1. Se admitirmos que a Teologia como metáfora é uma classificação adequada para um tipo de Teologia que, apesar de articular-se politicamente com as "palavras da fé", não assume qualquer modalidade de reserva metafísica, isto é, que não parte do pressuposto de que, às palavras da fé, correspondem realidades extra-físicas, "celestes", nesse caso, então, penso não ser possível classificar Bultmann como um teologo metafórico. É verdade que a teologia metafórica rompe com a relação "histórica" das palavras da fé - elas são, apenas, "palavras instrumentais", drágeas de encenação litúrgico-psicológica, poética. Do mesmo modo, Bultmann - e ainda mais radicalmente - cortou a relação retoricamente genética entre as palavras da pregação - o querigma - e a historicidades das cenas que elas descrevem. No entanto, ao passo que Bultmann continua fiel a uma eficiência salvífica da pregaão, a teologia metafórica lida com as mesmas palavras fazendo delas palavras performativas, roteiro narratológico e cênico, plástico, para o "cuidado", para a "manutenção" da comunidade de fé - o uso político da estética. Ambos são pastorais, mas apenas um é realmente metafórico - e não é Bultmann.
2. Para Bultmann, as cenas descritas nos Evangelhos são mito. O nascimento virginal é mito. A ressurreição é mito. A ascenção é mito. A parousia, mito. As curas, mito. Apesar disso, é justamente a pregação dessas cenas que constitui a pregação, o querigma. Para Bultmann, não são as palavras em si que "salvam": é o jogo da pregação, da proclamação, porque, nos termos da racionalização do teólogo "existencialista", é durante a proclamação do querigma que se abre o momento em que Deus põe diante de si o homem, que, em face de sua abertura ou seu fechamento ao jogo querigmático, à pregação, autentica ou não a sua exitência em Deus.
3. O resultado do querigma de Bultmann é uma pregação, ou melhor, o conteúdo de uma pregação que é pura metáfora, mas igualmente um conjunto de palavras "mágicas" que têm um poder sacramental, quando articuladas no formato da liturgia da proclamação. Não é a morfologia, a semântica, a sintáxe, a prosódia - é o fato de elas serem proclamadas. Para Bultmann, querigma é sacramento. O sacramento de Bultmann é um saquinho homilético de metáforas...
4. Se alguém questionar (o) um querigma (por não ter) sem lastro histórico, isto é, que se possa conceber que, sendo mito, logo, imaginação humana, tais palavras não têm qualquer fundamento, Bultmann poderia argumentar que a hóstia não passa de farinha de trigo com água, e, no entanto, a eucaristia constitui, para a fé, o momento do agraciamento místico, mágico, do homem. Se Deus pode utilizar-se de farinha de trigo, por que não pode utilizar-se de... mito? Assim como não é a farinha de trigo, igualmente não é o mito que "salva" - é a sua função sacramental. Fora do sacramnto, são idéias humanas: na encenação litúrgica, transubstancia-se o mito em sacramento, o que era metáfora, vira graça...
5. A teologia metafórica não chegará aí. Não pode. E, se chega, não é teologia metafórica - permanece, nesse caso, a modalidade bultmanniana de metáfora-sacramento. Bultmann tem um compromisso com a pregação, mais do que com o século XIX. Sim, Bultmann reconhece a propriedade crítica do século XIX - e tanto que aceita a classificação de mito para as narrativas do Novo Testamento. Mas Bultmann empreende todo esforço para manter o caráter soteriológico do jogo cristão, razão pela qual recorre ao conceito de "sacramento", ainda que aplicando-o ao "valor" protestante - a pregação do Evangelho. Já a teologia metafórica tem cmpromissos muito mais sérios - se os tem (mas, se não os tem, não é metafórica!) com o século XIX. De um lado, não pode tratar as narrativas neotestamentárias, nem as da fé, como "história", e, de outro, não pode olhar (mais) para as mansões celestes. Assim, seu amor pela comunidade, seu engajamento pastoral, impõe que torne a fé alguma coisa próxima da poesia, da festa, da celebração, cujo fundamento começa e termina aí mesmo, sem recurso à história ou à ontologia metafísica sobrenatural. Para a teologia metafórica, a metáfora não é sacramento - é metáfora mesmo...
6. Essa é uma questão muito importante, porque é possível identificar retóricas que, à superfície, parecem próprias da teologia como metáfora. Mas, a rigor, não são. Não são, porque, no fundo, o teólogo que as maneja ainda as articula, de alguma maneira, com o Ser, com Deus, ainda as emprega mágica e miticamente - dir-se-ia: ainda há "fé", aí. O ambiente onde se flagra com mais freqüência esse fenômeno de dar aparência metafórica ao que é, de fato, ontológico, é o ambiente que se assume como "plural". Aí, se decide respeitar as demais religiões, logo, os demais discursos religiosos. Como cada religião tem seus próprios discursos, os teólogos que se movimentam nesse abiente são forçados a aceitar diferentes discursos que descrevem realidades muito diferentes, iguais apenas no fato de apontarem, todos, para o supra-hmano, supra-físico.
7. É aí que acontece um fenômeno curioso, sub-reptício. O teólogo assume implicitamente (é seu "segredo"!) uma realidade metafísica - que é ontologia e metafísica, sob todos os aspectos. Não importa a fé das religiões, só há uma dimensão metafísica, um so "céu", uma só "divindade". Na seqüência, continua a racionalização: os discursos religiosos, todos, são metáforas para esse mesmo mundo metafísico. Assim, o teólogo consegue olhar para seu discurso e vinculá-lo à metafisica enterrada sob a metáfora que ele mesmo usa, mas, ao mesmo tempo, pode "aceitar" a retórica do amigo/irmão religioso, porque, afinal, o discurso dele refere-se à mesma realidade metafísica a que ele mesmo se refere por meio de sa própria metáfora. Ainda que à sperfície pareça que o outro fala de outra coisa, não, a metáfora do outro refere-se, se bem interpretada, àquela única realidade espiritual por trás de todas as metáforas...
8. Ora, a estratégia cristã sempre foi trazer as consciências para seu mundo teológico, fazê-las catequisadas, convertidas. Esse tipo sub-reptício de teologia ainda faz o mesmo, mas "retoricamente", apenas. O teólogo faz-se acreditar no fato de que, se o discurso não-cristão é, ao fim e ao cabo, uma referência metafórica à verdade - cristã! -, seque que a "missão", afinal, chegou ao fim... É um jeito curioso de resolver as questões.
9. O problema é quando o jogo é revelado. Aí fica claro que não se resolveu foi coisa nenhuma, e que o que se chamou de pluralismo fora, o tempo todo, maquiagem evangelística. E a metáfora sai da sala com o rabo entre as pernas, envergonhada de ser flagrada como ontologia metafísica dissolvida em estratégia política.
OSVALDO LUIZ RBEIRO
2. Para Bultmann, as cenas descritas nos Evangelhos são mito. O nascimento virginal é mito. A ressurreição é mito. A ascenção é mito. A parousia, mito. As curas, mito. Apesar disso, é justamente a pregação dessas cenas que constitui a pregação, o querigma. Para Bultmann, não são as palavras em si que "salvam": é o jogo da pregação, da proclamação, porque, nos termos da racionalização do teólogo "existencialista", é durante a proclamação do querigma que se abre o momento em que Deus põe diante de si o homem, que, em face de sua abertura ou seu fechamento ao jogo querigmático, à pregação, autentica ou não a sua exitência em Deus.
3. O resultado do querigma de Bultmann é uma pregação, ou melhor, o conteúdo de uma pregação que é pura metáfora, mas igualmente um conjunto de palavras "mágicas" que têm um poder sacramental, quando articuladas no formato da liturgia da proclamação. Não é a morfologia, a semântica, a sintáxe, a prosódia - é o fato de elas serem proclamadas. Para Bultmann, querigma é sacramento. O sacramento de Bultmann é um saquinho homilético de metáforas...
4. Se alguém questionar (o) um querigma (por não ter) sem lastro histórico, isto é, que se possa conceber que, sendo mito, logo, imaginação humana, tais palavras não têm qualquer fundamento, Bultmann poderia argumentar que a hóstia não passa de farinha de trigo com água, e, no entanto, a eucaristia constitui, para a fé, o momento do agraciamento místico, mágico, do homem. Se Deus pode utilizar-se de farinha de trigo, por que não pode utilizar-se de... mito? Assim como não é a farinha de trigo, igualmente não é o mito que "salva" - é a sua função sacramental. Fora do sacramnto, são idéias humanas: na encenação litúrgica, transubstancia-se o mito em sacramento, o que era metáfora, vira graça...
5. A teologia metafórica não chegará aí. Não pode. E, se chega, não é teologia metafórica - permanece, nesse caso, a modalidade bultmanniana de metáfora-sacramento. Bultmann tem um compromisso com a pregação, mais do que com o século XIX. Sim, Bultmann reconhece a propriedade crítica do século XIX - e tanto que aceita a classificação de mito para as narrativas do Novo Testamento. Mas Bultmann empreende todo esforço para manter o caráter soteriológico do jogo cristão, razão pela qual recorre ao conceito de "sacramento", ainda que aplicando-o ao "valor" protestante - a pregação do Evangelho. Já a teologia metafórica tem cmpromissos muito mais sérios - se os tem (mas, se não os tem, não é metafórica!) com o século XIX. De um lado, não pode tratar as narrativas neotestamentárias, nem as da fé, como "história", e, de outro, não pode olhar (mais) para as mansões celestes. Assim, seu amor pela comunidade, seu engajamento pastoral, impõe que torne a fé alguma coisa próxima da poesia, da festa, da celebração, cujo fundamento começa e termina aí mesmo, sem recurso à história ou à ontologia metafísica sobrenatural. Para a teologia metafórica, a metáfora não é sacramento - é metáfora mesmo...
6. Essa é uma questão muito importante, porque é possível identificar retóricas que, à superfície, parecem próprias da teologia como metáfora. Mas, a rigor, não são. Não são, porque, no fundo, o teólogo que as maneja ainda as articula, de alguma maneira, com o Ser, com Deus, ainda as emprega mágica e miticamente - dir-se-ia: ainda há "fé", aí. O ambiente onde se flagra com mais freqüência esse fenômeno de dar aparência metafórica ao que é, de fato, ontológico, é o ambiente que se assume como "plural". Aí, se decide respeitar as demais religiões, logo, os demais discursos religiosos. Como cada religião tem seus próprios discursos, os teólogos que se movimentam nesse abiente são forçados a aceitar diferentes discursos que descrevem realidades muito diferentes, iguais apenas no fato de apontarem, todos, para o supra-hmano, supra-físico.
7. É aí que acontece um fenômeno curioso, sub-reptício. O teólogo assume implicitamente (é seu "segredo"!) uma realidade metafísica - que é ontologia e metafísica, sob todos os aspectos. Não importa a fé das religiões, só há uma dimensão metafísica, um so "céu", uma só "divindade". Na seqüência, continua a racionalização: os discursos religiosos, todos, são metáforas para esse mesmo mundo metafísico. Assim, o teólogo consegue olhar para seu discurso e vinculá-lo à metafisica enterrada sob a metáfora que ele mesmo usa, mas, ao mesmo tempo, pode "aceitar" a retórica do amigo/irmão religioso, porque, afinal, o discurso dele refere-se à mesma realidade metafísica a que ele mesmo se refere por meio de sa própria metáfora. Ainda que à sperfície pareça que o outro fala de outra coisa, não, a metáfora do outro refere-se, se bem interpretada, àquela única realidade espiritual por trás de todas as metáforas...
8. Ora, a estratégia cristã sempre foi trazer as consciências para seu mundo teológico, fazê-las catequisadas, convertidas. Esse tipo sub-reptício de teologia ainda faz o mesmo, mas "retoricamente", apenas. O teólogo faz-se acreditar no fato de que, se o discurso não-cristão é, ao fim e ao cabo, uma referência metafórica à verdade - cristã! -, seque que a "missão", afinal, chegou ao fim... É um jeito curioso de resolver as questões.
9. O problema é quando o jogo é revelado. Aí fica claro que não se resolveu foi coisa nenhuma, e que o que se chamou de pluralismo fora, o tempo todo, maquiagem evangelística. E a metáfora sai da sala com o rabo entre as pernas, envergonhada de ser flagrada como ontologia metafísica dissolvida em estratégia política.
OSVALDO LUIZ RBEIRO
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