sexta-feira, 30 de novembro de 2012

(2012/831) E quanto a Maria - ela gritou?

1. Preciso da ajuda dos universitários.

2. Tenho aqui uma dúvida, que tratarei com a máxima ironia, claro, mas que, ironia à parte, traz uma questão muito séria para o tipo de "exegese" que se faz com a Bíblia, todo o malabarismo de interpretação, para a adequada adaptação doutrinária.

3. O caso em tela é sobre Maria, mas devo começar por Deuteronômio 22,23-27:
Quando houver moça virgem, desposada, e um homem a achar na cidade, e se deitar com ela, Então trareis ambos à porta daquela cidade, e os apedrejareis, até que morram; a moça, porquanto não gritou na cidade, e o homem, porquanto humilhou a mulher do seu próximo; assim tirarás o mal do meio de ti. E se algum homem no campo achar uma moça desposada, e o homem a forçar, e se deitar com ela, então morrerá só o homem que se deitou com ela; Porém à moça não farás nada. A moça não tem culpa de morte; porque, como o homem que se levanta contra o seu próximo, e lhe tira a vida, assim é este caso. Pois a achou no campo; a moça desposada gritou, e não houve quem a livrasse. 

4. Depois de ler esse importante protocolo, vem-me à mente a história de Maria. Sim, eu sei, uma lembrança constrangedora, nesse contexto. Mas os universitários resolverão o problema, certamente, de modo que, assim, estamos mais resolvendo do que criando problemas...

5. "Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Estando Maria, sua mãe, desposada com José, antes de se ajuntarem, achou-se ter concebido do Espírito Santo. Então José, seu marido, como era justo, e a não queria infamar, intentou deixá-la secretamente. E, projetando ele isto, eis que em sonho lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo" (Mt 1,18-20). "E disse Maria ao anjo: Como se fará isto, visto que não conheço homem algum? E, respondendo o anjo, disse-lhe: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus" (Lc 1,34-35).

6. Pois bem - Maria, prometida a José (cf. Dt 22,23), sem ter-se deitado ainda com homem algum, tampouco José, é engravidada pelo Espírito Santo. Mateus fala em "poder" do Espírito Santo - Lucas, mas ilustrativo, fala de Maria ser "coberta com a sua sombra". Seja como for, Maria, prometida a José, vê-se grávida.

7. Que a coisa toda não é nem um pouco "boa", revela-o a intenção de José, um bom homem, afinal. Ele julga que sua esposa incorreu em adultério, mas, para não colocá-la em perigo imediato e direto, decide deixá-la secretamente. No enanto, um anjo faz a saber ao marido-prometido traído que quem engravidara sua esposa-prometida fora o próprio Espírito Santo.

8. Pois bem. Eis as questões aos universitários.

  1. aplica-se a essa situação Deuteronômio 22,23-27?
  2. se se aplica, Maria gritou?
  3. se se aplica, e Maria gritou, o Espírito Santo deveria ser apedrejado?
  4. se se aplica, Maria não gritou?
  5. se se aplica, e Maria não gritou, Maria e o Espírito Santo deveriam ser apedrejados?
  6. se se aplica Deuteronômio a essa situação, se poderia, todavia, justificar o caso com o costume - ou a lei - medieval da jus primae noctis?
9. Chamo a atenção dos leitores para o fato de que Marcos não conhece - e se conhece, de qualquer modo, não apresenta - nenhuma informação sobre esses "acontecimentos". Eles se encontram apenas em Mateus e Lucas. Uma questão, agora técnica, e não irônica, eu a deixo com os leitores.

10. Considerando-se que as histórias evangélicas se acumularam, pela tradição, década a década, após a morte de Jesus de Nazaré; considerando-se que, em Apologias I e II, Justino faz-nos saber que os romanos e gregos guardavam inúmeros casos de nascimentos virginais de heróis, como, então, à época, já faziam os cristãos com seu messias - seria provável que, à medida que as histórias de Jesus começaram a circular entre os gregos, essas histórias de nascimentos virginais tenham sido incorporadas à "memória" da tradição, para acrescentar ao messias judeu o caráter espetacular de herói? 

11. Eu compreendo - quem está comprometido incondicionalmente com doutrinas, e cuida, com isso, prestar um culto a Deus, terá dificuldades de pensar. Mas mesmo os crentes mais fundamentalistas, quando "bíblicos", não dormem sem que consigam "acomodar" as coisas.

12. Pois bem, sem malabarismos, e nos limites da teologia bíblica confessional, como resolver esse imbróglio?

13. Por que "nos limites da teologia bíblica confessional"? Ora, porque, para além de seus limites auto-impostos, a questão já está, há muito, resolvida.

14. Ou quase...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/830) Culto e mercado(ria)

1. No fundo, não há diferença substancial entre as igrejas neopentecostais e as tradicionais.

2. Claro, se você compara "aspectos" de uma e de outra, encontrará diferenças - óbvio!

3. Todavia, em todas elas, o que se produz é uma troca - os homens e as mulheres trocam com Deus, mercadejam com ele aquilo que elas, as pessoas, acham importante. É comércio - com milhares de anos, porque foi assim que a religião se constitui - troca mágica com os deuses...

4. Isso, de um lado, explica porque não há interrupção de procedimento entre as igrejas tradicionais e as neo - na prática, os fiéis fazem a mesma coisa: vão lá para dar e receber em troca. O que muda é o que querem em troca e, eventualmente, o que dão.

5. De outro lado, facilita a vida da canalha neo-midiática: porque fazem com que o povo dê, dê, dê e não pare de dar... Porque dar é o que o povo faz desde sempre: dar e esperar que Deus lhe dê algo em troca.




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/829) Fragmentos facebookianos

I.

1. Você imagina Deus e como ele seja.

2. Então, você imagina um jeito de fazer com que ele faça o que você quer que ele faça.

3. Princípio fundamental do "culto", qualquer que seja.

4. O resto todo é variação sobre esse tema.


II.

1. Até os rabinos judeus já sabiam que os filhos de Adão e Eva tiveram de copular entre si. Não chegaram a especular, salvo engano meu, sobre possível cópula entre Eva e seu filho ou entre Adão e uma filha sua - mas, entre irmãos e irmãs, sim.

2. Ou incesto é pecado, e Deus, sabendo, mesmo assim, fez o que fez, ou tratar Adão e Eva como história e tomar as coisas literalmente é uma grande tiro no pé...






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/828) Dia do teólogo até que tem Bíblia


1. Eu sei que hoje, quando alguém se lembrar de que se trata do dia do teólogo - mas podia ser qualquer outra, vá lá -, vai-se pensar no cristão a ler a Bíblia...

2. O que está errado nessa imagem?

3. Bem, há muita coisa errada nela, mas eu quero me deter num aspecto.

4. No Brasil, a Teologia está na Pós-Graduação há uns 30 anos. Cursos de Mestrado e Doutorado em Teologia são reconhecidos pelo MEC há todo esse tempo. Só havia, contudo, cursos cristãos, de modo que a coisa toda girava em falar de teólogos como sinônimo de cristãos.

