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terça-feira, 29 de junho de 2010

(2010/427) Matéria e pensamento


1. O problema do pensamento é que ele não é material, não é físico. O pensamento é a emergência dos processos da computação viva cerebral sobre si mesma. Logo, ele não é uma "coisa", como as outras, uma coisa física. Enquadra-se mais no conceito de recursividade. Não constitui, com os outros seres de matéria, um ser de matéria - trata-se propriamente de um ser de organização, como os turbilhões, que não são nem a resistência ao fluxo de energia nem o próprio fluxo de energia, mas um sistema que emerge do encontro exato entre fluxo e resistência, não sendo nem um nem outro. Assim, o pensamento não é o cérebro - mas um sistema que emerge dos sistemas em que se constitui o cérebro.

2. Essa condição fez do pensamento alguma coisa tida como essencialmente diferente do corpo. Daí, dessa diferença, para o conceito de alma, fantasma, espectro, foi um pulo. Muito provavelmente - minha aposta - uma herança oriental, esse conceito formalizou-se em Platão, e ganhou o Ocidente. A noção de "alma", e uma alma essencialmente diferente do corpo, distante dele, inclusive na origem, tornou-se tão forte que se chegou a traduzir a expressão hebraica "garganta viva" para "alma vivente". Pronto: o Ocidente platonizou-se.

3. No século XIX, ao menos Nietzsche insurgiu-se contra a idéia. Apostaria que não vem dele a intuição, mas das ciências biológicas - as pesquisas em torno da Teoria da Evolução, por exemplo, comuns e famosas na época. Mas Nietzsche afirmou que a consciência era a última etapa da evolução orgânica. Dois mil e quinhentos anos depois de Platão, o platonismo é, aí, sepultado. Daí, para as Ciências Cognitivas, mais modernas, era/foi um "pulo" natural.

4. Pois bem. O mundo físico é a casa e a origem do pensamento. Salta-se do mundo físico para o mundo vivo e, daí, para o pensamento e a consciência. Ainda não se tratou suficientemente disso. Ainda se discute a distância entre a consciência e o real, como se ambos fossem de dimensões e essências diferentes - de mundos diferentes. O mito platônico ainda ocupa nossas consciências, quando o assunto é a "consciência". Mito por mito, vale mais remontar ao aristotélico, e considerar a metáfora mitológica do logos divino que está impregnado em tudo e todos - princípio de inteligibilidade do real... Ora, é o próprio real que está em tudo e em todos: inclusive em nosso pensamento, não apenas como "morada", mas como fundamento.

5. Deve-se abandonar, sim, a idéia ingênua de um modo divino de o pensamento humano apoderar-se do "real". Se há modos divinos, reservam-se aos deuses. Aos homens, o pensamento. Todavia, o pensamento é a atualmente última etapa do cômputo vivo, da capacidade de o ser vivo mapear eficiente, efetiva e eficazmente o ecossistema no qual vive e está inserido. Não há diferença substancial entre a capacidade da amaba mapear seu meio, para daí nutrir-se, e a capacidade humana de observar nebulosas planetárias. Em última análise, trata-se de níveis diferentes de sofisticação da mesma capacidade - "dialogar" com o mundo físico.

6. Logo, penso que as discussões em torno da "verdade" como metáfora estão deslocadas, bem como são anacrônicas. Deslocadas, porque se trata de pensar no novo com os olhos velhos - se não há verdade divina, só pode haver falsas verdades, logo, verdades metafóricas... Anacrônicas, porque o século XIX já deu lugar ao XX e, agora, adentramos o XXI. Deixemos que os velhos homens permaneçam na arapuca de pensar o novo com os códigos antigos. Trabalho perdido, mas pode-se viver bem disso, inclusive. Aos novos homens, pensar o novo com categorias novas. No fundo, as que estiveram sempre aí... o tempo todo!


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

sexta-feira, 12 de junho de 2009

(2009/348) Coisa de pele e de cabeça - ou: do fundamento blastular do conhecimento humano


1. Sim, sim - é mais uma implicância minha, dentre as muitas, com a "pós-modernidade", mais precisamente naquele seu quesito da não-fundacionalidade do "conhecimento", proposição estabelecida axiomaticamente por meio de decisão lingüístico-mitológica comunitário-arbitrária - bem, se não há fundamento, não foi com base em "fatos" que se determinou o consenso, quero concluir... Assim se chegaria a curar a AIDS! Quem vota? Eu, eu, eu, pronto, axiomatizada a cura da AIDS... Cura de que, mesmo?...

2. Ironia à parte, quero refletir um pouco sobre uma informação de Edgar Morin - dada em O Método 3 - o conhecimento do conhecimento, cujo propósito é re-fundar o conhecimento na matéria viva, logo, no corpo, antes que num conceito platônico de ectoplasma incorpóreo, anímico, teológico, mitológico - qualquer que seja ele. O fantasma do conhecimento não-sensorial, não corporal, não-biológico, é tão assustador e eficiente que, ontem ainda, possuía a mente de Descartes - "penso, logo, existo...". "Pensa"? Quê? Tu? Sem tuas mitocôndrias?

3. Eis a informação, extraída do capítulo "2. A animaidade do conhecimnto" de O Método 3:

3.1 "Nosso tecido nervoso, como nossa pele, diferencia-se a partir de uma região da membrana externa do embrião ou do ectoderma. Significa que se formou, filogeneticamente, a partir das interações com o mundo exterior. Efetivamente a formação dos sistemas nervosos, ao longo das diversas evoluções animais, é inseparável das ações e reações no interior de um meio ambiente, e os desenvolvimentos cerebrais são inseparáveis da locomoção rápida, da busca, do ataque e da defesa, ligados à procura do alimento protéico, originária da incapacidade animal de captar a energia solar" (p. 63).

