quarta-feira, 28 de outubro de 2009

(2009/556) Do prurido evangelístico


1. Recebo um "spam" agora há pouco. Curioso - no final do "spam", o missivista insistia: "isto não é um spam". Pronto, não é um spam. No tribunal, o juiz pergunta ao acusado: como se julga? Inocente, senhor! Pronto, inocente...

2. O spam me convidada ao Evangelho e à fé. Não li tudo. Parei assim que tomei pé da coisa. Um dia, cedo, domingo, bateram-me à porta. Eram testemunhas de Jeová. Enquanto me dirigia a eles, educadamente, por dentro, mandava-os aos quintos dos infernos, por me encherem a paciência tão cedo já... E, não tardou, minha consciência me fuzilou - ué!?, mas e quando é você a bater de porta em porta (sim, já fiz isso muito)? Isso mudou minha prática.

3. O spam, poranto, era um "folheto" digital. Num primeiro momento, fiquei aborrecido. Mas, então, lembrei de 1988. Trabalhava na Dardo Transportadora. Eram os dias dos primeiros amores evangelísticos. Eu passava o dia datilografando conhecimentos de frete. Centenas por dia. Eu comia os teclados, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá. Oito vias. Você praticamente martelava cada tecla... Não, não havia PC, ainda...

4. Lembro-me bem: no canto superior de cada conhecimento de frete, eu escrevia mensagens evangelísticas. Fiz isso durante semandas. Um dia, meu chefe proibiu-me. Achava eu fazer a vontade de Deus, e não é difícil imaginar que interpretei a proibição como uma "prova". Insisti. Uma enfermidade me tirou do emprego, e não sei como a coisa terminaria...

5. Recordo-me que eu "tinha" que fazer aquilo. Tinha que escrever. Era uma pulsão, uma compulsão. Se podes, e não fazes, pecas. Eu podia (bem, na verdade, não), e fazia e fiz. Era uma questão psicológica. A verdade e o mundo como eu os cria me obrigavam a fazer aquilo. Não havia como não fazer, pelo menos para quem decidisse, como eu decidira, a viver seriamente a fé. Ora, a fé mandava eu fazer. Eu fazia. Não seria eu a questionar os imperativos da fé.

6. Assim, tenho de, com uma válvula cardíaca, compreender o spam. Pulsão. Com outra, criticá-lo, como fiz com minha própria experiência, superada, eu acredito, por força de maturidade. Meus conhecimentos de frete andam por aí, em algum arquivo morto. O spam, deletei.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO


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