1. Estou folheando, para ler com mais calma, Poder e Secularização - as categorias do tempo, de Giacomo Marramao (UNESP). Aprendi há anos, com Mortmer Adler, a, primeiro, folhear um livro, de cá para lá, atrás de uma primeira leitura inspecional. Não será um a leitura fluente... Não estou diante de um Manuel Garcia Morente.
2. Mas isso é irrelevante. O que me faz pousar o livro sobre a mesa e registrar pensamentos que me passam, coriscando a mente, é esse pequeno trecho, que extraio da seção "a crítica do progresso em Nietzsche" (310-312): "ou seja, o progresso é criticado (por Nietzsche) não porque seja irreal ou ilusório, mas - ao contrário - porque é terrivelmente verdadeiro e opera efetivamente: o devir, o desenvolvimento, o mundano secularizar-se dos valores originalmente contidos na ideia de progresso são reais, efetivos - porém a ponto de restabelecer um gigantesco e hipertrófico coágulo patológico, uma opressora patologia do viver" (p. 311).
3. Hum?
4. Penso que um filósofo que seja crítico da modernidade passaria alegre e faceiro por essas linhas, encontrando o que deseja ouvir: a modernidade, o progresso, é isso, essa patologia do viver...
5; Quem leu Losurdo há de menear a cabeça. As 1.200 páginas de Nieztsche, o rebelde aristocrata revelam, e, a meu ver, de forma dificilmente contestável, que o problema de Nietzsche com o progresso e a modernidade se devia ao fato de que o movimento moderno promovia a "democratização" das relações, a emancipação das massas, a desnobrelização da sociedade. Se há uma patologia aí é o fim da sociedade constituída pelos nobres e pela chandala - forma como Nietzsche se referia à população de modo geral. O problema de Nietzsche com a modernidade é aquele trístico revolucionário: liberdade, igualdade, fraternidade.
6. É a mesma razão pela qual Kierkegaard não queria que se lessem jornais: jornais são para os nobres, para os grandes homens, não para o povo! E Nieztsche dizia: como assim, o povo deseja a felicidade? O povo não tem que desejar a felicidade - tem que cumprir seu papel de estrada para a roda da genialidade e da fortuna - os grandes homens...
7. A patologia que Nietzsche vê na modernidade é essa: seu mundo desaba, um mundo higiênico, em que o "proletariado" mantém-se afastado, nas senzalas sociais - como aliás soube fazer aquele nobre povo, o norte-americano, ele gostava de frisar...
8. Sim, eu sei: muitos receptores de Nietzsche não podem se dar à sinceridade de o afirmar, então, aplicam um pouco de mel à crítica de Nietzsche, generalizando-a: a modernidade é um mal...
9. Hipocrisia...
10. Não é um céu, não se resolveram os problemas - mas para quem não é nobre, não é rei, não é senhor feudal, não é rico, a vida, hoje, é muito melhor do que era nos séculos XVII, XVIII, XIX. Pode-se até pensar em ser feliz...
11. Deve mesmo ser patológico, para a elite e a nobreza, em estrito ou lato sensu, que pobres, que instrumentos de trabalho com pernas, passem a achar que têm algum lugar na sociedade dos homens além do torno...
12. Aliás, eu não acho que o ódio visceral contra Lula, no Brasil, por parte da elite, se deva a alguma outra razão muito distante dessa - pobre, nordestino, "analfabeto" - isso lá é gente para assentar-se ao trono dessa pátria?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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