Eu tenho um jeito próprio de estudar a Bíblia. No atacado, é o modo histórico-crítico, ao menos em sua versão epistemológica, transformado profundamente pela perspectiva histórico-social. Mas, no varejo, é um jeito muito próprio, difícil de encontrar em outras exegeses, o que, eu sei, amplia a possibilidade de tratar-se de ilusão e negligência... Seja como for, é o que eu faço...
Eu vejo coisas, como o menino de O Sexto Sentido. Vejo gente morta o tempo todo, falando comigo. A exegese do século XX é um caso curioso de assassinato de gente morta: mataram os autores. Genocídio. Cova rasa. Aproveitaram as câmaras de gás alemãs e mataram os judeus que escreveram os textos "sagrados".
Acontece que eu ingressei seriamente na exegese por meio de Joaquim Jeremias, que tinha a neurose de encontrar gente morta. E é o que eu faço, ou tento fazer: falar com os mortos, todos os dias.
Para isso, uso os textos que eles escreveram, tanto no varejo, quanto no atacado. Atravesso-os ou vou até o mundo onde eles foram produzidos. Quero dizer, é o que tento: fazer o que aprendi com Carlo Ginzburg... Nesse sentido, sou tanto o ogro da lenda, de Marc Bloch, farejando a carne humana, quanto o porco indiciário farejador de trufas, o caçador na floresta, à caça de vestígios, de indícios, da caça.
Então, eu vejo coisas. Quando a publico, perguntam-me qual o teórico que usei. Bem, citei um: o teórico do método, que é o que me interessa. Teóricos que dão a substância não me interessam, porque, se acertaram a substância, não há mais o que procurar, e, todavia, em nenhuma hipótese está desvendada a substância dos textos "sagrados".
Precisamos de gente que nos ajude a aprender fazer as coisas, não de gente que nos diga o que as coisas são. Seremos nós a decidir se são mesmo como eles dizem, depois de nós mesmos olharmos para elas...
Quando você usa teóricos que dizem como as coisas são, você não é mais um pesquisador: você é apenas alguém que põe o celofane da cor de seu teórico sobre a realidade, e vê a realidade exatamente da cor do celofane: milagre!
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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