sábado, 2 de julho de 2011

(2011/410) O que há de "cristianismo", afinal, no Ocidente moderno?



1. Outro dia, tratamos, Jimmy e eu, sobre esse caso - indiretamente. Se eu não for fiel ao que Jimmy me disse, ele há de corrigir-me... Jimmy dizia que os valores cristãos permeiam a cultura moderna: que o fundamento da ética ocidental é cristão. Vattimo já o dissera: Ocidente é Cristianismo "secularizado"...

2. Será? Ou, no mínimo: em que sentido?, sob quais limites?

3. Obviamente, há uma relação entre Ocidente e Cristianismo - por exemplo, um princípio de universalização. Todavia, no que diz respeito às qualidades dessa "universalização", há "fundamentos" bem diferentes, bem como diferentes juízos de valor quanto a esse "princípio de universalização"...

4. O Cristianismo nasce como pathos universal? Sim e não - se falarmos da geração paulina, talvez sim: ganhar a todos, gregos e judeus. Aí, desfaz-se a fronteira étnica da religião, o "messias" se universaliza, e se tornará, mais tarde, o "Cristo cósmico"... Esse é um efeito de universalização que, podemos assumir, é inerentemente cristão.

5. Todavia, tem isso a ver, antes, com o advento dos impérios históricos, e da necessidade de se racionalizar a religião dentro desse mundo de mundos. O Cristianismo tem esse pathos dada a configuração cultural "imperial" da época. Seja como for, tem, e, desde aí, origina-se, também, o pathos universal ocidental.

6. Mas vamos aos valores aí contidos e aí administrados. Amor, por exemplo. Sim, para todos, amor, mas o "inferno" está à espreita de quem não souber ser "amado". Quem não ouvir a minha voz, quem pregar outro evangélico - anátema! Anteriormente, o critério era étnico, agora, ideológico: ou se está dentro, ou se está fora. Mas o dentro rompeu com o limite das fronteiras - não há mais grego nem judeu. Para o cristão, que absurdo o critério "étnico": a salvação é para todos! E, para o mesmo cristão, que absurdo que eles não aceitem o "amor de Deus"!...

7. Mas o critério permanece: lá, "ser judeu", cá, "quem crer". Tem que aderir. Para entrar, tem de fazer o jogo. Não, não "são" todos e qualquer um. Sim, "todos e qualquer um" podem "vir a ser", podem entrar. Mas "não são", "não estão dentro" - podem é vir a ser e podem é entrar. Basta que venham para o lado de cá, que confessem o Cristo. Mas aqueles cujos joelhos não se dobrarem, bem, esses permanecerão onde estão - no não-ser e no estar-fora, e, literalmente, serão jogados fora., no lixo da eternidade...

8. É um universalismo de conquista - de recolher os seus. Isso, filosoficamente. Em termos históricos, ainda é pior: os valores dificilmente se universalizaram. Já eram "distintivos" na fonte - na foz, então, tornaram-se ainda mais discriminatórios. Nós contra eles, cristãos contra o mundo, e o "mundo" aí eram todos e qualquer um que não se fizesse cristão.

9. Mulher, não. Escravos, não. Não-cristãos, não. Claro, senhores, claro, que dentro do Cristianismo houve vozes que diriam "mulher, sim", "escravos, sim", "não-cristãos, sim", mas, cá entre nós, não eram essas as vozes representativas: eram a "profecia", digamos assim, aquelas vozes para as quais sempre há um Amazias a requerer que se afastem da capela real... Na prática, o Cristianismo tornou-se Roma, o Império, e suas fronteiras, o limite do ser...

10. O que o "Ocidente" vai fazer é levar a sério demais aquele impulso de universalização - sem restrições teóricas. Todos os homens, todas as mulheres - todos, absolutamente todos - são e estão dentro. Não há - agora, sim! - grego nem judeu, nem mulher nem homem: todos são iguais. E o são não pelo fato de serem cristãos, mulher, homem, escravo - mas pelo fato de serem seres humanos.

11. Não., isso não está no Cristianismo, não. Sim, o conceito de "criação" está lá: todos os homens são "criaturas de Deus", mas 2/3 serão lançados no inferno, criação ou não. O Ocidente não conhece isso. Aliás, conhece, mas nega. Nem cristão nem inferno: todos os homens e todas as mulheres, quaisquer, são e estão. Por isso "Deus" está fora do jogo - porque "Deus" não é suficientemente universal, "Deus" mantém aceso o fogo de Cérbero... No Ocidente, não. Claro - no Ocidente pensado enquanto utopia...

12. O Cristianismo não fez isso. Isso saiu de dentro do Cristianismo, mas, até o "bom" Lutero defendia a distinção - necessária e divina, dizia ele -entre nobres e "povo", com o que teria justificado a reação da nobreza contra os camponeses que, vejam vocês, queriam "igualdade". E o queriam por quê? Porque tinham ouvido as pregações "protestantes" e, tolos, coitados, acreditaram que era sério aquilo, que era pra valer... Mas não era: era o novo velho jogo de sempre... Onde se ouve "amor", entenda-se: fique tudo como está! É assim que Deus gosta das coisas - Deus odeia revolucionários!

13. Sim, o fato, todavia, de, primeiro o Cristianismo e, depois, o Protestantismo ter dito certas coisas propiciou que essas coisas ditas fossem levadas para além de sua intenção histórica. Com efeito, foi contra a intenção cristã, até, que o Ocidente se fez, tendo havido necessidade de "revolução" contra os nobres e o clero. Onde há "Igreja" e "Nobreza" - em sentido pré-moderno -, aí não há Ocidente...

14. E, todavia, o Ocidente sai de dentro do Cristianismo. Mas sai, levando-o a conseqüências que ele mesmo, Cristianismo, não imaginava ou queria, porque, a depender dos "cristãos", por exemplo, Onésimo volta para seu dono, que, todavia, deve "tratá-lo" com todo "respeito", ele, seu escravo...

15. O século XIX nobre e reacionário tem razão em apontar o Cristianismo como "causa" das revoluções. Mas isso, apenas, pela razão histórica de que as revoluções inglesas do século XVI e europeias do XVIII justificavam-se por meio de referências bíblicas - como a Teologia da Libertação latino-americana. Mas eram citações meramente retóricas. A depender dos "cristãos", de fato, e, enquanto cristãos, de fato, nunca, nunca teriam ido além da justificação do status quo.

16. Já o Ocidente é revolucionário. Ainda não nasceu, de todo, - e por uma razão: ainda tem muito de "cristãos" dentro dele. É preciso levar um pouco mais contra o próprio "Cristianismo" os valores que o "Cristianismo" inventou para os seus - mas só para os muito seus...






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

17 comentários:

Francisco Neto disse...

Cara, estou sempre lemdo e tentando entender suas letras... Particularmente ainda vejo o cristianismo entre nós como uma parte inteira muito boa. Claro, entre os doze há de haver sempre um ou mais de um Judas. Entre acertos e mil e um defeitos ainda vejo uma contibuição nobre, talvez uma sombra de Jesus Cristo entre nós...

Att.,
Ptofº Francisco Netto

Peroratio disse...

Olá, Francisco. Onde o cristianismo permanece fiel a si mesmo, em sua lógica interna, ele é insuficientemente ético e universal: não há sequer perdão nele! Há "pagamento" de dívidas (mas - para qual dívida?)... Mas foi desse "cristianismo" real e concreto que, aos trancos e barrancos, os valores universais "modernos" emergiram - a um só tempo, movimento do e contra o próprio cristianismo

Anônimo disse...

Não há perdão no Cristianismo? Cristo na Cruz foi o quê?

O Cristianismo é a Cruz de Cristo, perdão gratuito para todo aquele que crê.

Esqueceu disso, Oswaldo?

As muitas letras te fazem delirar... rs

Anônimo disse...

Deus pagou a dívida, cobrou de si mesmo! Isso é básico na Teologia Cristã.

Você está lendo tanto Marxismo e tanta Filosofia que esqueceu do bê-a-bá.

Jesus Cristo pagou o preço da Justiça de Deus Pai.

Simples assim. E essa justiça é imputada ao que crê.

Até uma criança entende.

Peroratio disse...

Perdão? Tem certeza, "Galante"? Em termos teológicos, vá lá, "você" não pagou a "dívida" - e, então, vá lá, "você" até acha que - de fato - houve "perdão". Mas pare um pouco: Deus perdoou ou... cobrou nas costas de outro? Não, não há perdão - Deus cobrou direitinho o que queria cobrar, quer dizer, para nos mantermos nos limites da teologia clássica. Não foi por outra razão que, ao lado do Amor, da Epístola de João, teólogos cristãos imediatamente trataram de acrescentar: e Justiça! Mas, meu caro - onde há Justiça, não há Perdão...

Peroratio disse...

Então está bom...

Anônimo disse...

Às vezes tenho dúvida se você foi realmente "evangélico".

Leia a Carta de Paulo aos Romanos mais umas 10 vezes, please.

Justificação pela Fé!

E pra completar, olha o folhetinho evangelístico que eu fiz, tem boa teologia aqui, coerente e consistente:

http://pt.scribd.com/doc/44778362/TULIP-As-Doutrinas-da-Graca-5-pontos-do-Calvinismo

Anônimo disse...

Oswaldo, mais um pouco de Teologia Cristã, pra você refrescar a memória. Quero saber se você sabe quem preparou esse quadro:

http://pt.scribd.com/doc/44864787/Ordus-Salutis-A-Ordem-da-Salvacao-nas-Diferentes-Tradicoes-Cristas

Peroratio disse...

Galante, meu amigo, discordar de mim, tudo bem; discordar de minhas leituras e escritas, perfeito. "Pregar" para mim, mais respeito! Menos presunção, Galante. Menos presunção. Devia, no mínimo, levar em conta a estrada longa que já percorri. Mas tem todo o direito de discordar, está bem? Agora, folhetinho evangelístico e fundamentalismo não dá... Fiquemos só nas idéias, está bem? Um abraço.

PS. no Seminário, aprendíamos a fazer desses folhetinhos...

Anônimo disse...

Oswaldo, você me acusando de presunção? rs

Você destila presunção nos seus textos.

Desculpe se o ofendi, sei que você tem um conhecimento muito maior que o meu em muitas áreas e o respeito por isso, tanto é que estou sempre aqui de olho em você.

Mas, às vezes seus equívocos são gritantes, absurdos até!

Um abraço

Peroratio disse...

"Presunção" de portar os caminhos de Deus nas mãos. Os meus, que, a seus olhos, são "presunção", são sempre humanos, carregados de minha incompletude e humanidade, propostas, projetos, alternativas, hipóteses, erros, sonhos. Só. Pode discordar à vontade - mas não traga Deus à cena, está bem? Folhetos, não!

Anônimo disse...

Como assim não trazer Deus à cena? O que você tem contra Deus? Que "teólogo" é esse que não suporta Deus? rs

"pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos,"

Peroratio disse...

Galante, Galante, pronuncie-se em seu nome, a partir de suas convicções, enquanto convicções de um homem. Nisso reside o portar-se publicamente, republicanamente. Deixemos para os templos que se fale, lá, em nome dos deuses. Aqui, falamos em nome de nossas hipóteses de trabalho, de nossos conceitos. Essa espécie de teólogo aqui é daquelas que consideram que quem acha que sabe de Deus, não sabe nem de si, porque, para todos os fins, no que diz respeito ao que de Deus dizemos, trata-se, sempre, disso: do que a gente diz de Deus, mesmo quando é a gente a dizer de Deus que Deus disse isso ou aquilo...

E está bom por hoje, não?

Victor Santos disse...

Realmente, hoje alguns "cristianismos" deixaram para traz muitas coisas que eram seus (igualdade, liberdade, amor...), coisas que o "Ocidente" pode ter levado mais a sério, mas ainda é estranho entender o "Ocidentalismo" como a proposta mais completa, ele não é tão bonzinho assim.

Meu conhecimento é mísero perto do de vocês, mas tento pelo menos entender TODAS as leituras sem meter meu dedo na liberdade de pensamento, até porque nem posso. Espero ter contribuido.

Anônimo disse...

Prezado Oswaldo, desculpe se eu acredito na Revelação Especial de Deus, a Escritura.

Peroratio disse...

Sim , Vítor, o Ocidente não é nada bonzinho - nada. Não nos enganemos. Veja que lá falei de "Ocidente" enquanto "utopia", dos seus valores, mas também disse que muito dos "cristãos" ainda tinha que sair daí, não disse? Essa fome Ocidental, que é, senão aquela fome de "Deus"? Não, não a fome de querer Deus, mas fome que "Deus" tem, esse cristão, de engolir tudo, devorar tudo, "amar" tudo - como tem amado, ultimamente, o Iraque, a Líbia... Ciro foi um antigo messias de Yahweh: nesses dias, que são os nosso, Bush, pai e filho, e Obama...

Peroratio disse...

Tá perdoado, Galante...

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