terça-feira, 8 de março de 2011

(2011/147) Dignidade humana - uma construção


1. Mulheres, negros e homoafetivos. Pensemos sobre isso.

2. Na tradição ocidental, seja via Jerusalém, seja via Atenas, a mulher herdou uma construção sócio-cultural de gênero que a pôs aos pés - para uso e desuso - do macho, patriarca e senhor. Com respaldo bíblico, inclusive: "teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará".

3. Cá entre nós - não vai aí muita distância entre nós, machos, patriarcas e senhores, e os primatas superiores - bons macacos, eu diria, nos saímos: a fêmea, põe-se "embaixo", e usa-se para a cópula - eis aí a funcionalidade natural da fêmea: cópula e parto. No nosso caso, inventamos ainda seu uso de mesa e fogão - e eis a triádica fundamentação da mulher: objeto de cama, mesa e fogão. É bem "natural" a construção. Social, eu sei, mas saiu lá da natureza essa posição da mulher - machos em cima, mulheres, embaixo. Se de pé - à beira do fogão!

4. Se elas não nos arrancam esse direito, nós não lhas damos, porque dar direito, é perder direito. Não é natural a coisa: é social. É construção. A idéia de que a mulher é igual ao homem deve ser criada por elas - e por nós - e democratizada, ensinada, tornada valor - e sempre vigiada. Foi o caso de uma delas um dia meter-se a fazer a pergunta - e a fé detesta perguntas! - revolucionária: o que ele tem que eu não tenho? Pronto: surgiu aí a construção da idéia de igualdade entre homens e mulheres...

5. Talvez estejamos um pouco ludibriados. Talvez a construção do valor da mulher, da igualdade, não seja, afinal, uma criação do espírito nobre da sociedade contemporânea, e seja tão somente um construto capitalista, preparando-a para o trabalho de mais-valia, a preços menores - faço-me entender? Feministas e capitalistas do mesmo lado da corda!

6. Fiquemos, todavia, com essa proposição teórica: a idéia de dignidade é uma construção. Abaixo dela, a vontade de poder, de submissão, a violência potencial.

7. Vejamos o caso dos negros: fácil foi unir a vontade do capital, da violência civilizatória, da religião - conluio cultural contra os negros, uma civilização inteira formatando discursos para, de dia, arrancar-lhe as carnes ao chicote, e de noite, dormir tranquilo - depois da "visita" à mulata...

8. Estou convencido, e tenho argumentos, de que houve igual conluio entre a cultura de homens e a religião, na antiga Judá, para opressão da mulher. Penso que a moeda de troca que o Templo usou para servir-se do trabalho do camponês foi dar a ele, em posse de domínio, o corpo-objeto da mulher - "e ele te dominará". O Templo pisa na cabeça do macho camponês, e este pisa na cabeça da mulher...

9. Com o negro foi a mesma coisa: conluio civilizatório - e, nesse caso, quantas matronas de Casa Grande não entraram na jogada?

10. Foi preciso construir o discurso do valor e da dignidade do negro. Castro Alves que o diga! Há uma interminável discussão sobre a abolição da escravatura, se ela foi algo próprio da conscientização de direitos, ou instrumento capitalista do liberalismo industrial que emergia desde a Inglaterra... Seja como for: construção cultural. No Brasil, os valores não aportaram ainda nos corpos pretos, e a negritude reduz-se a mulatas sambando na TV - o corpo é tudo que têm... (quero dizer, é a única coisa valorizada na cultura - suas carnes).

11. E, agora, mal resolvidas as outras duas questões, estamos no olho do furacão homoafetivo. Não vou discursar aqui sobre isso. Basta perceber a tônica do meu discurso, aqui: dignidade é construção social, é produto dialogal, cultural, é imaginário operacional. Ou se constrói e se difunde, ou ele não brota. Porque a natureza é força e violência, e, se deixarmos as coisas transcorrerem por si mesmas, sempre daremos no mar...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS. para um contraditório em relação à minha "tese" da possibilidade de o trabalho da mulher, nos séculos XIX e XX, ter origem na apropriação da sua mão-de-obra pelo capitalismo industrial, cf. recorrer-se à tese antagônica de Marx e Engels, que via justamente na possibilidade do trabalho - não doméstico! - da mulher a sua única forma de emancipação. Para uma aprocimação, cf. Engels e as origens da opressão da mulher.

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