3.2 Uma nota 17, apensa ao texto, remete ao seguinte esclarecimento, mais técnico: "as primeiras divisões do ovo depois da fecundação transformaram-no numa espécie de esfera (blástula) que se transformará rapidamente num embrião (gástrula) atravessado por um 'tubo digestivo primitivo' e recoberto de uma camada de células (ectoderma) que o delimita física e fisiologicamente do seu meio. É a partir da região ântero-dorsal desse ectoderma que começa, no vertebrado, a formação de uma calha rapidamente fechada num tubo (tubo neural), num primeiro esboço dos centros encefálicos e medulares" (p. 264).

4. Essa é uma informação carregada de implicações para a Epistemologia Cognitiva - diante do que o não-fundacionalismo não tem a menor sustentação teórica. A membrana da qual se origina tanto a pele quanto o sistema nervoso humano - inclua-se, não se vá esquecer, aí, o cérebro! - é a parte responsável pela delimitação do ovo, da célula, da blástula, com o meio externo/ambiente. Essa membrana, portanto, de um lado, promove a diferenciação do ser vivo, separando-o fisicamente do meio, e, de outro, proporcionando à célula viva os mecanismos e instrumentos de interagir com esse meio - a "computação viva", incluídas aí a alimentação, a excreção, a locomoção, a respiração etc. (para um exemplo de "interação" da membrana na função alimentar [fagocitose], cf. Perseguição em alta velocidade).

5. A membrana celular está diretamente relacionada, assim, ao, movimento do ser vivo em direção ao meio externo, seja a sua própria locomoção nele, seja a sua interação sensorial operada nele. Ir lá fora e trazer para aqui dentro - digamos assim. Isso já requer capacidade de "computação" - capacidade química de identificação do meio e de tratamento da informação aí disponível. É de comer?

6. Nos animais superiores, contudo, especialmente nos vetebrados, a computação viva torna-se cada vez mais complexa, de modo que se torna necessária uma cada vez mais complexa estrutura - seja de captação dos insumos do meio, seja de sua prospecção (sentidos e aparelho locomotor/coletador), bem como, obviamente, de operação das rotinas de tratamento dessas informações - "computação" viva.

7. No Homo sapiens, a especialização cerebral é incomparável. O que era "computação" (e permanece sendo "computação"), evolui para a "cogitação" (consciência, pensamento, linguagem). Ora, o pensamento, a consciência, a linguagem - são desdobramentos/emergências "naturais" daquele mesmo tecido nervoso que, por sua vez, desdobrara-se daquela mesma membrana blastular. Isso sginficia que o pensamento, conquanto possa voar até o Sol - como Ícaro! - tem a função primária de tratar o meio ambiente - o real! 0- com o objetivo primáro de... manter-me vivo!

8. Ora, o fundamento da vida é a sua instalação eficiente no meio ecossistêmico. A membrana blastular dá ao ovo (assim como a membrana celular dá à célula) a capacidade de se individuar do meio, e de emergir como sujeito vivo - conquanto não sujeito de si. O pensamento humano, a sua faculdade cognitiva, está diretamente ligada àquela função necessária da computação do meio, logo, seu fundamento encontra-se lá fora, no real. Ao contrário, mas muito ao contrário do que postulava Platão, que cnsiderava a matéria e os sentidos ineficientes para o "conhecimento", o próprio conhecimento humano é uma emergência da estrutura bio-orgânica de tratamento vivo do real.

9. A despeito da rotina hermenêutica que intermedia o pensamento humano e o real, somente se pode desconsiderar o real como fundamento da validade heurística e epistemológica desse pensamento ao custo da desmembranização do homem, de seu desenvelopamento, e, com isso, sua dissolvição - seja num solipsismo estético, seja num misticismo lingüístico. De fato, o homem que decide pensar descoladamente do real, aliena-se. Se, de fato, de verdade, o fizer, morre. Cpmo nenhum não-fundacionalista morre de não-fundacionalismo (Rorty não morreu por seu não-fundacionalista, se é que morreu, se é que existiu! Aliás, qual a diferença entre Rorty e o Gasparzinho?), segue-se que não existe nenhum verdadeiro não-fundacionalista, e que os discursos não-fundacionalistas são isso, diversão de meia dúzia e política de outro tanto. Na hora h, quando a vida reclama, curvam-se, inexoravelmente, à condição primária de toda célula e de toda blástula- agarram-se à vida. Se não enganfinharem o real, e vida, engaalfinha-os o real, na morte, de qualquer jeito...

10. O que sugere que o não-fundacionalismo gravita entre alguma coisa políica e lúdica: uma zombaria, para atazanar a vida de quem os leva a sério - eu, por exemplo -, ou estratégia para conseguir, por meio desse artifício prestidigital, vantagens que, na vida concreta, na interface com o real, não detêm nem de outro modo deteriam. Razões inconfessáveis? Ou meramente equívoco platônico - nesse caso, consideravelmente anacrônico?

"A consciência é a última fase da evolução do sistema orgânico, por consqüência também aquilo que há de menos acabado e de menos forte neste sistema" (NIETZSCHE, A Gaia Ciência, Aforismo 11).



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

sexta-feira, 24 de abril de 2009

(2009/218) Nó górdio



1. Se não sabemos o que é o pensamento, a consciência, então não sabemos é nada. Se não sabemos como o cérebro faz, para, desde suas circunvoluções de carbono, deixar escapar - emergir - a consciência, o pensamento, a crítica, então sabemos é menos ainda. E, contudo, é por meio desse mesmo não-conhecido pensamento que devemos chegar o conhecer o conhecimento e o cérebro que o permite...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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