domingo, 14 de março de 2010

(2010/217) Teologia no país de Ameno


1. Em 1996, sob a direção de Eric Lévi, o grupo Era lançou o álbum "Era - Volume 1", onde consta a performance Ameno. Ainda que assemelhada ao latim, a "língua" com a qual a letra é composta é imaginária. Todavia, uma vez que a melodia emprega elementos de música clássica, ópera e canto gregoriano, o efeito é a tradução de um abiente de magia, de mística e religiosidade, transportando o espectador para cenários fantásticos medievais. Mas tudo é tão somente imaginário e subjetivo...


2. No fundo, a Teologia sempre foi assim. Sua língua, suas imagens, sua referência - são abstrações imaginárias. É seu efeito na consciência, na mente, no coração dos espectadores que a tornam efetiva, eficiente, eficaz, porque seu poder reduz-se exclusivamente à sua capacidade de produzir efeitos psico-somáticos - fé e ação - naqueles que se deixam "seduzir", "encantar", "convencer", para usar alguns dos termos de Platão, em A República, quanto à intenção do projeto de A Cidade Bela, em face dos seus cidadãos.

3. Não me surpreende descobrir que a letra de Ameno não tem "sentido", e que todo o jogo é simbólico e performativo, encenado e dirigido pelos "hermeneutas" oficiais - o Era. Esse é, rigorosamente, o mesmo jogo clerical. Não estou me referindo aqui ao fato de, até ontem, ainda, as missas serem em latim. Refiro-me ao fato ainda mais profundo e significativo de que, não importa em que língua missas e cultos sejam celebrados - a analogia com Era/Ameno está implícita, conquanto Ameno seja a sombra de um modelo milenar, muito mais antigo do que todos os cristianismos somados.



4. Chamo a essa Teologia de estilo Ameno de Teologia ontológica. Quando você descobre isso, mas continua a jogo, então eu diria que essa nova Teologia é de essência metafórica - como os fãs do Era, que cantam Ameno, sabendo tratar-se de uma lúdica alucinação performativa, os teólogos metafóricos entregam-se ao lúdico e político jogo de manter as engrenagens girando. O desmancha prazeres, todavia, é o crítico que, olhando da porta a frenética dança teológica, interpreta-a fenomenicamente, desnudando-a. Ah, sim, o efeito dissolve-se no ar. A Teologia fenomenológica não está interessada em manter a dança, a festa, a missa, o culto - ela está interessada, tão somente, em entender como e quem maneja as cordas...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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