sexta-feira, 2 de outubro de 2009

(2009/504) "Cata" e "apo" o quê?


1. Catafática e apofática. Dois termos - de origem grega - para designar dois tipos de teologia: teologia catafática e teologia apofática.

2. A teologia catafática é aquela e toda aquela que parte do pressuposto de que de Deus se pode falar, e que isso que se fala de Deus é de Deus mesmo que fala. A teologia catafática é, assim, proposicional, positiva, doutrinária, dogmática, catequética, ortodoxa.

3. A teologia apofática é quela e toda aquela que parte do pressuposto de que de Deus não se pode falar, e tudo o que se diz de Deus é pecado e blasfêmia. A teologia apofática é, assim, não-proposicional, negativa, mística, contemplativa, pietista.

4. A teologia catafática pode assumir formas diferentes: a barthiana, de caráter radical e extremamente positivo, a ponto de postular uma doutrina só para todo o Cristianismo (não é à toa que a Sistemática católica contemporânea use e abuse de Karl Barth!); a tillichiana, mais "envergonhada" de dizer, mas, ainda ssim, "dizente", ainda que o que diga, e diz, ah, e como diz, diga-se constituir "símbolo" - "Deus é símbolo para Deus"; a bultmanniana, que, mesmo rompendo com a história e a positividade da revelação, pressupõe o anúncio sacramental-existencial de Deus no querigma; a teologia hermenêutica, uma tentativa de contornar os excessos de Barth e de Bultmann, um Fuchs mais bultmanniano e um Ebeling mais barthiano, mas, ambos, tentando dissolver as radicalidades, resultando num ainda dizer teológico, logo, catafático; pannenberguiana, pseudo-histórica, mas, a rigor, um envergonhamento barthiano dissimulado em história, mas, sobretudo, um dizer de Deus como que na história; e por aí vai.

5. Também a teologia apofática pode assumir diferentes formas - com Mestre Eckhart, quer-me parecer que temos a sua forma mais radical, a "teologia negativa", mas que rivaliza com o Budismo Chan, cuja fórmula é: "se vires Buda, mata-o" (que distância estamos da Sistemática de Tillich e de sua fórmula "Deus é símbolo para Deus"!).

6. Pois bem: são a mesma coisa. Ainda que uma seja absolutamente negativa (os alunos se assustam com ela, porque percebem que uma teologia apofática desmonta as estruturas políticas da teologia performativa e catequética/evangelizadora), a teologia apofática é "crente" - ela "sabe": Deus é de tal modo sublime, tão inimaginavelmente numinoso, que não se pode apreendê-lo - a simples tentativa de o fazer constitui "blasfêmia" (e o teólogo apofático "sabe" disso). A teologia apofática é metafísica e ontológica. É justamente porque ele "sabe" quem é Deus que ele reconhece, "humildemente", sua incapacidade de falar dele - nem tenta "caminhos" dissimulados para o fazer.

7. O mesmo se deve dizer da teologia catafática - ela "sabe". O que ela diz de Deus é de Deus mesmo que ela o diz, seja analogicamente, seja simbolicamente, use ela os subterfúgios retóricos que pretender, para fazer saber aos mais esclarecidos que o que ela fala, tudo que ela fala, é tão somente racionalização humana a partir da fé humana - e nada mais. Mas, internamente, para ela mesma, e para aqueles que ela prega, e confiam nela, Deus é tal como ela diz que é. É metafísica, a senhora teologia catafática, e, naturalmente, ontológica.

8. As diversas classificações que circulam nos manuais de teologia são - todas - classificações internas à metafísica. É o problema da teologia - e dos teólogos. Não se consegue sair de si mesma para olhar-se a si mesma. Ela diz e pronto. Todas as teologias até o século XX foram ontológico-metafísicas. E só o podiam, porque a "morte de Deus" e a Fenomenologia da Religião são invenções do século XIX - que demoram - muito - para surtir efeito sustentável. Mas, agora...

9. É divetido ver "evangelicais" desprestigiando teologias "fundamentalistas", e vive-versa, é liberal pra cá, é fundamentalista pra lá, e são, todos, metafísicos/ontológicos, são, todos, conhecedores de Deus. Bem, se são, Deus é bastante zombeteiro, e zomba de seus "sacerdotes", mostrando-se de várias formas, de modo que cada um vê uma coisa diferente do outro - mas sempre, todos, muito seguros de "saberem" de Deus... Os anjos devem divertir-se... Eu, por exemplo, não chego bem a me divertir, mas a entediar-me, ao deparar-me com livros que falam de Deus, do Cristo "glorioso" e do Espírito Santo como grandezas metafísicas "dadas" positivamente na doutirna ou na metáfora. É que, quando você "se dá conta" de que se trata de política...

10. Tivesse eu nascido nos séculos passados, seria um herege. Nasci entre o XX e o XXI - sou , pois, um extemporâneo: não chegou, para o mundo, ainda, a hora de despir-se diante do espelho, e, eu reconheço, minha insistência é absolutamnte impertinente... Em todo caso, esperaria dos teólogos um pouco mais de compromisso com o século em que vivemos. Menos política. Mais compatibilidade.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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