem "substância" nesses arrazoados matinais?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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