1. Preciso da ajuda dos universitários.
2. Tenho aqui uma dúvida, que tratarei com a máxima ironia, claro, mas que, ironia à parte, traz uma questão muito séria para o tipo de "exegese" que se faz com a Bíblia, todo o malabarismo de interpretação, para a adequada adaptação doutrinária.
3. O caso em tela é sobre Maria, mas devo começar por Deuteronômio 22,23-27:
Quando houver moça virgem, desposada, e um homem a achar na cidade, e se deitar com ela, Então trareis ambos à porta daquela cidade, e os apedrejareis, até que morram; a moça, porquanto não gritou na cidade, e o homem, porquanto humilhou a mulher do seu próximo; assim tirarás o mal do meio de ti. E se algum homem no campo achar uma moça desposada, e o homem a forçar, e se deitar com ela, então morrerá só o homem que se deitou com ela; Porém à moça não farás nada. A moça não tem culpa de morte; porque, como o homem que se levanta contra o seu próximo, e lhe tira a vida, assim é este caso. Pois a achou no campo; a moça desposada gritou, e não houve quem a livrasse.
4. Depois de ler esse importante protocolo, vem-me à mente a história de Maria. Sim, eu sei, uma lembrança constrangedora, nesse contexto. Mas os universitários resolverão o problema, certamente, de modo que, assim, estamos mais resolvendo do que criando problemas...
5. "Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Estando Maria, sua mãe, desposada com José, antes de se ajuntarem, achou-se ter concebido do Espírito Santo. Então José, seu marido, como era justo, e a não queria infamar, intentou deixá-la secretamente. E, projetando ele isto, eis que em sonho lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo" (Mt 1,18-20). "E disse Maria ao anjo: Como se fará isto, visto que não conheço homem algum? E, respondendo o anjo, disse-lhe: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus" (Lc 1,34-35).
6. Pois bem - Maria, prometida a José (cf. Dt 22,23), sem ter-se deitado ainda com homem algum, tampouco José, é engravidada pelo Espírito Santo. Mateus fala em "poder" do Espírito Santo - Lucas, mas ilustrativo, fala de Maria ser "coberta com a sua sombra". Seja como for, Maria, prometida a José, vê-se grávida.
7. Que a coisa toda não é nem um pouco "boa", revela-o a intenção de José, um bom homem, afinal. Ele julga que sua esposa incorreu em adultério, mas, para não colocá-la em perigo imediato e direto, decide deixá-la secretamente. No enanto, um anjo faz a saber ao marido-prometido traído que quem engravidara sua esposa-prometida fora o próprio Espírito Santo.
8. Pois bem. Eis as questões aos universitários.
- aplica-se a essa situação Deuteronômio 22,23-27?
- se se aplica, Maria gritou?
- se se aplica, e Maria gritou, o Espírito Santo deveria ser apedrejado?
- se se aplica, Maria não gritou?
- se se aplica, e Maria não gritou, Maria e o Espírito Santo deveriam ser apedrejados?
- se se aplica Deuteronômio a essa situação, se poderia, todavia, justificar o caso com o costume - ou a lei - medieval da jus primae noctis?
9. Chamo a atenção dos leitores para o fato de que Marcos não conhece - e se conhece, de qualquer modo, não apresenta - nenhuma informação sobre esses "acontecimentos". Eles se encontram apenas em Mateus e Lucas. Uma questão, agora técnica, e não irônica, eu a deixo com os leitores.
10. Considerando-se que as histórias evangélicas se acumularam, pela tradição, década a década, após a morte de Jesus de Nazaré; considerando-se que, em Apologias I e II, Justino faz-nos saber que os romanos e gregos guardavam inúmeros casos de nascimentos virginais de heróis, como, então, à época, já faziam os cristãos com seu messias - seria provável que, à medida que as histórias de Jesus começaram a circular entre os gregos, essas histórias de nascimentos virginais tenham sido incorporadas à "memória" da tradição, para acrescentar ao messias judeu o caráter espetacular de herói?
11. Eu compreendo - quem está comprometido incondicionalmente com doutrinas, e cuida, com isso, prestar um culto a Deus, terá dificuldades de pensar. Mas mesmo os crentes mais fundamentalistas, quando "bíblicos", não dormem sem que consigam "acomodar" as coisas.
12. Pois bem, sem malabarismos, e nos limites da teologia bíblica confessional, como resolver esse imbróglio?
13. Por que "nos limites da teologia bíblica confessional"? Ora, porque, para além de seus limites auto-impostos, a questão já está, há muito, resolvida.
14. Ou quase...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Um comentário:
A passagem de deuteronômio em nada tem a ver com a passagem de lucas. os textos não estão tratando da mesma coisa, o que é - pelo menos para um bom "ledor" - óbvio!
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