5. Desde 1999, o Estado, através do Ministério da Educação e Cultura, "reconheceu" a Teologia na Gradução. A Escola Superior de Teologia, luterana, foi a primeira IES a ter um curso de Teologia reconhecido (cito de memória, mas acho que não me engano).

6. O MEC, todavia, não reconheceu "a" teologia cristã. Reconheceu "a" Teologia. Isso significa que, no Brasil, teólogo não se aplica mais unilateralmente a cristãos - há cursos, reconhecidos/autorizados (ou em processos relacionados), de teologia cristã, espírita, messiânica e umbandista. Espírita (conceito 3), em Curitiba, messiânica (conceito 4) e umbandista (conceito 2), em São Paulo.

7. Já há turmas formadas. A Faculdade de Teologia Umbandista já teve turmas de teólogos. São teólogos. Umbandistas, vejam vocês - e teólogos e teólogas.

8. Não tenho acompanhado os demais casos, mas, pelo tempo, é natural que já tenha havido turmas formadas. Com efeito, a manutenção de cursos regulares reconhecidos não é barata, a despeito de os salários de professores não serem de alta monta, o conjunto das despesas da IES demanda grande volume de alunos, e tradições menores têm dificuldade de se manter. O futuro dessas instituições é incerto. Todavia, a questão não é essa: a questão é - teologia no Brasil não é mais sinônimo de Cristianismo.

9. Já argumentaram comigo a defesa da tese de que teologia, mesmo, só o Cristianismo faz. Por trás desse argumento, está a afirmação de que a Grécia e Platão - a Filosofia! - seja a verdadeira teologia, e, de qualquer forma, um bairrismo que, a meu ver, e não apenas pela razão que apontei, mas, da mesma forma, por outra, isto é, o fato de, na prática, a Teologia cristã ser discurso mitológico e metafísico, não se sustenta.

10. Para mim, o que se faz no Brasil a título de Teologia não tem estrutura científica - e com "científica" não quero me referir às ciências duras, mas às moles, as Ciências Humanas. Teologia, no Brasil, ainda é racionalização doutrinária assumida como se dando no plano de Deus. Não posso concordar com essa plataforma. Seja como for, até nisso nossas colegas Faculdades de Teologia não cristãs são iguais - cada qual a falar de deus deuses e orixás, duas doutrinas, suas "verdades", seus valores...

11. Em dias de discussão epistemológica do caráter do Ensino Religioso, as Faculdade de Teologia não prestam um bom serviço, se se portam metafísico-doutrinaria-confessionalmente. É a minha opinião.

12. Seja como for, deixo minha ressAlva: hoje é dia do teólogo, mas não é mais dia - apenas - do cristão: é dia do teólogo um bandista também, e do espírita, e do messiânico. Pelo menos.




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/827) Sobre adultos e crianças cortadas

1. Sei que o que vou escrever vai dar dor de cabeça. Mas, pensando na força da inércia, deixemos que a bola role até não poder mais rolar.

2. Vejam:

a) a "circuncisão" (excisão) feminina, de tribos africanas, é considerado ritual sagrado para essas tribos - cortam-se o clitóris, os grandes e os pequenos lábios vaginais e costura-se a vulva, numa "cirurgia, feita por mulheres, que, muitas vezes, leva à 
morte da menina. O Ocidente cristão - e me incluo aí - condena a prática como barbárie, obscurantismo e perversidade.

b) circuncisão masculina - é "bíblica". Corta-se a pele peniana, o prepúcio, numa cirurgia tão violenta quanto a que as meninas sofrem, mas menos invasiva. É praticada por povos africanos e por diversos povos no Oriente Próximo, inclusive judeus. É considerada, ainda, símbolo do pacto com Deus.

3. Dois pesos e duas medidas?

4. ChoVam os argumentos de defesa da circuncisão ritual...

5. Mas ainda posso deixar as coisas mais complicadas. Nos dois casos, adultos violam a integridade física de crianças. Em nome de que poder?

6. Nos dois casos, adultos vão cortar a carne, literalmente, da criança - e carne que não foi feita para ser cortada...

7. Agora, vejam: a garota oferece o ato inaugural de rompimento natural de seu hímen a quem pagar pelo "privilégio" - e a sociedade considera isso um "absurdo"...

8. Não tem alguma coisa errada nessa história toda, não?




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/826) Dos que vão lamber sabão

1. Sou a favor da liberdade e igualdade dos negros - se isso não está bom para o Cristianismo, pior para ele.

2. Sou a favor da liberdade e da igualdade das mulheres - se isso não está bom para o Cristianismo, ai que medo! E eu direi que todo Cristianismo - todo, mesmo o católico - que não permite sacerdócio feminino está doente.

3. Sou a favor da liberdade e da igualdade dos homoafetivos e das homoafetivas - e se isto não está bom para o Cristianismo, problema do Cristianismo.

4. Todavia, eu sei que comungo, com muitos cristãos, esses pensamentos de liberdade de negros, mulheres e homoafetivos - de modo que quem vai lamber sabão não são esses.





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/825) O verso maldito da Bíblia

1. O verso maldito da Bíblia: "vai, vende tudo o que tem e dá aos pobres"...

2. É o campeão dos contorcionismos, desvios retóricos, "filigranas hermenêuticas" e qualquer quiabo gosmento que escorregue...

3. Esse verso é o prego da cruz de cada um de nós.

4. Quem tem moral de cobrar o que quer que seja a qualquer pessoa usando essa Bíblia, essa, que manda a todos uma coisa dessas e ninguém faz?

5. Macaco, olha teu rabo!




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/824) Sobre "teoria do conhecimento"

1. Se alguém me perguntar o que acho sobre teoria do conhecimento, eu direi o seguinte: qualquer teoria que passe longe da Biologia e da capacidade das células mapearem seu meio externo, a ponto de permitir passar pela membrana citoplasmática apenas os insumos que ela identifica como necessários, não tem a menor possibilidade de nos ajudar, efetivamente, a entender o que é o conhecimento.

2. Nenhuma teoria filosófica sobre conhecimento que não tenha validade biológica não se sustenta.

3. Nenhuma teoria sociológica do conhecimento que não tenha validade biológica não se sustenta.

4. Nenhuma teoria antropológica do conhecimento que não tenha validade biológica não se sustenta.

5. Emprego, para o dizer, a tese da compatibilidade, de Jerome Barkow. Nenhuma tese de uma verdadeira ciência pode ser válida se não for igualmente uma tese de todas as outras verdadeiras ciências.

6. E, para mim, base do conhecimento é celular. É desde aí, tornando-se cada vez mais complexo e sofisticado, que o processo de conhecimento vivo do meio ascende até a consciência humana.

7. Edgar Morin. O Método 3 e 4. "Mas quem ouve a minha pregação?"




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/823) Sobre interpretação, pressupostos e descoberta

1. Dizem que estamos presos a nosso mundo, e que não conseguimos sair dele no processo de compreensão do outro...

2. Não acredito nisso.

3. Nunca acreditei, mas, hoje, ainda menos.

4. O ser humano tem a capacidade de transportar-se meta-teórica e meta-psicologicamente para um ponto fora de si mesmo, ver-se com
o um terceiro e compreender-se como um terceiro.

5. Sem esse mecanismo, compreender-se e compreender o outro seria impossível.

6. Um bom exercício é ler o Antigo Testamento.

7. O fato de se ser cristão e ter aprendido desde cedo a ler o AT como um livro cristão vai ajudar.

8. Mas não é qualquer um que será capaz. Só quem já desenvolveu o pensamento crítico a ponto de pôr de lado a doutrina.

9. Então, vamos lá.

10. Você toma nas mãos um texto que sua mente, doutrinada, diz que fala sobre Jesus. Um excelente exercício é Is 7,14. Seu mundo inteiro gira em torno disso: é de Jesus que fala...

11. Prepare-se.

12. Admita que você está lendo assim, porque fizeram você ler assim. Olhe para você lendo desse modo, alegórico. Não demonize isso - ainda :) Apenas, compreenda. Olhe-se. 

13. Agora, assuma o pressuposto crítico de que o autor era judeu, não tinha a mínima ideia de Jesus, que só nasceria séculos depois, e que ele tinha que estar falando sobre outra coisa.

14. Leia com vagar, com atenção, procurando ativamente pistas sobre o que é que o autor está falando - sobre o que, sobre quem...

15. Se ler com atenção, acho que não vai demorar muito a achar a resposta, sem malabarismos, usando apenas o que aprendeu nas aulas de Língua Portuguesa.

16. Então, veja: você estava no seu mundo, enfiado nele até o pescoço. O texto fala de outro mundo, de outras coisa, e você não sabe o que é. Mas você tem uma mente crítica e investigativa - e, melhor ainda: você pode sair de você mesmo, meta-psicologicamente. 

17. Então, usando as duas rotinas naturais da mente, você se desliga de você mesmo, rompe o controle cego que sua mente tinha sobre você e consegue alcançar o que o texto estava dizendo...

18. Conversa mole essa de que você está preso no seu mundo e que você só ouve o que falam se é o que você fala...

19. Besteira.





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

(2012/822) Progresso em Nietzsche como "opressora patologia do viver"


1. Estou folheando, para ler com mais calma, Poder e Secularização - as categorias do tempo, de Giacomo Marramao (UNESP). Aprendi há anos, com Mortmer Adler, a, primeiro, folhear um livro, de cá para lá, atrás de uma primeira leitura inspecional. Não será um a leitura fluente... Não estou diante de um Manuel Garcia Morente.

2. Mas isso é irrelevante. O que me faz pousar o livro sobre a mesa e registrar pensamentos que me passam, coriscando a mente, é esse pequeno trecho, que extraio da seção "a crítica do progresso em Nietzsche" (310-312): "ou seja, o progresso é criticado (por Nietzsche) não porque seja irreal ou ilusório, mas - ao contrário - porque é terrivelmente verdadeiro e opera efetivamente: o devir, o desenvolvimento, o mundano secularizar-se dos valores originalmente contidos na ideia de progresso são reais, efetivos - porém a ponto de restabelecer um gigantesco e hipertrófico coágulo patológico, uma opressora patologia do viver" (p. 311).

3. Hum?

4. Penso que um filósofo que seja crítico da modernidade passaria alegre e faceiro por essas linhas, encontrando o que deseja ouvir: a modernidade, o progresso, é isso, essa patologia do viver...

5; Quem leu Losurdo há de menear a cabeça. As 1.200 páginas de Nieztsche, o rebelde aristocrata revelam, e, a meu ver, de forma dificilmente contestável, que o problema de Nietzsche com o progresso e a modernidade se devia ao fato de que o movimento moderno promovia a "democratização" das relações, a emancipação das massas, a desnobrelização da sociedade. Se há uma patologia aí é o fim da sociedade constituída pelos nobres e pela chandala - forma como Nietzsche se referia à população de modo geral. O problema de Nietzsche com a modernidade é aquele trístico revolucionário: liberdade, igualdade, fraternidade.

6. É a mesma razão pela qual Kierkegaard não queria que se lessem jornais: jornais são para os nobres, para os grandes homens, não para o povo! E Nieztsche dizia: como assim, o povo deseja a felicidade? O povo não tem que desejar a felicidade - tem que cumprir seu papel de estrada para a roda da genialidade e da fortuna - os grandes homens...

7. A patologia que Nietzsche vê na modernidade é essa: seu mundo desaba, um mundo higiênico, em que o "proletariado" mantém-se afastado, nas senzalas sociais - como aliás soube fazer aquele nobre povo, o norte-americano, ele gostava de frisar...

8. Sim, eu sei: muitos receptores de Nietzsche não podem se dar à sinceridade de o afirmar, então, aplicam um pouco de mel à crítica de Nietzsche, generalizando-a: a modernidade é um mal...

9. Hipocrisia...

10. Não é um céu, não se resolveram os problemas - mas para quem não é nobre, não é rei, não é senhor feudal, não é rico, a vida, hoje, é muito melhor do que era nos séculos XVII, XVIII, XIX. Pode-se até pensar em ser feliz...

11. Deve mesmo ser patológico, para a elite e a nobreza, em estrito ou lato sensu, que pobres, que instrumentos de trabalho com pernas, passem a achar que têm algum lugar na sociedade dos homens além do torno...

12. Aliás, eu não acho que o ódio visceral contra Lula, no Brasil, por parte da elite, se deva a alguma outra razão muito distante dessa - pobre, nordestino, "analfabeto" - isso lá é gente para assentar-se ao trono dessa pátria?





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

domingo, 25 de novembro de 2012

(2012/821) Reação de Sóstenes Lima a meu comentário sobre seu texto "Deus não é genocida"






Diálogo com Osvaldo Luiz Ribeiro


Osvaldo Luiz Ribeiro

Sóstenes, seu texto [“Deus não é genocida”] foi divulgado no Facebook e o li. Acho que não o conhecia. Uma texto provocativo e público. Logo, provocado, comento-o.

Sostenes Lima

Caro Osvaldo Luiz Ribeiro, visito o blog Peroratio com certa frequência. Gosto dos seus posts. Antes mesmo de você me honrar com sua presença aqui, eu já tinha colocado o Peroratio como um dos meus poucos blogs recomendados. Obrigado por sua visita.

Aproveitei o seu comentário para dar continuidade à interlocução. Gostei de cada uma das suas colocações. Não vou rebatê-las, de modo algum. Razão: me falta profundidade e sobra retórica (rs). Quero apenas comentar cada um dos seus itens (a, b, c, d).

Osvaldo Luiz Ribeiro

a) Marcião fez o mesmo que você, no século II. Foi mais longe, ele, eu acho – em todo caso, vi os mesmos arrazoados. Separar um deus bom de um deus ruim.

Sostenes Lima

a) Penso que as razões que levaram Marcião a propor uma divisão entre o Deus do A.T. (um demiurgo mau) e o Deus no N.T. são um pouco diferentes das que me levaram a escrever o texto “Deus não é genocida”. Embora suas propostas estivessem, em grande parte, ligadas a questões éticas, Marcião, até onde sei, não as elaborou para contestar o apoio dos cristãos a uma guerra específica. Me parece que a maior preocupação dele era criar uma conciliação ética entre o Deus do A.T. e o Deus do N.T., sem que isso estivesse ligado a uma questão crucial de sua época. De qualquer modo, não estudei Marcião. Tenho pouco a dizer sobre suas postulações teológicas.

Osvaldo Luiz Ribeiro

b) Você trata Yahweh, deus judeus, talvez israelita, como deus pagão. Foi exatamente o que Marcião fez. Não vejo sentido – se você tirar Yahweh, o deus ocidental desaparece. Não há monoteísmo sem Yahweh – e estou falando estritamente em termos históricos, porque não acredito em acesso metafísico;

Sostenes Lima

b) Minha discussão (e contestação) gira em torno de Yahweh Sabaoth (Deus dos Exércitos), não de Yahweh em si. Vejo problema no Deus invocado pelos judeus para lhes garantir vitória nas empreitadas militares, não no Deus de Israel em si. Ao criar especificidades para Yahweh, os judeus acabaram seguindo os mitos e religiões de sua época e de seu entorno geográfico-cultural. Todos os povos, com os quais Israel interagia, tinham deuses para praticamente todas as atividades (sociais, econômicas e culturais) e esferas da vida, tais comoagricultura, guerra, justiça, saúde. O que distinguia os judeus dos outros povos é que eles congregavam essas potencialidades divinas num só ser. Daí o monoteísmo. Contudo, penso que o Yahweh da guerra, o Yaweh da agricultura (se houver), o Yahweh da saúde etc. são imitações pagãs. Esses deuses pagãos, embora chamados de Yahweh, não são propriamente o Yahweh pai do messias, o pai do Cristo dos cristãos.

Vejo que a construção de um Deus com paixões, pretensões e incursões militares decorre da necessidade dos judeus. Os registros das ações desse Deus não podem ser aprioristicamente tratados como revelação. Só tenho de aceitar como revelação todos os registros dos atos de Yahweh – com todas as especificidades dadas pelos judeus – se eu seguir rigorosamente o dogma da inerrância e da inspiração verbal plena. Caso contrário, posso conceber boa parte do A.T. como uma narrativa de autocompreensão religiosa do povo judeu, incluindo aí a criação/projeção de um Deus que lhes atendesse certas (ou quase todas) demandas da vida cotidiana. Muito do que há no A.T. é, para mim, então, resultado do modo como o povo judeu (dentro dos contextos social, cultural, econômico etc. que o cercavam) concebia Deus. Portanto, as ações atribuídas a Deus podem não ser necessariamente de Deus.

O discurso religioso é, talvez de todos os discursos, o que tem mais poder de construção e manutensão, porque invoca uma autoridade supra-humana, inquestionável. Dogmas são criações discursivas poderosas porque estão assentados em discursos sagrados, que reivindicam para si mesmos um poder legítimo, inerrante e não suscetível à crítica e à suspeita.

Osvaldo Luiz Ribeiro

c) Não entendo como você pode se dizer um cristão convicto e, por isso, negar Yahweh, um deus pagão e assassino, quando o Cristianismo é muitíssimo mais assassino do que Yahweh - se somarmos todas as mortes atribuídas a Yahweh a gente pode dar um século de matança cristã que fica zero a zero, com 19 séculos de sangue ainda para a gente negociar com algum outro deus pagão...

Sostenes Lima

c) Nesse ponto, penso ser necessário distinguir Yahweh e judaísmo, do mesmo modo que é necessário distinguir Cristo e cristianismo. Cristo não fez e não faz tudo que os cristãos lhe atribuem. Houve na história do cristianismo diversas incursões de massacre e outros desastres éticos, já denunciados por mim no artigo “A agenda de Jesus se opõe à agenda dos cristãos”. Quem fez isso, embora em nome de Deus, foram os cristãos, não o próprio Deus. Portanto, os 19 séculos de violência praticada pelo cristianismo devem ser interpretados à luz das necessidades e contexto histórico dos cristãos, não à luz da revelação.

Minha interpretação do A.T. vai nessa mesma direção. Yahweh não é sinônimo de Israel ou de judaísmo. Nem tudo que Israel e/ou judaísmo atribuem a Yahweh foi realmente praticado por Yahweh. Como disse acima, o problema não está com Yahweh, mas com o Deus que entra na guerra para exterminar violentamente os inimigos de Israel. É o sanguinário Yahweh Sabaoth que é pagão, não o Yahweh.

Osvaldo Luiz Ribeiro

d) o final do seu texto, aí, sim, me interessa – mas, cá entre nós, ele pode funcionar bastante bem sem essa retórica de "sou cristão" mas o AT que vá pro inferno: se é para mandar às favas, mande tudo, e fiquemos com a ética humanista e secular moderna que tá de bom tamanho...

Sostenes Lima

d) Gosto da ética humanista secular. Penso que ela dá conta de todas as demandas éticas da comunidade humana global, sem qualquer apelo às bases éticas das diversas religiões. Não há que se recorrer à ética cristã (ou qualquer ética religiosa) para se chegar a um padrão ético satisfatório para a continuidade e desenvolvimento da família humana (que envolve o ser humano e todos os outros organismos e elementos naturais de seu entorno). Na verdade, a ética religiosa tende mesmo a atrapalhar mais que ajudar. Temos visto que a religião, embora grandemente assentada em questões éticas, tende fossilizar a ética e transformá-la em moralismo. Penso que uma das bases do embate de Jesus com as instituições de sua época se deu, em grande parte, por causa do desvirtuamento da ética da lei em moralismo e tradição.

Coloquei a figura do cristão no meu artigo exatamente para dizer que, mesmo olhando sob a ótica religiosa – seja cristã ou judaica – o genocídio jamais é sancionado. Só mesmo uma degeneração da ética cristã, judaica (ou de qualquer outra ética religião) pode dar legitimidade ao genocídio; só quando se coloca algum dogma acima da ética (é bom lembrar que disso decorre a maior parte dos movimentos fundamentalistas) é que se pode respaldar ou apoiar qualquer forma de genocídio.

Osvaldo Luiz Ribeiro

e) para mim, é impossível separar a tradição cristã de seu passado judeu - IMPOSSÍVEL: tudo, absolutamente tudo, no cristianismo está assentado de modo sine qua non em assentamentos veterotestamentários. Penso que devíamos é fazer a crítica cristã a partir dessa relação, e não tratar o cristianismo e o fato de sermos cristãos como algo "acima" ou "melhor" do que foi o judaísmo veterotestamentário. Foi não: foi pior, mil vezes pior.

Sostenes Lima

e) Também acho que todo o nosso fundamento teológico é dependente do monoteísmo judaico. Somos todos filhos de Yahweh, por assim dizer. A questão central para mim não é pesar qual religião foi/é mais cruel: judaísmo ou cristianismo. Essa questão não me interessa. Também não me interessa saber qual Deus fez mais besteiras e barbaridades na história: o Deus dos judeus ou Deus dos Cristãos. Meu objetivo ao escrever o artigo não foi para comparar a representação que os judeus e os cristãos constroem para o seu Deus, e a partir daí dar o veredito sobre qual Deus é mais bárbaro. De modo algum. Em se tratando de representação, todos os deuses tendem a ser bárbaros. Não tenho a menor dúvida de que há muitos deuses bárbaros e pagãos tanto no judaísmo e quanto cristianismo.

Meu objetivo central foi denunciar a representação que judeus e cristãos têm Deus, especialmente a representação que atribui a ele uma identidade belicosa, sanguinária. Eu quis dizer que algumas representações de Deus, construídas em diversas manifestações do discurso sagrado (livros sagrados, profetismo, prédica etc.), não devem ser levadas a sério e tratadas com a reverência que reivindicam. Há que se colocar certos pressupostos éticos antes.

Osvaldo Luiz Ribeiro

"Meu voto", para brincar com a declaração da moda...
Meus respeitos,

Sostenes Lima

Um grande abraço, meu amigo






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/820) Camus, Fogel, Dostoiévski e a banca de Jimmy


1. Já tem uns meses. Eu fui à banca de Jimmy. A tese de Jimmy é sobre Dostoiévski. Convidou o Prof. Fogel, da UFRJ.

2. Foi uma banca muito boa. Foi bom ouvir tudo o que ali se disse. Mas a coisa que mais me marcou, que meus poros ouviram, foi a declaração de Fogel: "Camus não entendeu nada de Dostoiévski"...

3. Desrespeito com um intocável...

4. Ou será que os intocáveis o são são só porque os tocamos como se fossem deuses?, mas, de perto, puf!, são frágeis como tabuinhas assírias expostas às águas do Eufrates?

5. Foi uma tarde de iconoclasmo...

6. Para não perder a cena, ao final, Jimmy teve seu momento de apedrejamento dos deuses: "Queiruga é um teólogo menor"...

7. Começa assim, quando crescer vai achar que é possível criticar Karl Barth...






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/819) Oceans - da Disney/Nature (dublado)












OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/818) Conhecimento celular e conhecimento humano

1. Sabe quando uma célula precisa de potássio?

2. Tem ideia do que ela faz?

3. É bem complicado, mas a gente pode simplificar: ela dá instruções à sua membrana para encontrar algum íon de potássio boiando pelo líquido intersticial. Procura... procura: alerta: íon de potássio localizado. Abre-se, então, uma porta na membrana e o potássio é trazido para dentro. 

4. Sabe o nome disso?

5. Conhecimento.

6. É.

7. Conhecimento.

8. O mecanismo humano de "conhecer" as coisas é, a seu tempo, modo e natureza, desdobramento direto e complexo dessa mesma capacidade de a célula "computar" seu meio.

9. Não, a célula não pode "crer" que é potássio: ela tem que saber... Se ela errar, cãibra no infeliz do sujeito às 3:15 da manhã...

10. Da mesma forma, conhecimento não é crença, conquanto o processo a comporte.

11. Se você encontrar alguém por aí transformando conhecimento na mesma coisa que crença, achismo, opinião, chute, não vai almoçar na casa dele, não, tá? Vai que ele não saiba a diferença entre feijão e cocô de rato...





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/817) Deus, Ecologia e a Sociedade Protetora dos Animais

1. Provocação (novidade!).

2. Usar Deus como garoto propaganda da nova religião - a Verdologia - é complicado. 

3. A principal herança do Deus de Israel para o Cristianismo foi o sacrifício de animais - cada dia, matar um bezerro, um cabrito, uma rolinha, e os melhores, sem mancha, com toda preparação dos "crimes premeditados"...

4. O próprio Cristo foi lido como "Cordeiro" sacrificado...

5. Não há muito de "ecológico" nisso...

6. Talvez se pudesse dizer que Deus tenha usado cabritos como cobaias e, como a coisa funcionou, matou o próprio Filho...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/816) Comentários en passant sobre a "in-serventia de Deus"


1. Sóstenes Lima tem um blog homônimo na Internet. Nunca havia lido, não conhecia. Alguém ou alguéns de meus contatos do facebook deve(m) ter encontrado, porque hoje é a segunda vez que um texto de Sóstenes aparece postado.


3. Vou tecer alguns comentários en passant. Não será um comentário geral, moverei apenas os peões do tabuleiro...

4. Primeiro: "a religião nasceu com o ser humano". Esse "com" é ambíguo - o que se está a dizer? Que, nascido o homem, junto com ele nasce a religião? "homo sapiens não apenas conseguiu autoconsciência, mas também auterconsciência, das quais nasce a religião" - novamente, pode-se interpretar que se continue a falar da condição concomitante do nascimento do homem e da religião no homem, ou pode estar implícita a ideia de que estamos diante de um processo histórico longo - o texto, até aqui, passa por cima disso. "homo sapiens percebeu que para fora de si existe um mundo desconhecido, contingente, ameaçador; numinoso, por assim dizer" - outra vez, e mais grave: o texto agora insinua que a percepção do mundo como "numinoso" equivale à sua percepção como algo externo - passagem rápida demais, eu acredito, entre a hominização e a "teologização" humana. "Diante de tanto temor, imediatamente o homo sapiens se torna homo religiosus. Busca explicações para aquilo que desconhece e que o ameaça": bingo? Parece que eu estava certo: o texto torna todo o longo processo de hominização e de posterior "religiosização" um fenômeno praticamente único - veja-se o "imediatamente"...

5. Não sei. Acho que não foi assim: para mim, e creio que para a paleontologia, há um abismo de milênios entre a hominização e a posterior e muito, muito recente "teologização humana". Fiquemos no Homo sapiens - 250.000 anos? E a religião? Arqueologicamente comprovada, dependendo da flexibilização do trato material, 100.000 ou 40.000 anos. Não é possível unir os dois momentos, principalmente se tivermos em mente que o Homo sapiens não é o marco "inaugural" da espécie: dependendo do recuo no tempo, pode-se chegar a 6 ou 7 milhões de anos.

6. Não estou me detendo em detalhes. A ideia de que a teologização humana se dá concomitantemente à hominização embute um princípio teológico - ser homem é ser religioso, a religião é "natural", co-natural, co-humana, de sorte que só se pode pensar o homem enquanto ser religioso... Tenho minhas severas dúvidas... De qualquer forma, prepara-se o argumento final do artigo: pode-se fugir da "magia", mas não da "fé"...

7. O núcleo desenvolvido do texto une Fenomenologia da Religião e Feuerbach, e eu não faria maiores comentários. Estamos, aí, diante de certa compreensão do fenômeno religioso, com a qual tenho laços afetivos e ideológicos. O problema, todavia, é que o texto já separou o "nascimento" da "fé" do desenvolvimento cultural e histórico da religião - ele poderá, agora, pôr no chão o "desenvolvimento", guardando em relicário sagrado seu parto co-natural... É o que fará? Pode apostar...

8. A certa altura, uma declaração que, a meu ver, merece duas observações: "portanto, não tenho a intenção de defender aqui que é possível ser cristão sem estar imerso numa experiência religiosa. Isso seria um contrassenso". Primeira observação: a) não é o que pensava Bonhoeffer, que, enquanto esteve preso, pretendia desenvolver uma Teologia expressa na seguinte fórmula - "um Cristianismo não-religioso para um homem em estado adulto". Polares, as duas declarações. Pena que Bonhoeffer não tenha podido levar a cabo seu projeto. A segunda observação é que, como eu percebera, a entrada do texto prepara a sua saída - está-se a propor uma expressão religiosa "crítica" que se pudesse separar do mar de cultura e de sincretismo mágico por que o Cristianismo se teria deixado marcar...

9. A tese é: o Cristianismo é a religião da experiência última e sublime, diante da qual a religião histórica é espuma e sincretismo mágico. Eis o citado que acredito justificar minha leitura:
Não é meu propósito demonizar a religião em si. O que pretendo é mostrar que a fé cristã, embora ancorado no sentimento religioso, exige um passo à frente, sobretudo, em direção a um Deus inútil. Do contrário, estaremos navegando apenas na superfície da experiência religiosa, algo mais ou menos igual em praticamente todas as religiões, com diferenças rituais irrelevantes.

10. A religião histórica, tanto faz qual e tanto faz o nome do deus, é "um ritual de magia". O Cristianismo modelar, todavia, deveria ir além disso: "Não se trata de negar o caráter religioso de Deus, ou da natureza da religião como uma experiência de atenuação da vida, mas de buscar uma experiência que vai além disso". Por que haveria - para o autor, "há", ele afirma - um modo correto de ser corretamente cristão:
Ser cristão de verdade implica transcender o sentimento de desamparo diante do mundo e da vida (algo que incessantemente nos compele a buscar um Deus amparador, protetor, controlador). Significa rumar em direção a um Deus que provoca em nós um sentimento de contemplação e uma sede incontrolável de relacionamento. Significa buscar uma fusão com Deus, tendo o Cristo encarnado como referência. Ser cristão é desejar Deus, não precisar de Deus. Quem precisa de Deus para ajeitar questões contingentes (e mal administradas) da vida cotidiana, ainda está vivendo uma experiência religiosa pré-cristã, imatura, um pouco mágica.

11. É curioso. Um Deus que acaba de se fazer inútil, mas que não se joga fora. Mas ele acabou de ser declarado como não tendo nada a ver com a vida!... A magia é mesmo uma coisa desagradável! Que ele, esse Deus, cuide das "contingências" da vida - as contingências da vida, meus senhores, eis a única coisa que a vida é! - é um pensamento aviltante da condição máxima dessa divindade, sublime - platônica... Vejo-me diante da idealização radical da subjetivação filosófica da fé: assisto ao encontro explícito entre a Teologia e a Filosofia do século XX - pouca Filosofia e quase nenhuma Teologia "crítica" (?) do século XX foi além disso, deixou de ser isso e expressou-se fora desse ponto axial. Descorporização da fé, platonização da fé, sublimação da fé, filosofização da fé.

12. No último parágrafo, um tanto quanto constrangido de ter levantado alto demais a cabeça e ter corrido o risco de esquecer o que é a vida, Sóstenes confessa: "sou contraditório, eu sei". Felizmente, ele mesmo o declara. Eu o declararia, mas meus leitores se constrangeriam. Todavia, o próprio autor o confessa. E vai mais longe: "não sei como resolver esse dilema", isto é, fugir da vida, em direção a um Deus que não põe a mão na matéria, coisa imunda, e no carbono, coisa do demiurgo - Platão é o verdadeiro fundador da Teologia cristã! -, e, ao mesmo tempo, reconhecer que a vida é dor e sofrimento: "já orei por todos esses motivos".

13. O mais engraçado é que a solução me parece diante dele: "tenho convicção de que, em minha experiência de fé, devo avançar em direção a um Deus amigo, companheiro, diante do qual tudo que posso fazer é contemplar, estar perto, dialogar, abraçar, amar, estar nele e ele em mim". Tem mesmo? Tem consciência, mesmo, de que se trata de uma experiência de fé? De ? Ora, se você levar a sério que se trata de uma experiência de fé, e se compreender fenomenologicamente, psicologicamente, antropologicamente, epistemologicamente o que isso significa, verá que se trata de racionalização envolvida por sentimentos de subjetivação e desejo... Não há nada de concreto aí. Nada. É o princípio do desejo a recusar-se a encarar o princípio de realidade - para citar o teórico com que Sóstenes abre seu texto.

14. Se querem tratar da inutilidade de Deus - aceito. Aceito qualquer coisa no campo da pesquisa, se com isso sou convidado a pensar sobre mim, sobre minha existência. Mas, por favor, se Deus é inútil, Deus é inútil. A retórica da manutenção do Deus inútil a despeito de sua inutilidade é o efeito teológico e religioso, místico e mágico - ironia! - do encontro violento entre a fé e a razão - e tudo isso não passa do efeito desesperado da alma que quer acreditar contra toda a racionalidade e, para tentar um pouco de paz interior - porque, afinal, a fé ainda está lá - precisa oferecer alguns farrapos que seja com que a razão, que começa a ganhar espaço, se contente em vestir...

15. Faça de Deus um inútil. Mas não tente esconder a nudez com farrapos.

16. A coragem de vir a público e denunciar a inutilidade de Deus pede a coragem de assumir que com a utilidade se vai também o que e quem se pensava útil: não apenas o que ele fazia, mas ele mesmo.

17. Sim, a fé se esconde na Filosofia. A Teologia se disfarça em crítica.

18. Nudez, senhores - a serpente era a mais nua de todas as espécies que Yahweh criara...




OSVALDO LUIZ RIBERIRO

(2012/815) Superpato - meu super-herói preferido na infância


1. Superpato foi meu super-herói preferido na infância. Minha avó criou meu primo, e comprava tudo quanto é gibi da Disney para ele. Ele tinha uma arca, na sala, com toda a coleção, mas nós não podíamos sequer tocar - quanto mais ler. Mas criança é criança. Quando não tinha ninguém em casa, achávamos a chave, pegávamos as revistas, líamos e recolocávamos no lugar...

2. Assim, li todos os gibis. E, quando encontrei o Superpato... putz, como ele era sensacional...









OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/814) Espetacular - Storm: trecho de "Oceanos (2010)" da Disney/Nature


1. Sem palavras. Espetacular...






2. Aqui, a filmagem original da Fragata francesa. Assista em Full HD 1080 - épico. Simplesmente, épico.







OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/813) Sobre "Maria" - Theotokos e as imagens cristãs


1. Uma aluna de Teologia, de uma turma querida, pede-me uma "resposta" - sim, foi uma encomenda, que engraçado! - a uma imagem do facebook, condenando as imagens de Maria, pelo fato de não estarem na Bíblia e, pior, de textos bíblicos proibirem imagens.

2. Não é uma tarefa nem fácil nem rápida, mas tentarei, em poucos parágrafos, fazer um quadro geral da presença de Maria e de imagens, e também imagens de Maria, no Cristianismo.

3. Bem, antes é preciso saber que os israelitas e os judeus tinham imagens. Durante toda a sua história, até o século V a.C. tinham imagens - e não de santos, mas de deuses, porque eram politeístas. Há uma corrente acadêmica que ainda postula a hipótese de um braço pré-monoteísta, profético, desde o século IX a.C. (não apostaria nisso), mas, seja como for, na prática, Israel e Judá eram politeístas icônicos - além de adorarem vários deuses, adoravam-nos por meio de imagens.

4. Na virada do século VI para o V, depois que os sacerdotes que retornaram da Babilônia assumiram o poder, tudo mudou. E mudou tanto, que quase nada da religião judaica depois disso foi da mesma forma que fora antes. Antes, os judeus eram politeístas; depois, monolátricos (henoteístas); antes, adoravam imagens; depois, não; antes, tinham vários altares e templos; depois, só um (em Judá - no Egito, havia outro); antes, tinham profetas; depois, não; antes, tinham profetisas e sacerdotisas, depois, não; antes, Deus fazia bem e mal; depois, só bem. Mudou tudo.

5. Escreveu-se nesse período o Pentateuco. Todas as Leis, na prática, datam dessa época - século V em diante. Há coisas antigas, mas as antigas são justamente aquelas que conspiram contra essa pretensa vida monoteísta e anicônica: Nm 21, por exemplo, diz que Yahweh manda Moisés fazer uma imagem de serpente, e que o povo olhasse para ela, para se curar... Essa imagem ficou por anos no Templo, e os judeus ofereciam incenso a ela. Minha dissertação de mestrado foi sobre Nehushtan, a serpente de bronze - e eu já devia ter publicado.

6. Bem, até o Novo Testamento, nada mudou significativamente. E acontece Jesus. Surge, de dentro do judaísmo, e com suas características, a Igreja. Se ela tivesse permanecido judaica, nada teria mudado. Mas ela abriu as portas para os gregos, depois, para todos. Começa uma longa fase de negociações.

7. A Igreja de Coríntio, por exemplo - como era uma igreja situada em cidade portuária, gente de todos os lugares transitavam por ali. Foi justamente ali que uma prática não-judaica ingressou na Igreja - a glossolalia, a "fala em língua estranha". Foi um fenômeno não-israelita que a Igreja adotou. Paulo tolerou o fenômeno e tentou dar um tratamento organizado a ele - que houvesse intérprete.

8. A Igreja desenvolveu-se, assim, negociando. O Natal, por exemplo, em 25 de Dezembro, é a aplicação à data da Festa ao Deus Sol. Quando a Igreja se tornou imperial - de Roma, o Império - a festa do nascimento de Jesus passou a ser comemorada no dia da Festa ao Sol Invictus - Jesus não nasceu em 25 de dezembro - isso é apenas "sincretismo" formal.

9. Cada vez mais as pessoas ingressavam na igreja, e o uso de imagens passou a fazer parte das tradições, porque todos os povos que ingressavam no Cristianismo usavam culto de imagens - todas. Inclusive, quando Mohamed (Maomé) fará a sua revolução religiosa, todo seu povo - todo - usava imagens ainda. Era absolutamente normal e comum.

10. O que a igreja fez foi dar ao uso delas um tratamento diferenciado: não era "adoração", mas veneração - os santos que eles representavam, sempre relacionados a supostos cristãos mortos, não eram adorados, mas venerados. Depois da Reforma, a Contra-Reforma católica ratificou a veneração das imagens, contra Lutero, e isso então se pratica desde os primeiros séculos do Cristianismo.

11. No caso de Maria, a Igreja cristã operou de forma semelhante. Toda a bacia do Mediterrâneo - toda - era marcada pelo culto às deusas. No norte da África, Ísis; na Europa e na Ásia Menor, Minerva/Diana no Oriente Próximo, Ishtar. O Cristianismo não tinha deusas. A pressão era enorme.

12. Pois bem, em Nicéia e nos dois Concílios posteriores, Jesus, que nascera de Maria, foi considerado Deus. Ora, o raciocínio que se fez, sob a pressão gigantesca das populações, que apelavam para uma deusa, era: se Maria pariu Jesus como homem, então ela é humana, mas, se Jesus era Deus, então Maria pariu um Deus, pariu Deus, logo, ela é Mãe de Deus.

13. Não foi de um dia para o outro, mas em 431, no Concílio de Éfeso, Maria foi declarada pela Igreja como Theotokos, Mãe de Deus.

14. Preste-se atenção num detalhe: não foi a Igreja católica. A Igreja católica só passou a existir no século XVI, como reação a Lutero. Até o século XVI, só se pode falar da Igreja cristã. No século XVI, Lutero inventa moda de fazer a Reforma e separa-se da Igreja, alegando ser ele representante legítimo da "verdade" do NT. A Igreja, todavia, diante da insistência dos reformadores, convoca o Concílio de Trento e ratifica suas posições históricas. E esse braço histórico do Cristianismo se ratifica como Igreja Católica Apostólica Romana.

15. Assim, a Igreja cristã usa imagens e venera Maria há 1.600 anos. Há 500, uma parcela, os protestantes e seus herdeiros, os evangélicos, deixou de usar imagens e de venerar Maria.

16. Eu entendo que crentes "zelosos" se sintam pressionados à aplicação direta de textos antigos, do AT. De fato, a Lei, a Torá, diz que não se pode usar imagens. Também manda matar o filho desobediente. Eu entenderia alguém que, se dizendo fiel observador da Lei, se recusasse a usar imagens ou considerasse que quem as usa esteja errado, mas essa pessoa deveria cumprir, então, toda a Lei - inclusive a de matar o filho desobediente. 

17. A prática de usar a Bíblia como "prova" de coisas certas ou erradas é constrangedora, porque a mesma pessoa que usa a Bíblia contra os outros, não a usa contra si. Assim, trata-se apenas de compreender a História da Igreja. Se você é católico e gosta da veneração dos santos e do uso das imagens, fique com sua consciência tranquila. Se você é evangélico e concorda com Lutero, que se não deve usá-las, não as use, e fique com sua consciência tranquila. Mas deixe de lado essa mania de usar a Bíblia contra os outros... Porque a mesma Bíblia que você usa contra os outros, se volta contra você com a força da acusação de uma série de ordens que ela contém e que, com razão, você não cumpre. Mas, se você se dá o direito de não cumprir tudo o que a Bíblia diz, por que acha que tem o direito de exigir de outros cumprirem o que você acha correto?

18. O homem não foi feito para a Bíblia.

19. É a Bíblia que foi feita para o homem.

20. Ame as pessoas e terá cumprido a Lei.

21. O resto é pecado - até em nome de Deus.





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

sábado, 24 de novembro de 2012

(2012/812) Hiperbólico, exagerado e radical - porque eu escrevo para porcos


1. "_ Osvaldo, seus textos são muito radicais!".

2. "_ Alguns, sim, e sobre determinados assuntos. Todos, não".

3. "_ E são exagerados, carregados de retórica...".

4. "Sim, e hiperboles também. Já viu o costume que tenho de usar o "todo(s)" ou o "toda(s) - é a hipérbole da aplicação do caso. Então, faço a ressalva: 'há exceções'. É meu jeito".

5. "_ Você podia ser menos radical, menos exagerado e menos hiperbólico".

6. "_ Sério? E escrever para a Contigo?".

7. "O jeito que você escreve e diz as coisas choca".

8. "_ Meu amigo - se o que eu possa escrever não te atrai o suficiente para compreender as doses de radicalidade, exagero e retórica que uso, por estilo e alma, e se você não está disposto a pagar ao menos o preço de fazer as diminuições que lhe parecem adequadas, vá ler outra pessoa - há muita gente escrevendo. Agora, se acha que há algo no que eu escrevo que você não vai achar em qualquer canto, faça-se porco, enfie o focinho na terra e colha suas trufas".








OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/811) Ler é igual a ouvir - ou, então, é repetir-se para si mesmo

1. O sujeito não confessa - publicamente! - que leia o livro tentando entender o que o autor quis dizer. Está fora da moda!... Mas ele lê. Deve ser algum fenômeno psicológico que eu não compreendo - lidar com códigos grafados em celulose que, por magia, ganham sentido "por si mesmos"...

2. (naturalmente que me parece impossível que qualquer signo funcione "em si" e "por si mesmo". Impossível. Será sempre uma mente humana a lhe dar sentido e, se combinam entre si que A é A, então a comunicação se faz possível - fora isso, esquece)

3. Eu leio um livro apenas e tão somente para saber o que o autor está dizendo - se estou estudando.

4. Se é literatura, diversão, aí é outra história. Mas, na pesquisa, cá entre nós, melhor falar com defuntos do que com papel.

5. Alguém me criticará com a velocidade do falcão peregrino: mas você só tem o papel!

6. Sim, e daí? Assim como eu só tenho o som da fala de meu interlocutor, quando converso com ele, ajudado, é claro, por duas variáveis a mais: a expressão facial e a interlocução direta - foi isso que você quis dizer?

7. No caso do defunto ou do ausente com quem eu falo, eu só tenho os signos que ele registrou - de modo que meu rigor tem que ser severo, eu tenho que ser neurótico no rigor, porque só tenho as palavras escritas para ouvir o que ele/ela disse...

8. Pago o preço.

9. Não vou fugir dessa armadilha só porque parece chique fugir dela.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/810) "Ensina o menino (e a menina) no caminho em que deve andar"...


 1. Se as religiões, inclusive a cristã, não ensinarem tolerância e acolhimento, o mundo vai ficar mais perigoso - porque se há uma coisa que cristãos e muçulmanos levam ao pé da letra é Pr 22,6. E como são bons alunos, cristãos e muçulmanos...










OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(2012/809) Uma resposta a Cleinton Gael

1. Em resposta a meu post (2012/804) Quando a espiritualidade traduz uma falta insuportável, Cleinton deixou um "recado". Ei-lo:

Se Sartre dizia que "o inferno é o outro", você diz que "o outro é o céu". O ser humano, como sabemos, é um ser gregário; precisa dos outros. Todavia, sua fala parece expressar a necessidade de "apenas UM outro", o que pode fazer preterir a vida em comunidades de fé e auxílio. Talvez o grande problema humano seja o medo. Se minha tese estiver correta, é melhor ter mais do que "apenas um", pois, sendo apenas um, se se perde este único, a vida perde o sentido muito rapidamente e o suicídio acaba por ser forte alternativa. Deste modo, a vida comunitária religiosa, assim como a secular, pois várias pessoas buscam redutos comunitários que as livrem da anomia, é mais do que uma carência de quem não tem "o um" ou "a uma". Assim, entendo como o verdadeiro sentido da vida, a questão do outro. Por medo de ter o suicídio como possibilidade, busco ter mais do que o outro, expresso em "uma", abrindo-me para os outros, que, cristicamente compartilham comigo a máxima de doar-me a eles, como consigo doar-me a mim mesmo.
2. Provocador e inteligente. 


3. O que considero oportuno do "recado" - a advertência ao solipsismo de dois, à reclusão no núcleo familiar, como risco de desintegração dos laços sociais. Uma excelente advertência. Mas apenas isso: advertência ao risco, porque, a rigor, nem o reclusão ao núcleo familiar significa rompimento com os laços sociais de solidariedade e justiça nem foi, nem de longe, isso que insinuei. Aliás, se alguém se der ao trabalho de ler o conjunto de meus escritos, verá a pendular oscilação entre textos de solidariedade e justiça e texto de reclusão ao núcleo familiar - fechamento e abertura.

4. Quanto à frase: "é melhor ter mais do que 'apenas um'"... Bem, ela rasga os limites dentro dos quais eu escrevi. E acho que rasga esse limite em duas frentes.

5. Uma das duas frentes rasgadas é a intimidade conjugal. Todo o texto foi escrito nesse âmbito. Eu sei que alguém pode ter um amigo ou uma amiga que sejam mais amigo e mais amiga que a companheira ou o companheiro. Eu acho que, aí, as coisas não se casaram bem casadas. No meu caso, não tenho amigo ou amiga que chegue perto de minha esposa, Bel, não tenho confidentes que não seja ela. não há nenhum outro ser humano que rivalize com ela - e isso não é blá, blá, blá. Logo, não vejo como haver "mais um" nessa história.

6. Segunda frente rasgada: o tipo de sentido que uma relação dá à vida não é o mesmo tipo de sentido que qualquer relação dá. A vida tem uma variedade de sentidos, em função das relações que temos: cônjuge, amigos, concidadãos, clientes, alunos, amigos de trabalho, chefes, adversários... Nenhuma relação dessas promove o mesmo tipo de sentido para a vida. Não é a mesma coisa eu perder um amigo ou um chefe de trabalho e eu perder um parente ou um cônjuge. Assim, a ampliação das relações sociais, necessárias, não substitui nem livela o tipo de sentido que a vida ganha com a relação conjugal.

7. Eu não estou dizendo que a relação nuclear familiar ocidental seja modelar, divina ou única.Eu só argumentei que a neurose, a depressão, a demência coletiva do mundo religioso - acho que você concordará comigo, se eu amenizar os termos - deriva de uma situação existencial humana: pressão da mídia, super-exposição de sucesso, de exigências, de "horizontes", e uma cada vez mais solitária expressão de vida - as pessoas estão sozinhas na multidão... E, então, derramam-se nos cultos.

8. O outro não é o céu. Bel não é o céu. Bel, eu diria, constitui um fenômeno histórico complexo. De um lado, o impulso bio-psicológico da procriação me impele a ela. Nisso, sou meu antepassado - e aqui fala meu cérebro reptiliano. De outro lado, o imprinting social - depois de séculos de ensaios, inventamos uma sociedade monogâmica (oficialmente), de modo que eu, um primata mecânica e biologicamente poligâmico, tenho de me fazer, culturalmente, monogâmico. De outro lado, a desintegração do sentido metafísico da religião e da doutrina e o completo esvaziamento do sentido que os dogmas (me) davam - de sorte que transfiro essa elaboração de sentido para a minha relação-maior, que é com Bel.

9. Acho isso bastante simples, a despeito de sua complexidade histórico-cultural.

10. Quero que todos de minha rua, de meu bairro, de minha cidade, de meu Estado, de me país, de meu continente e de meu planeta sejam felizes, tenham tudo de bom - mas apenas uma saberá e sabe todos os meus segredos - TODOS. Bel. 

11. Quem não tem uma Bel, tem que "usar" Deus...

12. É compreensível.

13. Mas triste.







OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio