sábado, 24 de novembro de 2012

(2012/809) Uma resposta a Cleinton Gael

1. Em resposta a meu post (2012/804) Quando a espiritualidade traduz uma falta insuportável, Cleinton deixou um "recado". Ei-lo:

Se Sartre dizia que "o inferno é o outro", você diz que "o outro é o céu". O ser humano, como sabemos, é um ser gregário; precisa dos outros. Todavia, sua fala parece expressar a necessidade de "apenas UM outro", o que pode fazer preterir a vida em comunidades de fé e auxílio. Talvez o grande problema humano seja o medo. Se minha tese estiver correta, é melhor ter mais do que "apenas um", pois, sendo apenas um, se se perde este único, a vida perde o sentido muito rapidamente e o suicídio acaba por ser forte alternativa. Deste modo, a vida comunitária religiosa, assim como a secular, pois várias pessoas buscam redutos comunitários que as livrem da anomia, é mais do que uma carência de quem não tem "o um" ou "a uma". Assim, entendo como o verdadeiro sentido da vida, a questão do outro. Por medo de ter o suicídio como possibilidade, busco ter mais do que o outro, expresso em "uma", abrindo-me para os outros, que, cristicamente compartilham comigo a máxima de doar-me a eles, como consigo doar-me a mim mesmo.
2. Provocador e inteligente. 


3. O que considero oportuno do "recado" - a advertência ao solipsismo de dois, à reclusão no núcleo familiar, como risco de desintegração dos laços sociais. Uma excelente advertência. Mas apenas isso: advertência ao risco, porque, a rigor, nem o reclusão ao núcleo familiar significa rompimento com os laços sociais de solidariedade e justiça nem foi, nem de longe, isso que insinuei. Aliás, se alguém se der ao trabalho de ler o conjunto de meus escritos, verá a pendular oscilação entre textos de solidariedade e justiça e texto de reclusão ao núcleo familiar - fechamento e abertura.

4. Quanto à frase: "é melhor ter mais do que 'apenas um'"... Bem, ela rasga os limites dentro dos quais eu escrevi. E acho que rasga esse limite em duas frentes.

5. Uma das duas frentes rasgadas é a intimidade conjugal. Todo o texto foi escrito nesse âmbito. Eu sei que alguém pode ter um amigo ou uma amiga que sejam mais amigo e mais amiga que a companheira ou o companheiro. Eu acho que, aí, as coisas não se casaram bem casadas. No meu caso, não tenho amigo ou amiga que chegue perto de minha esposa, Bel, não tenho confidentes que não seja ela. não há nenhum outro ser humano que rivalize com ela - e isso não é blá, blá, blá. Logo, não vejo como haver "mais um" nessa história.

6. Segunda frente rasgada: o tipo de sentido que uma relação dá à vida não é o mesmo tipo de sentido que qualquer relação dá. A vida tem uma variedade de sentidos, em função das relações que temos: cônjuge, amigos, concidadãos, clientes, alunos, amigos de trabalho, chefes, adversários... Nenhuma relação dessas promove o mesmo tipo de sentido para a vida. Não é a mesma coisa eu perder um amigo ou um chefe de trabalho e eu perder um parente ou um cônjuge. Assim, a ampliação das relações sociais, necessárias, não substitui nem livela o tipo de sentido que a vida ganha com a relação conjugal.

7. Eu não estou dizendo que a relação nuclear familiar ocidental seja modelar, divina ou única.Eu só argumentei que a neurose, a depressão, a demência coletiva do mundo religioso - acho que você concordará comigo, se eu amenizar os termos - deriva de uma situação existencial humana: pressão da mídia, super-exposição de sucesso, de exigências, de "horizontes", e uma cada vez mais solitária expressão de vida - as pessoas estão sozinhas na multidão... E, então, derramam-se nos cultos.

8. O outro não é o céu. Bel não é o céu. Bel, eu diria, constitui um fenômeno histórico complexo. De um lado, o impulso bio-psicológico da procriação me impele a ela. Nisso, sou meu antepassado - e aqui fala meu cérebro reptiliano. De outro lado, o imprinting social - depois de séculos de ensaios, inventamos uma sociedade monogâmica (oficialmente), de modo que eu, um primata mecânica e biologicamente poligâmico, tenho de me fazer, culturalmente, monogâmico. De outro lado, a desintegração do sentido metafísico da religião e da doutrina e o completo esvaziamento do sentido que os dogmas (me) davam - de sorte que transfiro essa elaboração de sentido para a minha relação-maior, que é com Bel.

9. Acho isso bastante simples, a despeito de sua complexidade histórico-cultural.

10. Quero que todos de minha rua, de meu bairro, de minha cidade, de meu Estado, de me país, de meu continente e de meu planeta sejam felizes, tenham tudo de bom - mas apenas uma saberá e sabe todos os meus segredos - TODOS. Bel. 

11. Quem não tem uma Bel, tem que "usar" Deus...

12. É compreensível.

13. Mas triste.







OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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