Mostrando postagens com marcador pregação. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador pregação. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 30 de abril de 2010

(2010/351) Metáfora e sacramento


1. Se admitirmos que a Teologia como metáfora é uma classificação adequada para um tipo de Teologia que, apesar de articular-se politicamente com as "palavras da fé", não assume qualquer modalidade de reserva metafísica, isto é, que não parte do pressuposto de que, às palavras da fé, correspondem realidades extra-físicas, "celestes", nesse caso, então, penso não ser possível classificar Bultmann como um teologo metafórico. É verdade que a teologia metafórica rompe com a relação "histórica" das palavras da fé - elas são, apenas, "palavras instrumentais", drágeas de encenação litúrgico-psicológica, poética. Do mesmo modo, Bultmann - e ainda mais radicalmente - cortou a relação retoricamente genética entre as palavras da pregação - o querigma - e a historicidades das cenas que elas descrevem. No entanto, ao passo que Bultmann continua fiel a uma eficiência salvífica da pregaão, a teologia metafórica lida com as mesmas palavras fazendo delas palavras performativas, roteiro narratológico e cênico, plástico, para o "cuidado", para a "manutenção" da comunidade de fé - o uso político da estética. Ambos são pastorais, mas apenas um é realmente metafórico - e não é Bultmann.

2. Para Bultmann, as cenas descritas nos Evangelhos são mito. O nascimento virginal é mito. A ressurreição é mito. A ascenção é mito. A parousia, mito. As curas, mito. Apesar disso, é justamente a pregação dessas cenas que constitui a pregação, o querigma. Para Bultmann, não são as palavras em si que "salvam": é o jogo da pregação, da proclamação, porque, nos termos da racionalização do teólogo "existencialista", é durante a proclamação do querigma que se abre o momento em que Deus põe diante de si o homem, que, em face de sua abertura ou seu fechamento ao jogo querigmático, à pregação, autentica ou não a sua exitência em Deus.

3. O resultado do querigma de Bultmann é uma pregação, ou melhor, o conteúdo de uma pregação que é pura metáfora, mas igualmente um conjunto de palavras "mágicas" que têm um poder sacramental, quando articuladas no formato da liturgia da proclamação. Não é a morfologia, a semântica, a sintáxe, a prosódia - é o fato de elas serem proclamadas. Para Bultmann, querigma é sacramento. O sacramento de Bultmann é um saquinho homilético de metáforas...

4. Se alguém questionar (o) um querigma (por não ter) sem lastro histórico, isto é, que se possa conceber que, sendo mito, logo, imaginação humana, tais palavras não têm qualquer fundamento, Bultmann poderia argumentar que a hóstia não passa de farinha de trigo com água, e, no entanto, a eucaristia constitui, para a fé, o momento do agraciamento místico, mágico, do homem. Se Deus pode utilizar-se de farinha de trigo, por que não pode utilizar-se de... mito? Assim como não é a farinha de trigo, igualmente não é o mito que "salva" - é a sua função sacramental. Fora do sacramnto, são idéias humanas: na encenação litúrgica, transubstancia-se o mito em sacramento, o que era metáfora, vira graça...

5. A teologia metafórica não chegará aí. Não pode. E, se chega, não é teologia metafórica - permanece, nesse caso, a modalidade bultmanniana de metáfora-sacramento. Bultmann tem um compromisso com a pregação, mais do que com o século XIX. Sim, Bultmann reconhece a propriedade crítica do século XIX - e tanto que aceita a classificação de mito para as narrativas do Novo Testamento. Mas Bultmann empreende todo esforço para manter o caráter soteriológico do jogo cristão, razão pela qual recorre ao conceito de "sacramento", ainda que aplicando-o ao "valor" protestante - a pregação do Evangelho. Já a teologia metafórica tem cmpromissos muito mais sérios - se os tem (mas, se não os tem, não é metafórica!) com o século XIX. De um lado, não pode tratar as narrativas neotestamentárias, nem as da fé, como "história", e, de outro, não pode olhar (mais) para as mansões celestes. Assim, seu amor pela comunidade, seu engajamento pastoral, impõe que torne a fé alguma coisa próxima da poesia, da festa, da celebração, cujo fundamento começa e termina aí mesmo, sem recurso à história ou à ontologia metafísica sobrenatural. Para a teologia metafórica, a metáfora não é sacramento - é metáfora mesmo...

6. Essa é uma questão muito importante, porque é possível identificar retóricas que, à superfície, parecem próprias da teologia como metáfora. Mas, a rigor, não são. Não são, porque, no fundo, o teólogo que as maneja ainda as articula, de alguma maneira, com o Ser, com Deus, ainda as emprega mágica e miticamente - dir-se-ia: ainda há "fé", aí. O ambiente onde se flagra com mais freqüência esse fenômeno de dar aparência metafórica ao que é, de fato, ontológico, é o ambiente que se assume como "plural". Aí, se decide respeitar as demais religiões, logo, os demais discursos religiosos. Como cada religião tem seus próprios discursos, os teólogos que se movimentam nesse abiente são forçados a aceitar diferentes discursos que descrevem realidades muito diferentes, iguais apenas no fato de apontarem, todos, para o supra-hmano, supra-físico.

7. É aí que acontece um fenômeno curioso, sub-reptício. O teólogo assume implicitamente (é seu "segredo"!) uma realidade metafísica - que é ontologia e metafísica, sob todos os aspectos. Não importa a fé das religiões, só há uma dimensão metafísica, um so "céu", uma só "divindade". Na seqüência, continua a racionalização: os discursos religiosos, todos, são metáforas para esse mesmo mundo metafísico. Assim, o teólogo consegue olhar para seu discurso e vinculá-lo à metafisica enterrada sob a metáfora que ele mesmo usa, mas, ao mesmo tempo, pode "aceitar" a retórica do amigo/irmão religioso, porque, afinal, o discurso dele refere-se à mesma realidade metafísica a que ele mesmo se refere por meio de sa própria metáfora. Ainda que à sperfície pareça que o outro fala de outra coisa, não, a metáfora do outro refere-se, se bem interpretada, àquela única realidade espiritual por trás de todas as metáforas...

8. Ora, a estratégia cristã sempre foi trazer as consciências para seu mundo teológico, fazê-las catequisadas, convertidas. Esse tipo sub-reptício de teologia ainda faz o mesmo, mas "retoricamente", apenas. O teólogo faz-se acreditar no fato de que, se o discurso não-cristão é, ao fim e ao cabo, uma referência metafórica à verdade - cristã! -, seque que a "missão", afinal, chegou ao fim... É um jeito curioso de resolver as questões.

9. O problema é quando o jogo é revelado. Aí fica claro que não se resolveu foi coisa nenhuma, e que o que se chamou de pluralismo fora, o tempo todo, maquiagem evangelística. E a metáfora sai da sala com o rabo entre as pernas, envergonhada de ser flagrada como ontologia metafísica dissolvida em estratégia política.


OSVALDO LUIZ RBEIRO

sexta-feira, 24 de abril de 2009

(2009/216) Haveria uma homilética honesta?


1. Penso aqui exclusivamente naqueles pregadores cristãos que têm o sincero interesse de expor clara e honestamente a "mensagem bíblica". Deixo de lado a interminável correição dos aproveitadores da mística popular, os quais, por meio do falso recurso à Bíblia - não sabem sequer ler! - arrastam corpos e mentes a uma orgia de criminosa alienação.

2. Partindo do pressuposto de que são, aqueles, ao menos bons leitores - o analfabetismo funcional grassa nas fileiras da homilética cristã brasileira -, que dominam o mínimo necessário a Gramática da Língua Portuguesa, afinal, enquanto "pregadores", esta é sua principal ferramenta de trabalho, deixo conscientemente de lado a questão mais séria - e peco só em fazê-lo - da necessidade de acesso às línguas originais (hebraico, aramaico e grego), advertindo, contudo, que pregador de uma Bíblia traduzida é tão-somente pregador de tradução dos outros - a alternativa seria ser pregador de sua própria tradução. Fora do antigo catolicismo romano (mas não mais o do Vaticano II), a "Palavra de Deus" esbarra e coincide com a tradução do texto bíblico - e não se pode fugir disso. É o caso da Tradição - a Ordem - versus a Subjetividade - o Indivíduo...

3. Ressalvadas essas questões, parto da seguinte afirmação: em um texto bíblico qualquer, seja do Antigo, seja do Novo Testamentos, cada personagem, homem, mulher, rei, sacerdote, profeta, apóstolo, seja quem for, Deus, Jesus, o Espírito Santo, aquele anjo, a mula que fala, o peixe que engole Jonas, a serpente do Jardim, os diabos dos exorcismos, o do pináculo, os amigos de Jó, a mulher de Jó, os serafins de Isaías, os servos do Saul tomado pelo espírito mau de Deus, esse espírito mau de Deus, a necromante, a amada e o amado, de Cantares, o judeu exilado, do Sl 137, o judaíta que tem os cabelos arrancados porque não quer abandonar a esposa moabita, a Rute que se despe aos pés de Boaz, - quer dizer, todos e cada um dos personagens de todas e de cada uma das narrativas bíblicas não têm vida própria. E, quando falo todos, quero dizer todos.

4. Com vida própria quero dizer que, ali, na narrativa, eles e elas, os personagens, homens, espíritos e bichos, independentemente de terem ou não uma vez existido na vida real, ali, na narrativa, não têm vida real - são função retórica do escritor. Eles e elas, os personagens, dirão o que o escritor quer que digam, farão o que o escritor quer que digam, serão o que o escritor quer que sejam.

5. Se Eva age assim é o escritor quem o quer. Se Jó, desse jeito, é o escritor quem o manda. Se Moisés faz isso e aquilo, é o escritor quem o maneja. Se Paulo e Pedro se estranham, é o escritor. Se Jesus fala, é o escritor. Se não fala, é ainda ele. Quando caminha, é o escritor a fazê-lo caminhar. Quando pára, de novo. Há um fio amarrado à ponta de pés e mãos, à língua, aos olhos, ao corpo e à alma de cada personagem - fios que daí avancam e chegam até à mão do escritor. Como um controlador de bonecos-de-fio, o escritor puxa um fio, e alguém levanta o braço, outro fio, e alguém fala, outro, e alguém nasce, ainda outro, e alguém morre.

6. As implicações desse fato são inúmeras, relevantes e incontornáveis. Primeiro, que só há um modo de fugir à onipotência funcional-instrumental do escritor. Assassinando-o. Está claro? Matá-lo é eficiente. Mas, então, o que acontece? Ora, experimente ter nas mãos os fios que sustentam um boneco e, então, largar os fios... Isso! O boneco cai, inerte. Olhe para ele. O boneco, coitado, naquela pose triste do corpo retorcido e sem vida. Como revivê-lo? Quer dizer, como fazer com que ele viva, de novo, sem que seja pela mão do escritor a lhe serem controlados os fios? Só há um jeito - um outro qualquer, você, por exemlo, haverá de tomar os fios com as próprias mãos e fazer o boneco andar como queira, não o boneco, bem sabido, mas o novo e "oculto" manipulador dos fios do boneco-de-fio. O boneco, sozinho, não vive, não anda, não fala. Não pode decidir o que fazer. É sempre preciso um manipulador...


7. Assim, quando um pregador lê um texto, e o expõe, está a fazer das duas uma: ou está descrevendo como o escritor fazia viver, andar e falar seus bonecos-de-fio, ou está, ele mesmo, o pregador, a manipular os fios, e com eles, os bonecos que o escritor um via trouxe à vida.

8. As duas possibilidades são reais. Mas têm implicações diferentes. Se o pregador quer fazer viver os bonecos-de-fio tal qual viviam, andavam e falavam sob o controle do escritor, terá que se submeter, não tem jeito, às regras da exegese histórico-social (histórico-crítica). E jamais terá a segurança inequívoca de que está a fazer viver, andar e falar cada boneco como vivera, andara e falara, quando da primeira vez. Se, por outro lado, o pregador quer tão somente fazer que fale o boneco, sem que esteja, nisso, interessado em ouvir a única voz humana que fala na página onde vivem os marionetes, a do escritor, então o terá por morto, e somente lhe terá restado dar ele mesmo, pregador, viva e andar e fala ao boneco, do seu jeito, segurando ele mesmo os fios deles.

9. Na prática, é o que cada pregador acaba fazendo, seja porque é incompetente para fazer repetir a performance original dos bonecos-de-fio da narrativa, seja porque sua ideologia é de tal modo distante da do escritor, que não pode mais, nem que quisesse, recuperar-lhe os movimentos das mãos.

10. Eis, portanto, a honestidade possível ao pregador. O pregador de primeiro tipo, o que quer repetir a performance teatral do primeiro manipulador dos bonecos, o seu criador, o escritor do texto, deverá, de um lado, pagar o preço exigido pela domínio mínimo o suficiente das línguas originais, das técnicas histórico-críticas indiciárias, dos métodos críticos, e, de outro, contentar-se em, sempre, apresentar apenas uma interpretação possível: talvez, meus amigos, mas só talvez, tenha sido assim que o escritor tenha mexido a mão, aqui, mas não posso garantir...

11. O pregador de segundo tipo, esse pode relaxar. Não precisa sequer de grego e hebraico. É como se ele encontrasse bonecos-de-fio caídos no chão, tomasse os fios nas mãos e os começasse a fazer moverem-se - naturalmente que do jeito que lhe parece adequado. Por outro lado, se quiser ser honesto, se não quiser enganar a platéia que lhe assiste, deverá dizer para todos e para cada um que o som que sai da boca dos bonecos, é ele, ventríloquo, a produzir, que os passos de cada boneco-de-fio é determinado pela sua mão, e que é ele quem faz viver, andar e falar, do seu jeito, cada um dos personagens, que, afinal, homilética é um vento de subjetivas políticas, nesse caso.

12. Eis por que, amigos, interessa-me cada vez menos a pregação... A rigor, se cada protestante é seu próprio sacerdote, cada protestante é seu próprio pregador. E não me venha, Lutero, dizer que Erasmo não lhe avisou!


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio