domingo, 27 de março de 2016

(2016/095) Como se deu historicamente a aplicação a Jesus do mito da ressurreição?

Por que se começou a crer que Jesus nasceu de virgem é fácil especular. Por que se começou a dizer que Jesus morreu para salvar pecados é fácil especular. Por que se começou a dizer que Jesus subiu para o céu é fácil especular. Quanto a esses mitos, os gatilhos de sua criação cultural são de fácil domínio da pesquisa e estão disponíveis nas boas literaturas...

Mas a ressurreição continua me encafifando. Não, claro que não tenho nenhum impulso crédulo. Não se trata disso. É mito. Mas eu não consigo dominar ainda o gatilho cultural. De onde saiu de fato, historicamente, a ideia de que Jesus havia ressuscitado...

É mito anterior ao mito da salvação da cruz? Posterior? Por que as mulheres estão na camada mais profunda dessa tradição? Tratou-se de um mito periférico - "coisa de mulheres" - que a tradição cooptou e masculinizou? Mas o que de fato gerou a aplicação a Jesus da crença na ressurreição?

O leitor há de perceber, se bom leitor é, que eu disse "aplicação a Jesus da crença da ressurreição"... Todos esses mitos - nascer de virgem, subir aos céus, ser salvador, ressuscitar - são anteriores a Jesus. Eram aplicados a diversos personagens do mundo grego e romano. Justino, o mártir, diz isso em Diálogo com Trifão. Só fizeram - como sempre fizeram - pegar crenças da cultura religiosa da época e aplicar a Jesus...

Mas a questão que para mim não está ainda resolvida de todo é: de onde veio, historicamente falando, a razão para aplicarem a Jesus o mito da ressurreição?










OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/094) "Jesus não morreu como bandido"...

_ Jesus não morreu como bandido...

_ Claro que sim. Foi executado pelos romanos como subversivo. Aliás, ele e outros dois bandidos da mesma espécie...

_ Não. Roma não achou nenhum crime em Jesus. Vá ler os Evangelhos...

_ Sério?

_ Sim. Pilatos disse que não via nenhum crime em Jesus...

_ E por que o crucificaram?

_ Porque os judeus escolheram libertar Barrabás, e não Jesus...

_ Entendo... Pilatos, romano, julga que Jesus é inocente, mas, como ele está preso, decide perguntar aos judeus se eles preferem soltar Jesus ou Barrabás...?

_ Isso.

_ Então, a culpa de Jesus ter sido crucificado não é dos romanos, mas dos judeus?

_ Isso...

_ Você é mesmo muito crédulo... Não sei como não vende tudo o que tem e dá aos pobres...

_ Do que está falando?

_ De nada. Mudei de perspectiva... Mas eu acho que você está enganado. Os romanos crucificaram Jesus como um bandido. A tradição cristã, pouco a pouco, desconstruiu a identidade de Jesus, transformando-o, de um guerrilheiro terrorista, em um pacifista religioso. Mas a tradição fortíssima da morte sob cruz não se podia apagar, então, inventaram uma história. Sim, inventaram. Nunca aconteceu. Não há Barrabás. Pilatos nunca disse que Jesus era inocente. A narrativa foi inventada para tirar a culpa dos romanos, pô-las nos judeus, e os cristãos poderem aparecer como gente de bem aos olhos do Império... Traição, nada mais do que traição. E duas vez, porque, primeiro, fazem do Che Guevara um Gandhi, e, segundo, porque entregam-se de corpo e alma aos assassinos do mestre... Traidores.









OSVALDO LUIZ RIBEIRO

sábado, 26 de março de 2016

(2016/093) Quando nem se sabe o que significa ser o que se diz ser

O sujeito se diz tillichiano. Nossa, beira a idolatria. Aí, eu digo que fé não é conhecimento, e o moço dana a cacarejar pós-modernidades, contras as quais meus ouvidos são absolutamente insensíveis, de sorte que ele perde tempo precioso de vida palrando...

Quando ele termina, eu pergunto, bem lentamente: como alguém pode ser tillichiano, sem ler Dinâmica da Fé?

E vou embora...

Ele deve estar espumando ou dando cabeçadas na parede...










OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/092) Sobre a arrogância docente

Numa aula dessas que a gente que vive de dar aulas dá, ao final, um aluno desses a quem a gente vive de dar aulas perguntou-me: e quanto à arrogância e a presunção...?

Eu olhei para ele e disse: todas as vezes que eu termino a aula, eu digo o quê? E a turma respondeu: que pode estar errado... Isso. É isso que eu sempre digo: tudo que eu disser pode estar errado. Cabe a vocês estudarem, refletirem e avaliarem... O dia que seu pastor terminar um sermão dele e disser que tudo que ele acabou de dizer pode estar errado, você vem me perguntar sobre arrogância e presunção, está bem?

Fiz mal?










OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/091) Sobre Jesus, de novo

O sujeito nasceu de um casamento prejudicado por uma relação extraconjugal. O menino tornou-se desobediente à mãe. Começou a andar com maus elementos e vagabundos de toda sorte. Vivia no meio de beberrões e mulheres de vida fácil. Acabou morto pela polícia.

O quê? Se estou falando de algum menino dos morros pobres e pretos? Não. De Jesus mesmo...









OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/090) Em que eu posso acreditar sobre Jesus?

Dito sobre Jesus, o que provavelmente não é mito? Seu nascimento, sua morte. Não são historicamente certos, mas eu não vejo razão plausível para duvidar de que tenha existido e morrido. E morrido como bandido, executado pelo império romano. Saindo desse núcleo duro, todos os discursos vão se tornando cada vez mais frágeis, para não falar do fantástico propriamente dito, totalmente mitológico.
Deixando a fantasia maravilhosa de lado, fazem parte do núcleo tradicional mais frágil o caráter religioso de Jesus, sua vinculação ideológica de fato, seu estado civil, sua família, sua iniciação junto ao batista, sua atividade como líder. Podem-se defender várias possibilidades sobre cada uma dessas frágeis variáveis, mas jamais passará de possibilidade, algumas bem plausíveis, mas jamais mais do que isso.
De sorte que só se resolve essa questão no dogma. E, nesse sentido, todo cristão é dogmático. Se não for, não é cristão. O dogma, todavia, mente. Psicologicamente, o crente adere ao dogma, como se aderisse à história. Nem 0,01% dos crentes têm a estrutura psicológica de um Bultmann, que pode inventar de dizer que não é real, mas está de boa. Para o crente comum e os teólogos comuns, é dogma, porque é real ("mito não é mentira") e, se é dogma, é real. Mente para si mesmo o crente no dogma...
É triste a condição cristã: não pode de fato amar, não pode ser ético e precisa mentir para si mesmo, e para todo mundo, o tempo todo...








OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/089) Losurdo e a crítica gadameriana ao Iluminismo

Quando meu amigo e professor Haroldo Reimer me apresentou mais detidamente a H. G. Gadamer, desde a primeira leitura meu nariz sentiu um cheiro estranho. Imediatamente, escrevi que eu não podia concordar com quem elegia a tradição como critério, seja histórico, seja normativo, porque se trata simplesmente de uma falácia: se eu estou preso à minha tradição, não se explica como eu possa aprender chinês nem como eu possa fazer exegese (por isso, à época, gadameriano militante, em plena militância, Croatto podia chamar a exegese de eisegese...).

Nas p. 85-86 de A Luta de Classes: uma história política e filosófica, Losurdo enfrenta e, a meu ver, destrói, a perspectiva gadameriana. Mas não se preocupem, gadamerianos: tudo é preconceito! O que um gadameriano pensa e diz não tem parte com a razão, que tem preconceito dos preconceitos. O que um gadameriano diz, é a expressão pura do preconceito da tradição. De sorte que é um tolo quem procure fatos e verdades extra-tradicionais na fala de um gadameriano...

O engraçado é que o argumento que Gadamer usa para destruir o Iluminismo é a violência intrínseca da razão. E é verdade. Mas ela sabe! Já a saída gadameriana é incapaz de perceber que a sua retórica cria um sistema em que cada preconceito é intocável, de sorte que, ao se enfrentarem, a razão é inútil, e só a escopeta decidirá, em praça pública...

No fundo, a disputa política nas ruas tem traços bem gadamerianos: tradição, preconceito e desrazão a bradar palavras impossíveis de ser escutadas no meio da rua...









OSVALDO LUIZ RIBEIRO

sexta-feira, 25 de março de 2016

(2016/088) Fragmentos facebookianos

I.
Na primeira metade do século XX, dois genocídios de judeus ocorreram. Um, é objeto de horror. Outro, de louvor. O de horror, todos sabemos, foram as câmaras de gás em que se colocaram os judeus vivos, e os mataram. O de louvor, ignoramos, foi terem colocado nas mesmas câmaras de gás os já mortos autores judeus das Escrituras, e os matarem de novo...

https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/990262621054308


II.

No fundo, o missionário é um vaidoso... A sua incomensurável vaidade impede que ele ouça a voz de quem ele pretende capturar na rede da fé... Da sua fé... Porque, se ouvisse, ele descobriria que ele também tem seus mitos, e que, mito por mito, cada qual acalente o seu... Mas, como eu disse, o missionário é um monstro de vaidades...

https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/991525164261387


III.

Não quero o povo em torno da mesa de Jesus... Pode parecer bonito e ético isso, mas essa cena tão anunciada e desejada reflete apenas o estágio pequeno de nossa consciência crítica. Eu quero o povo sentado à sua própria mesa e, se houver algum mito a compartilhar, que não seja só o cristão.

https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/991524630928107


IV.

Se Deus que é Deus não aguentou a barra, por que castigar os anjos que fizeram tão somente o mesmo que ele fará amanhã? Ao menos o Mito dos Vigilantes não diz que as moças eram casadas...

https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/991495357597701


V.

Caso alguém decida não mais usar alegoria na leitura da Bíblia, ficará chocado em ver a maior concentração de interpretações malucas da literatura nas apropriações que o Novo Testamento faz do Antigo... Se um dos escritores do Novo Testamento estudasse em qualquer escola de ensino fundamental no Brasil, fica reprovado em interpretação de texto.

Alegoria, meus amigos, alegoria...

https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/992142434199660


VI.

O triste de sua carreira revolucionária é que, além de não conseguir tirar Roma de Jerusalém, Jesus acabou servindo para que Roma, no fundo, tomasse quase o mundo inteiro... Mas ela ainda está tentando...

https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/992491800831390


VII.

Deve ser lindo andar pelos museus da Europa e admirar aquelas obras todas... Mas os cursos de como roubá-las dos povos colonizados é que eu queria saber quando é...

https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/992332810847289


VIII.


Não gosto de ler textos de esquerda (muito menos ainda os de direita) que comecem com "os evangélicos estão contra o golpe", seja na forma de descrição da realidade, seja na forma de pronunciamento político. Como descrição, é falso, porque conheço evangélicos que são a favor do golpe. Como manifesto é fraude, porque ninguém pode falar em nome "dos" evangélicos.

O correto seria dizer: "evangélicos estão a favor do golpe", e, do outro lado, "evangélicos estão contra o golpe". Evangélicos... Não "os evangélicos"...

https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/1000732600007310


IX.

Há quem não goste da manipulação... Só da manipulação para o bem... É para o bem, ele diz ao próprio ouvido, a crer se consegue ele mesmo acreditar que algo tão abjeto possa ser de fato para alguma coisa que preste...

Para mim, é abjeta a manipulação de pessoas: seja para o diabo, seja para "Deus", esse biombo de se cometer crimes bonitinhos...

https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/999601046787132


X.

Em exegese e Teologia, Metáfora é a forma política de mentir o texto e dá-lo a crer quem nada sabe disso...

Mas quem sabe, acha tudo insuportavelmente falso.

A condição de gostar da coisa toda é ser profundamente ignorante sobre esses jogos político-religiosos, ou desejar que sejam...

https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/999597530120817










OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/087) Sobre o teatro da terceira pessoa e da primeira do plural em textos acadêmicos

A asséptica linguagem em terceira pessoa é a estratégia de fingir que o que você escreve, não é você que escreve. Depois de matarem os autores antigos, mataram os atuais...

E a mais sutil forma de escrita na primeira pessoa do plural é a manipulação retórica da inclusão dos outros em nossa fala, para disfarçar, estruturalmente, a nossa subjetividade impregnada no discurso que produzimos...

A primeira metade do século vinte é o ódio pelo autor, e a segunda, o ódio pela individualidade...

São estratégias políticas.

Tudo, um grande teatro.









OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/086) Mataram os mortos, mas eu (acredito que) falo com eles o tempo todo...

Eu tenho um jeito próprio de estudar a Bíblia. No atacado, é o modo histórico-crítico, ao menos em sua versão epistemológica, transformado profundamente pela perspectiva histórico-social. Mas, no varejo, é um jeito muito próprio, difícil de encontrar em outras exegeses, o que, eu sei, amplia a possibilidade de tratar-se de ilusão e negligência... Seja como for, é o que eu faço...

Eu vejo coisas, como o menino de O Sexto Sentido. Vejo gente morta o tempo todo, falando comigo. A exegese do século XX é um caso curioso de assassinato de gente morta: mataram os autores. Genocídio. Cova rasa. Aproveitaram as câmaras de gás alemãs e mataram os judeus que escreveram os textos "sagrados".

Acontece que eu ingressei seriamente na exegese por meio de Joaquim Jeremias, que tinha a neurose de encontrar gente morta. E é o que eu faço, ou tento fazer: falar com os mortos, todos os dias.

Para isso, uso os textos que eles escreveram, tanto no varejo, quanto no atacado. Atravesso-os ou vou até o mundo onde eles foram produzidos. Quero dizer, é o que tento: fazer o que aprendi com Carlo Ginzburg... Nesse sentido, sou tanto o ogro da lenda, de Marc Bloch, farejando a carne humana, quanto o porco indiciário farejador de trufas, o caçador na floresta, à caça de vestígios, de indícios, da caça.

Então, eu vejo coisas. Quando a publico, perguntam-me qual o teórico que usei. Bem, citei um: o teórico do método, que é o que me interessa. Teóricos que dão a substância não me interessam, porque, se acertaram a substância, não há mais o que procurar, e, todavia, em nenhuma hipótese está desvendada a substância dos textos "sagrados".

Precisamos de gente que nos ajude a aprender fazer as coisas, não de gente que nos diga o que as coisas são. Seremos nós a decidir se são mesmo como eles dizem, depois de nós mesmos olharmos para elas...

Quando você usa teóricos que dizem como as coisas são, você não é mais um pesquisador: você é apenas alguém que põe o celofane da cor de seu teórico sobre a realidade, e vê a realidade exatamente da cor do celofane: milagre!









OSVALDO LUIZ RIBEIRO

quinta-feira, 24 de março de 2016

(2016/85) Cryptotora thamicola - um elo evolutivo entre a água e a terra?

Esse pequeno peixe cego, encontrado em uma caverna da Tailândia, chama-se Cryptotora thamicola. Ele se movimenta da mesma forma que os vertebrados, e está sendo considerado como uma espécie de "fóssil" vivo da transmissão dos seres vivos da água para a terra, que teria ocorrido há cerca de 375 milhões de anos atrás.


 









OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/084) Por que ainda estudo a Bíblia?

Por que eu estudo a Bíblia, ainda hoje, mesmo depois de não ter mais uma relação fideísta com ela, nem com a religião, nem com a fé? Porque a Bíblia é uma obra histórica e política fantástica...

Deixe-me lhes contar um segredo, que não é segredo, todavia, para um pequeno número de estudiosos da Bíblia Hebraica, conquanto o seja para 99,99% dos crentes...

As grandes histórias bíblicas são escritas em ciclos: um conjunto seguido de capítulos que narram a história de determinado personagem. Por exemplo: Abrão, Jacó, Moisés, o Êxodo...

Pois deixe-me eu dizer uma coisa: se você procurar por referências a qualquer um desses personagens e eventos em passagens fora dos ciclos propriamente ditos, vai acontecer um fenômeno que, até aqui, me parece sem exceção: o que se diz desses personagens e eventos fora dos cilcios narrativos é totalmente diferente e até contrário do que sobre eles se diz nos ciclos.

Quando você se depara com isso, basta puxar o fio da meada e, a partir daí, o ciclo inteiro se desmonta, revelando-se uma invenção.

Posso explicar o fenômeno. As antigas tradições sobre esses personagens não têm nenhuma relação com os textos, todos eles escritos depois do exílio babilônico. Por razões que demoraria apresentar, as antigas tradições foram usadas no enfrentamento templo x camponeses, e histórias completamente diferentes das antigas tradições, mas sempre com os mesmos personagens, foram inventadas e escritas.

Por que novas histórias, mas os velhos personagens?

Para fazer com que a população aos poucos acreditasse que as novas histórias correspondiam aos velhos personagens, a fim de que a população fizesse o que os sacerdotes queriam, acreditando que se tratava, afinal, do que os antigos personagens faziam...

Sim, agora você pode entender porque Abraão tem que matar um cordeiro e dar o dízimo... Afinal, ele tem que fazer o que o templo quer, porque a população tem que fazer o que o templo quer...









OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/083) Por que Paulo elogiou mesmo os bereanos...?

Ah, o povo que enche meu saco falando dos bereanos... Bereanos, bereanos... O povo lê os textos bíblicos com a cabeça enfiada no tacho de água benta. Serve para que esse tipo de leitura? Para nada de bom...

Explico. Paulo é aquele moço que, porque os gálatas estavam a enamorar-se de outras prédicas, tratou-os como tomados de macumba (não é isso, Daniel Justi?) e tratou os macumbeiros como amaldiçoados: qualquer um que pregar outra coisa que não o que eu prego, é maldito...

Um exemplo de pluralidade, esse rapaz...

Aí, ele soube de uma gente que ouviu suas pregações, mas, zelosa da verdade, corre a checar, nos textos sagrados, se era assim. E, lendo nos textos sagrados, concordaram que Paulo dizia exatamente como as coisas eram, de sorte que ficam com Paulo...

O moço então elogia os bereanos...

Por que os elogiou? Porque foram conferir? Não. Claro que não!

Digamos que os bereanos fossem consultar e, tendo consultado, voltassem a dizer que Paulo era um lunático? Paulo os elogiaria? Ou diria a eles o mesmo que disse aos gálatas?

Paulo não elogiou os bereanos porque consultaram. Elogiou porque concordaram com ele.

Autocrático o moço...

Conheço uns tantos assim...








OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/082) Pecadinho, pecadão?

Na igreja, muitas vezes um mundo de tolices, disfarçadas em revelação e palavras divinas, ensina-se que não há pecadinhos e pecadões, que tudo é pecado, igualmente pecado...

O resultado disso é que o olhar safado do adolescente para as bundas das adolescentes (ponha-se à porta de qualquer igreja e verá do que estou falando) equipara-se à corrupção de pastores evangélicos no Congresso: o inferno não tem cadeiras numeradas...

Quando Foucault ensina-nos a perceber que o poder e a violência são exercidos em todos os níveis, somos tentados a uma paralisia crítica, porque, se um político determina a morte de milhões no Iraque, ou o roubo de 1 bilhão de reais do Banestado, também um pai de família compra um atestado médico falso para pagar menos imposto... De novo, não há cadeiras numeradas no inferno...

É um risco intrínseco aos argumentos do filósofo: qualquer um pode inverter sua estratégia e, em lugar de esclarecer as relações hierárquicas e interdependentes do poder que compõem o grande jogo político-social, instrumentalizar o argumento como droga entorpecente de recorte pós-moderno: nada é verdade, mas tudo é pecado... Quem sou eu para apontar o dedo para FHC, se eu mijo na parede do pátio?









OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/081) Mateus cita Isaías errado

Mateus cita errado Isaías. Isaías nunca disse:

"Uma voz clama no deserto:
preparai o caminho do Senhor,
endireitai as suas veredas".

Isaías escreveu:

Uma voz clama:
no deserto, preparai o caminho do Senhor.
No ermo, endireitai veredas a nosso Deus".

O texto que Mateus cita está corrompido. Perdeu-se um pedaço dele: "no ermo". Com isso, o paralelismo se quebrou e "no deserto" acabou migrando adverbialmente para o verbo "clamar".

Provavelmente, não foi Mateus o "culpado". Provavelmente ou ele tem nas mãos um texto corrompido anteriormente ou ele cita de memória uma tradição corrompida.

Não vem ao caso.

O que vem ao caso é que, quando você mostra isso a alunos de teologia, em disciplina de Hermenêutica do Antigo Testamento, e está mostrando aos estudantes os procedimentos hermenêuticos que operam por trás dos textos, alunos se sintam forçados (pelo ovo da vespa Dogma) a suscitar questões como "Palavra de Deus" (que, confesso, me causam uma sensação desagradabilíssima, posto que carregadas de ignorância e controle político remoto).

Eu paro a aula por alguns segundos e digo assim:

"_ Veja, não me importa o conceito teológico que você vai usar para o texto. Não é da minha conta. Mas, se esse conceito seu não der conta de que os autores não apenas alteravam textos, inventavam narrativas, erravam na hora de copiar os manuscritos, mas, além disso tudo, ainda citavam errado textos antigos, então você está sendo desonesto. Se você inventar esse tipo de discurso teológico apenas para parar de pensar e, pior, fazer com que as pessoas parem de pensar, então você legitima ao vivo todas as críticas que eu faço à Teologia"...

E a aula segue em frente.

Geração após geração, lá está o ovo da vespa Dogma...









OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/080) Os métodos histórico-críticos são "iluministas"?

Em outro trecho da aula de ontem, Hermenêutica do Antigo Testamento, eu mostrava como, depois de invadir a Península Ibérica, Aristóteles implodiu pouco a pouco toda a cristandade, resultando diretamente na Reforma. Bíblia na mão do "povo" e o novo papa protestante mandando todos lerem a Bíblia, ela foi lida. Do século XVI ao XVIII, a Bíblia foi desmontada. Desenvolveu-se a metodologia histórico-crítica.

Os livros conservadores, e até gente boa "pós-moderna" (quantas gargalhadas eu dou), insistem em divulgar uma inverdade (mas o que é a verdade para pós-modernos e conservadores, não?): os métodos histórico-críticos são "iluministas"... Eu não sei se é ignorância ou má fé...

Pois bem: os métodos histórico-críticos desenvolveram-se do século XVI ao XVIII, ao passo que o Iluminismo se desenvolve no século XVIII. Não é honesto dizer que os métodos histórico-críticos são iluministas. É mais honesto dizer que o Iluminismo é histórico-crítico! No máximo, são irmãos siameses... Mas eu ainda afirmo que o Iluminismo é resultado, não causa.

O Iluminismo não foi gestado por ateus, por apóstatas, por homens diabólicos a serviço do Diabo. O Iluminismo foi gestado por protestantes, uma de cujas correntes lia a Bíblia há 200 anos e percebia, inequivocamente, que tudo que se dizia sobre o processo de produção do livro Sagrado não passava de contos e lendas, e que a Tradição não continha praticamente nenhuma declaração fiel sobre as Escrituras. A Bíblia da Tradição não correspondia às Escrituras de fato...

Engana-se e engana a todos os tolos crédulos quem diz que o Iluminismo e os métodos histórico-críticos nasceram da heresia, da rebeldia, da subversão. Pelo contrário: nasceram de gente espiritual, pastores, fieis estudantes da Bíblia, que, todavia, ao contrário de muita gente por aí, não arrancaram os olhos da cara.

Moral da história: a crítica bíblica foi parida pela reverência, pela espiritualidade, pela consagração... Quando essas virtudes religiosas não se filiam à hipocrisia e à sordidez de caráter, é o resultado que se espera...








OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/079) "Deus" não é plural...

"Deus" não é plural. "Deus" e singular. Plural é "Deuses", "Deusas". Eu entendo que quem use a expressão "Deus é plural entenda estar a serviço de compromissos éticos. Pode até ser: compromissos. Mas o produto entregue não é ético...

Por trás da instrumentalização da fórmula "Deus é plural" está a teologia inclusiva: todas as manifestações culturais de deuses e deusas nas religiões do planeta são atualizações de um e um único verdadeiro "Deus" - claro, como não podia deixar de ser, o "Deus" cristão.

Se você não pode matar os deuses deles, faça-os aos poucos irem acreditando que, no fundo, todos os deuses são apenas faces do nosso "Deus"... Evangelização política.

Acho essa estratégia uma peça de cinismo.

Não é verdade que os deuses e as deusas dos povos são as faces do deus cristão. Mentira. Os deuses de cada povo foram inventados pelos próprios povos. Cada povo inventou seu deus e, depois, quando os povos começaram a se encontrar, iniciou-se a fase histórica das imbricações, sincretismos e, mais tarde, o ignominioso e criminoso monoteísmo.

À luz da história, a fórmula "Deus é plural" consiste apenas na tentativa de disfarçar o que é violência e rapina...

Os deuses e deusas dos povos devem ser respeitados em sua alteridade cultural. Não é um caminho ético pretender alcançar a paz com ignorância instrumentalizada: todos os deuses são um só! Fraude. Exu é Exu, e não é "Deus". Buda é Buda, e não é "Deus". "Deus" é "Deus", uma personagem da história humana com a mesma densidade ontológica que Exu, Buda, Zeus, Krishna, Quetzalcoatl, Manitu, Pacha Mama. Ísis, Maria, Diana, Asherah... "Deus" é da mesma dimensão epistemeológica que um simples kami de arroz... Se quer que "Deus" seja respeitado, respeite os orixás, sem fazer deles epifenômenos, fruto da ignorância teológica.

Paz sem voz não é paz.

É medo.

Ou imperialismo teológico.

quarta-feira, 16 de março de 2016

(2016/078) Carta aberta à Igreja Batista do Pinheiro



CARTA ABERTA À IGREJA BATISTA DO PINHEIRO


Carxs amigxs da Igreja Batista do Pinheiro...

Antes de tudo, empreguei o x em "carxs amigxs" porque é assim que se tem convencionado se dirigir de forma "politicamente correta" a um grupo social no qual haja pessoas que manifestem identidade de gênero para além da categoria heterossexual, e justifico o uso dirigido à sua comunidade pela notícia que me chegou sobre a histórica decisão dessa igreja de, em assembleia de 28 de fevereiro de 2016, aceitar pessoas homoafetivas em seu rol de membros. Soube que, já há algum tempo, há casais homoafetivos na comunidade e que a decisão de receber pessoas e casais nessas condições proporcionaria a eles o direito de formalização de sua faculdade de membros da comunidade. Tomem o xis como um reconhecimento de sua decisão...

Fiquei feliz com a notícia. Muito feliz. Devo dizer que, nos termos em que compreendo o processo histórico relacionado ao tema, são favas contadas e questão de anos: dentro de algum tempo, mas não ouso precisar quanto, a questão das identidades de gênero - sejamos claros, a condição LGBT - deixará de ser um "problema" para a sociedade e também para as igrejas, quaisquer que sejam. Penso que, da mesma forma como a escravidão era prática cristã, a misoginia era prática cristã, também a homofobia tem-se perpetuado como prática cristã, e, pelo mesmo raciocínio, os cristianismos superaram ou estão em face de superação da escravidão e da misogina, começando agora, muito lentamente, a superação também da homofobia. Talvez não concluamos o século XXI sem que todas as igrejas do planeta sejam plenamente acolhedoras e receptivas a todas as pessoas que manifestam identidades de gênero, sejam pessoas heterossexuais, sejam gays, sejam lésbicas, sejam bissexuais, sejam transsexuais. Como eu disse, são favas contadas...

Mas eu estou longe de dizer que o acolhimento de pessoas homoafetivas é uma questão que o tempo sozinho há de resolver. Não! Muito pelo contrário! É a luta, tão somente a luta e nada mais do que a luta que fará com que o tempo resolva a questão. A luta não garante hoje, indistintamente, o reconhecimento dos direitos das pessoas homoafetivas, mas, no decurso das lutas, com o passar do tempo, o direito há de correr como a água, e a justiça, como ribeiros perenes... Nada foi reconhecido aos negros escravos sem a luta. Nada foi reconhecido às mulheres sem a luta. Nada será reconhecido à comunidade LGBT sem a luta. É lutar de manhã. É lutar de tarde. É lutar de noite. É lutar até nos sonhos e, principalmente, por meio dos sonhos!...

Por isso, eu me alegrei com a decisão da igreja que vocês são. Minha memória traditiva é essa mesma tradição batista, e esse fato acrescenta uma dose de afeição ao caso, que todavia, é eminentemente político. Penso tratar-se da primeira igreja da CBB que toma essa decisão. Bravo, amigos! Bravo, amigas! Bravo, amig@s! Bravo, amigxs! Bravo, bravíssimo...

É uma decisão não apenas histórica, deixe-me correr e dizer isso: ela é corajosa, amorosa (para usar um termo que Paulo Freire adorava usar), ética. Sobre tudo ética. No fundo, sejamos honestos, não há virtude nessa decisão que não seja evidenciada pela absoluta falta de virtude de todas as outras igrejas que não fazem o mesmo. Quero dizer: não é um favor que vocês fazem às pessoas homoafetivas: trata-se apenas de vocês reconhecerem-nas como pessoas, como todas as demais, como nós, independentemente da identidade de gênero. Era um dever de vocês. Se as outras igrejas não tomam a mesma decisão, se não reconhecem o outro como outro, em sua alteridade, em sua subjetividade, em sua corporeidade, é pecado delas, de todas elas. Pecado que também era o de vocês até 28 de fevereiro, e que, agora, não controla mais suas relações. Corajosamente, mas apenas porque cumprem dever ético, moral e humano, vocês reconhecem as pessoas que devem ser reconhecidas... O que há de ético em sua atitude é reconhecer que faltava o direito e a justiça entre vocês, porque vocês não reconheciam quem lhes olhava na face, suplicando o direito de ter face e voz... Mas (quase digo um aleluia, mas tomo-me de recato), agora, reconhecem...

Soube que, por meio de organizações, igrejas que ainda suportam o pecado do coração empedernido em face da identidade de gênero têm exercido pressão sobre vocês. Não esperava nada diferente, conquanto desejasse que tudo fosse diferente. Mas essa tradição me é cara, e a conheço bem. Assim como são favas contadas que a questão de gênero será totalmente resolvida nas igrejas dentro de algum tempo, também são favas contadas que as igrejas hão de resistir, espernear, amaldiçoar, ameaçar, servir-se do mal e do "diabo", sempre no disfarce do "bem" e da "verdade", para evitar que a comunidade LGBT receba, nas igrejas, o mesmo estatuto e tratamento que a pessoas heterossexuais. Vão reagir, algumas vezes abjetamente. De sorte que não me surpreende que vocês estejam sofrendo pressões. Penso, todavia, que não preciso dizer que, se é de fato o coração que move essa igreja, "as portas do inferno não prevalecerão contra ela", conquanto o inferno, nesse caso, use terno e convoque assembleias em organizações policialescas... A luta não terminou, nem para a comunidade LGBT como um todo, nem para sua comunidade... Doravante, sua luta será diária...

Vim, todavia, dizer-lhes especificamente uma coisa: penso que nada há na igreja - nada! - que deva ser posto acima das pessoas. Comparadas às pessoas, tudo é sábado... Entendem a referência? Os Evangelhos dizem que o homem não foi feito para o sábado, mas o sábado é que foi feito para o homem (e a mulher e os homoafetivos e os trans...). Na comunidade, abaixo das pessoas, tudo é sábado. E, se me permitirem, enumerarei alguns sábados da comunidade, acima dos quais sempre devem estar as pessoas: as doutrinas são sábado, a Bíblia é sábado, a fé é sábado, as organizações são sábado, o clero é sábado. As pessoas não foram feitas para as doutrinas, para a Bíblia, para a fé, para as organizações, para o clero: o clero, as organizações, a fé, a Bíblia e as doutrinas é que foram feitos para elas. De sorte que, se e quando usarem as doutrinas, a Bíblia, a fé, as organizações e o clero contra vocês, contra sua decisão, gritem: isso é sábado! Quando tentarem convencê-los de que estão errados diante da doutrina e da Bíblia, firmem os pés e gritem: tudo isso é sábado! Não se amedrontem diante de leituras fundamentalistas da Bíblia: isso é sábado! Não se amedrontem diante de ameaças doutrinárias, desenhadas a fogo: é sábado! Não se amedrontem com decisões de organizações que se arvoram em porta-vozes de Deus e do diabo: sábado! Tudo isso foi feito para vocês e, se não serve para vocês, se fere a consciência de vocês, não se intimidem, não se amedrontem, não recuem - avancem, aprofundem o leito de rio que começam a cavar, porque, com a escama da homofobia arrancada dos olhos, está na hora de identificar novos pecados ainda tolerados, porque não enxergados como tal...

Penso que essa comunidade teve um sonho. Como o sonho do pastor batista negro, que sonhava com um mundo em que ser negro não era pecado, crime e dor, vocês tiveram um sonho, no qual pessoas homoafetivas não são pecado, crime e dor. Esse sonho é lindo, comovente, emocionante... Mas é mais do que um sonho... Vocês não podem decidir pelos cristãos do mundo, mas podem, puderam e decidiram por vocês mesmos. Sonharam juntos e tornaram realidade o sonho comum... Vocês são sonhadores e construtores - sonham com um mundo melhor e o constroem vocês mesmos...

Meu desejo é que a decisão de vocês motive outras comunidades a se porem acima dos sábados que as tornam endurecidas, estéreis, petrificadas. Meu desejo é que sua comunidade seja um lugar de franco, fraterno e sincero acolhimento de pessoas homoafetivas... Mas não se enganem. A homofobia está entranhada em nossos corações e mentes, de sorte que a decisão institucional da assembleia precisa converter-se em entranhamento verdadeiro, em acolhimento sincero. Nossos avós e pais educaram-nos de modo homofóbico, nossas igrejas nos doutrinaram de modo homofóbico, de modo que nosso olhar - sejamos honestos! - é homofóbico. Com a razão ética da justiça, superamos nosso olhar institucional e reconhecemos a condição de irmãos e irmãs do povo homoafetivo e de tantas outras identidades de gênero... Mas é preciso a terapia em nosso olhar pessoal, em nossa subjetividade, em nossa pele. É preciso vencer o pecado que habita em nós, pecado, sim, que faz com que zombemos, ridicularizemos, escarneçamos deles... É preciso fazer mais do que justiça para com eles - é preciso purgar nosso próprio corpo de todo e qualquer resíduo homofóbico: é preciso abraçá-los como a iguais, conquanto sejam, absolutamente, outros. É preciso fazer dessa decisão institucional, da comunidade, a decisão verdadeira de cada pessoa que compõe a comunidade...

A sua luta, doravante, é, pois, tripla: a) enfrentar a reação colérica de organizações intolerantes e sua idolatria dos sábados da igreja, b) incentivar que outras comunidades transbordem-se de acolhimento e, sobretudo, c) purgar os resquícios subjetivos de cada um e uma de vocês do olhar perverso e pervertido... É preciso uma efetiva e lenta conversão à alteridade, que cobra de nós o preço da vigilância de nós mesmos e do rigor. A teologia chama a isso "frutos do Espírito", mas nós havemos de reconhecer que são frutos da responsabilidade que precisamos ter com o outro, com os outros, conosco mesmos. É um fruto nosso, que nós decidimos - ou não - produzir. 

Sempre em esperança, conquanto possam os dias ser maus, fraternalmente,




Osvaldo Luiz Ribeiro

terça-feira, 15 de março de 2016

(2016/077) Nem provar nem aprovar - reconhecer!

Eu não preciso provar nem aprovar a condição LGBT... Não se trata nem de uma iguaria nem de uma legislação. Trata-se de vidas. Não precisam de meu gosto nem de minha aprovação. São o que são e devem ser o que querem ser. O que nós devemos a todxs elxs é o reconhecimento de sua condição, de sua alteridade, de sua subjetividade e corporeidade. Não quero fazer como que se lhes déssemos esmolas de direito, migalhas de justiça - quero, antes, que "o direito corra como a água e a justiça como um ribeiro perene".








https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/982942795119624

OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/076) Unonose

A unonose é uma doença bastante tolerante: ela tolera judeus, ela tolera cristãos e ela tolera muçulmanos. Quando afeta politeístas, em uma levantada de mão no culto a pessoa já é totalmente tomada. Ela afeta de tal modo o sistema nervoso central que o infectado passa a considerar que a noção mitológico-metafísica do UNO é a expressão indiscutível do sentido profundo do Universo... Ela é tão sorrateira que o sujeito pode até deixar a mitologia doutrinária da fé que abraçava, e, julgando-se livre dos mitos, não se dar conta de que o mito dos mitos ainda opera silenciosamente em cada neurônio... O principal sintoma da unonose é a imediata expressão singular do tipo "sagrado", "Deus", chegando mesmo aos casos mais agudos de desenvolvimento de teorias inexoráveis do Uno no campo da Filosofia da Religião. Mas esses já são casos terminais.






https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/982959855117918

OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/075) As muitas contradições da Bíblia

A Bíblia cristã, considerando-se qualquer dos cânones, e incluídos os dois chamados Testamentos, está cheia de contradições, de Gênesis a Apocalipse...

Essas contradições são a prova de que os livros não são mera invenção da cabeça de um zé qualquer, mas são fruto de conflitos históricos, reais. Os mitos que esses textos carregam são invenções da cultura, tradição, mas, na prática, serviam de arma retórica, de plataforma de discurso político, de ideário ideológico, de argumento.

Muitas comunidades diferentes, com mitos e tradições diferentes, valores diferentes, credos diferentes, interesses diferentes, escreveram textos em seu contexto de enfrentamento mútuo. Cada texto é a resposta unilateral de uma comunidade ao conflito com outra comunidade. De sorte que em nenhuma hipótese, salvo malabarismos fundamentalistas, trata-se de um discurso, uma fala, uma doutrina, um texto. São várias falas, várias teologias...

Um exemplo só, porque, para quem não quer ouvir, nem mil servem: Nm 12,8 versus João 1,18 revela que ou quem escreveu João não tem a mínima noção da Torá, ou tem, mas está se lixando para ela... Considerando-se que a Torá é citada nos v. 16-17, está claro que é conflito - quem escreveu João 1 está desconsiderando o que a Torá diz, e constituindo ele mesmo sua própria teologia. Se o leitor hoje finge que não vê e inventa de sair dizendo por aí que a Bíblia não tem contradição, só há de desfilar a sua ignorância - inclusive bíblica - pelo mundo.

No fundo a maior virtude histórica da Bíblia é o fato de ela ter-se constituído em conflito - porque o conflito obriga os textos a enraizarem-se na retórica do grupo adversário. São obrigados a tomar a fala do adversário e a tentar anulá-la. E, justamente aí, nosso pé pisa a lama fresca da historicidade. Não, claro, no mito que a comunidade usa contra a outra comunidade, mas no fato mesmo de ela usar esse mito contra ela...




domingo, 13 de março de 2016

(2016/074) Três teses sobre Ensino Religioso Escolar

I.

Ensino Religioso Público como ensino moral é a transferência para a escola da hipocrisia que toma conta da religião há milênios... E o religioso não vê a hora... Mundo perfeito, em que ele pode desfilar a sua hipocrisia, sem tirar a máscara...



II.

Ensino Religioso Público como ensino do "Transcendente" é a transferência para a escola da maluquice filosófica de racionalizar os mitos domésticos e demonizar os alheios, é transformar em fato o que não passa de mitologia, e, mais uma vez, continuar a perpetuação sem fim da manipulação de crianças...



III.

Ou o Ensino Religioso Escolar é o desnudamento sem negociação de qualquer tipo da religião como fenômeno de cultura, política, sociedade, criação humana, com conteúdos humanos, com relações humanas, com interesses humanos e utilidades humanas ou não passa de catequização às custas do Estado.







OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/073) A vida imita a charge...

A charge circulou ontem, 12/03, em minha rede. As duas fotografias foram tiradas hoje, na passeata de Copacabana. A vida imita a charge... Instantâneos que definem a manifestação...


(2016/072) Para "Pedro", ignorante é o outro...


"Eles voluntariamente ignoram isto, que pela palavra de Deus já desde a antiguidade existiram os céus, e a terra, que foi tirada da água e no meio da água subsiste" (2 Pedro 3:5)...

Você tem todo direito de acreditar no que te ensinam na igreja. Mas estará cometendo um erro enorme se achar que te ensinam Bíblia. Não há doutrina de criação a partir do nada na Bíblia (só em 2 Macabeus).

Quem escreveu 2 Pedro (e não foi Pedro) achava que os céus e a terra foram tirados do meio d...a água, e permaneciam no meio das águas (de cima e debaixo). É o mito comum a todo Oriente Médio Antigo.

Nada disso é verdade, obviamente, porque nem os céus e a terra foram tirados das águas nem permanecem no meio delas. É o problema dos mitos religiosos: a gente se agarra a eles e ainda chama e ignorantes quem não os aceita, como o autor do texto "sagrado"...




(2016/071) A relação entre Jesus e as mulheres

A relação de Jesus com mulheres parece-me controversa.

Algumas considerações.

Nenhum evangelho é contemporâneo aos fatos, de sorte que a cultura que ali se revela não é a de 50 anos antes, mas a da época de sua redação. As retroprojeções são arbitrárias, mesmo disfarçadas de "memória"...

Nenhuma mulher entre os 12. Que fenômeno é esse? Os 12 é uma invenção "machista" dos evangelhos? Ou Jesus de fato chamou 12 discípulos, mas apenas homens?

Se Jesus de fato era "diferenciado" quanto ao quesito "relação social com mulheres", por que não chamou mulheres para seu grupo mais íntimo? Para quem, ao que se quer fazer crer, estava se lixando par convenções sociais, parece que essa convenção de não ter mulheres próximas demais ele levou muito a sério...

No conjunto, a imagem que se projeta dos evangelhos, é mais ou menos como de algumas tradições religiosas de hoje, que alegam todo respeito e consideração à mulher, e, então, permitem a elas uma série de atividades, cargos, tarefas, posições, menos a ordenação. Os evangelhos mostram Jesus a papear com mulheres, a ser ungido por elas, mas não ordena nenhuma...

Já na carta paulina se descobre pelo menos uma apóstola. Nada se sabe sobre ela, naturalmente, porque os evangelhos não são descrição do passado, mas ideologia para o presente, de sorte que vamos ficar sem saber quem é a apóstola de Romanos, como foi ordenada, por quem, quando, onde.
Nesse caso, Romanos tem mais proximidade com a realidade histórica dos anos 30? Sim? Jesus, então, era mais feminista do que os evangelhos descrevem? Não? Então a presença de mulheres é um avanço das comunidades pós-pascais?

Sem o enfrentamento da questão da datação dos textos, de seu real compromisso histórico, nossa capacidade de discernir não ideologicamente o que ali é vestígio do passado e o que é ideologia para o presente, qualquer instrumentalização de mulheres nos textos dos evangelhos e de Paulo se revela apenas isso: instrumentalização a qualquer custo...

E, para que não seja interpretado errado, eu definitivamente acho que a posição de mulheres na estrutura social não deve absolutamente nada aos textos do passado.









OSVALDO LUIZ RIBEIRO

sábado, 12 de março de 2016

(2016/070) "Sou classe média" (Max Gonzaga)
















OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/069) Abaixo os romanos!

Paulo, os romanos são escravagistas!

Deus é mais... Deus sabe de todas as coisas... Todo governo vem de Deus...

Paulo, os romanos oprimem os povos...

Deus é mais... Deus sabe de todas as coisas... Todo governo vem de Deus...

Paulo, os romanos dizem que o imperador é deus...

Abaixo os romanos!









https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/980678075346096

OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2016/068) Paulo e Judas eram fundamentalistas

Paulo e Judas eram fundamentalistas.

Não se pode converter o fundamentalista em um monstro.

Mas quando Paulo diz que quem pregar um evangelho diferente do dele é maldito, e quando Judas diz que a comunidade para quem ele escreve deve combater pela fé que receberam, ambos estão antecipando em dois mil anos o que hoje chamamos de fundamentalismo...

Mas só quando é o outro. Quando sou eu, não é fundamentalismo: é fidelidade ao evangelho e serviço ao reino...



(2016/067) Quem é pastor?

Na minha opinião: ele ama a Deus, é mitófilo, ama a doutrina, é dogmófilo, ama a administração, é administrador, ama a pregação, é pregador, ama o dinheiro, é salafrário, ama as meninas, é canalha, ama a denominação, é carreirista...

... Só é pastor mesmo se ama as pessoas, o que não tem nenhuma relação necessária com as questões acima elencadas. Porque, na maior parte das vezes, amar as pessoas, no discurso pastoral, é a mesma coisa que respeito à democracia na boca da Hilary Clinton.










(2016/066) Fragmentos facebookianos

I.

Missões é aquele procedimento político-religioso de, em determinadas circunstâncias, bater à porta, mas, em outras, meter o pé mesmo...



II.

Não tem uma CPA para avaliar pastorados. Mas, se tivesse, o único item de avaliação seria o seguinte: trabalhou para a autonomização das pessoas? O índice de reprovação seria de mais de 95%...



III.

Se eu amasse suficientemente gente, eu até talvez fosse pastor, e se eu tivesse suficiente coragem e desprendimento, talvez eu fosse um político profissional. Como eu não amo suficientemente gente e como não tenho a coragem e o desprendimento para a batalha partidária, vou ficando aqui em minha cadeira mesmo...



IV.

Se as mulheres dissessem: não vamos mais a nenhuma igreja que não nos aceite como pastoras ou mamas (feminino de padre :o) ), em uma semana todas as igrejas as aceitavam no clero. Mas algumas se conformam, outras se vendem, outras têm nojo e outras ainda estão nem aí... Os homens não são fortes: as mulheres é que não se juntam...

https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/980873735326530


V.

Engraçado como é a lógica do clero: no mundo católico, sexo é só para procriação, o que não explica a pedofilia que corre solta, e, no mundo evangélico-protestante, homossexualidade é aberração-antinatural, mas os pastores adoram um traseiro... Um dia vou tentar pesquisar quando foi que a coisa toda se tornou uma ode à hipocrisia institucional...


VI.

Os contos de fadas com princesas e finais felizes eram assim, porque antes do século XIX não havia sequer a ideia de alguém do povo ser feliz... Felicidade era um atributo da nobreza. Ao povo, cabia trabalhar e pronto... Os tempos mudaram, mas os contos de fada, não...



VII.

Paulo podia ter teorizado pela primeira vez a luta de classes. Mas como era um homem dado a delírios, eventualmente até um esquizofrênico, achava que as duas classes que estavam em luta eram as hostes dos homens da terra e as hostes dos espíritos dos ares... Foi preciso passar dois mil anos até que alguém mais lúcido trouxesse as duas classes para o chão firme...

https://www.facebook.com/osvaldo.l.ribeiro/posts/982878195126084


VIII.

Muita gente gosta do que eu escrevo. Mas quando eu digo isso que vou dizer, é como a cabeça da tartaruga, que encosta em um prego, e se recolhe por três dias no casco-casa: ninguém está realmente livre antes de libertar-se existencialmente da hipnose do "UNO" platônico-cristão... Quando a pessoa menos espera, o vírus "MONO" controla as palavras, a razão, a retórica, a língua, o corpo inteiro...
É preciso exorcizar essa possessão filosófica...



IX.

O que une a maioria dos políticos e a maioria dos pastores é que jogam com a ignorância do povo: eles a produzem, eles a mantêm e eles a instrumentalizam em benefício de si mesmos.










OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio