quinta-feira, 22 de outubro de 2009

(2009/555) Da tentação do divino


1. Mais do que a tentação do sexo. Mais do que a tentação do dinheiro. Há que se temer a tentação do divino. Mais do que a tentação do vinho. Mais do que a tentação do luxo. Há que se temer o brilho dos olhos do divino. Perigoso é o homem tentado pelo divino. Perigoso é o homem em que a sensação do divino tocou.

2. Ah, ele olha para a sua platéia, as hostes da adoração à sua divindade, e sente prazer. É aí, nesse ponto, que a pastoral torna-se demoníaca. Não tem mais ovelhas a cuidar, mas hostes de anjos que lhe adorem, que lhe obedeçam. Não é mais servo. Nunca mais o será. Nem de Deus, o maior de seus anjos-adoradores...

3. Pobres de nós, ovelhas... as safras que Deus nos vai dando são por demais tentadas para contarmos com elas.

4. Espremos as colheitas de amanhã. As de hoje, o bicho roeu por dentro.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS. Salvador Dali - A Tentação de Santo Antonio.

6 comentários:

Thiago Barbosa disse...

Concordo, a esperança está na lavoura que ainda virá. O lamento fica na constatação de que as anomalias desta safra, aquela safra que virá, não são apenas fisionomicas ou fisiológicas, mas estão entranhadas no genoma, fazem parte do contexto que se apresenta, dá forma e formata a lavoura. Neste caso, confirmando a falha no âmago do processo, a lavoura será novamente falha e ressequida.

Resta que emanem da ciência as verificações necessárias para corrigir-se o problema, tal qual com Dolly - na correção pelo genoma e na formação esperançosa de um novo organismo utopicamente "correto" - devemos buscar a saída para para ostracismo egocêntrico da atualidade. Ainda resta esperança. Decodificarmos o locus falho e anômalo, denunciar, manifestar desejo de conserto, e por fim, buscar o antídoto, o reparo, a cura.

A teologia seriamente refletida aponta vorazmente o locus anômalo, será nossa decisão buscar a cura - pagando o alto preço da busca séria e solitária? - ou simplesmente deixaremos de lado, afinal somos nós também doentes?

Nossa posição será a de fácil obtenção ou a de difícil e espinhoso acesso?

Apesar de tudo, ainda nos resta da teimosia intermitente dos esperançosos.

Peroratio disse...

Ser teimoso. E muito. E, no final, fazer como o Jó de Jack Miles: "te conhecia de ouvir, mas agora que meus olhos te viram, tenho pena do barro mortal". Esse brado de Jó fala bem do Deus que anima a alma da safra contemporânea. E, tendo sido também a das passadas, talvez a utopia pela safra futura seja esperança inútil...

Ser teimoso pela teimosia...

Felipe Fanuel disse...

Toda idolatria deve ser combatida. O problema é que está entre as nossas mais primitivas práticas o ato de erigir ídolos. Se não o fazemos com símbolos sagrados, com certeza o faremos de outro modo, com símbolos seculares. Ninguém é tão iconoclasta assim.

A não-idolatria é possível apenas por meio da crítica. E isso é uma das coisas mais difíceis. Seguir à risca a religião protestante é quase impossível.

O que você escreveu aqui vale como alerta para qualquer um de nós que tenha pelo menos um quê religioso. Não custa nada ter disposição para tacar pedra nos ídolos que habitam os nosso mais recônditos altares.

Peroratio disse...

Sim, Felipe... Não vejo mal em que haja ídolos. Nesse quesito, não sou iconoclasta. Sou iconoclasta dos ídolos famintos, dos ogros insensíveis, dos deuses ciumentos de si e de sua suposta única prerrogativa...

Meu andor comportará ídolos? É provável. De cabeça, eu diria uma: a Deusa Crítica... Mas a Torah dessa Deusa diz, em seu primeiro e único capítulo: criticai tudo, a começar de mim - porque, como diz certo budismo: se encontrares Buda, mata-o...

Há ídolos bons, Felipe - aqueles que se sabem como tais. E, saber-se a coisa como coisa, faz dela um ídolos sem força de morte.

Os homens criadores sabem que fabricam ídolos. Os homens criaturas acham que são criados por eles...

Mas sempre é possível estarmos errados. Seja como for, para citar seu (me parece) teólogo preferido - toda fé que trata seus símbolos literalmente, é idolatria...

Osvaldo.

Debbie Seravat disse...

Olá!
Permita-me postar "a tentação" no meu blog? Amei o texto.

Peroratio disse...

"É seu", Borboleta azul...

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