

1. Bíblia de um lado, "povo" e "comunidade" de outro, lá se vai a grande correição dos (possíveis?) auto-enganos. Há quem insista em afirmar - em solene tom de "acusação" - que o "trabalho" com a Bíblia é mais recomendável que a pesquisa "morta" e "fria": mutirões, assessorias, grupos de estudo, "encontros", "oficinas" - o modus operandi é grande. "A exegese da PUC é fria e morta", alega-se: "é preciso gerar vida com os estudos bíblicos"...
2. Bem, em primeiro lugar, deixem-me deixar claro que não se trata, aqui, de uma "defesa da exegese da PUC". Quando se fala desse jeito, é de algumas pessoas da PUC que se está falando, quero dizer, não é à PUC que se faz referência, diretamente, mas é tiro indireto, mas com destino que se sabe reconhecido... Exegese morta e fria? Sei de quem se está falando...
3. Não quero levar muito longe esse desabafo. Apenas direi o seguinte: não conheço muitas exegeses engajadas "exegeticamente" sustentáveis. Há, sim, evidentemente, aqui e ali, tentativas de se criar "vida" com um mínimo de honestidade acadêmica. São momentos, parece, em que um senso de "missão" se faz em face do espelho... Mas, diferentemente dessas exceções raras e apreciáveis, na maioria dos casos a Bíblia é manipulada grosseira e alegoricamente, e, como a "comunidade", vítima, entende tanto de exegese quanto eu de culinária, faz-se de conta que a Bíblia ali tem algo a dizer, quando, a rigor, quem o diz são os ventres - eventualmente, bem-intencionados... Onde a Bíblia é maniplada, pessoas igualmente o são. Para o bem? E existe esse conceito?
4. Há casos de "engajamento bíblico" de caráter evangelical - "missão integral". Há casos de engajamento bíblico de caráter prioritariamente puritano-confessional - "fundamentalismo". Há casos de engajamento bíblico "libertador" - alegoria latino-americana. Cada um tem direito de fazer o que queira, mas que o conjunto se constitui como manipulação "branca", seja, de um lado, da Escritura, seja, de outro, da própria comunidade - não me vejo em condições de negar. Onde quer que adultos sejam tratados como crianças - e usar a Bíblia com quem não sabe interpretá-la não me parece decente - instala-se a disfunção política: os adjetivos que se auto-atribuem são bonitos, mas a verdade é que, na prática, se trata de manipulação. No fundo, cópia daquela classe de catecúmenos de oitenta e quatro...
5. Não estou dizendo que não se faça. Eu não sei nada sobre a vida - muito menos sobre as pessoas. Vai ver as pessoas são mesmo bonecos de manipular, com amor e tudo, com o furor do Espírito no ventre de catequistas, missionários integrais, fundamentalistas e libertadores... Se se dizem tão movidos pelo Espírito, como vou eu negar, eu, que nada sei desses movimentos intestinos? Vai ver os escolhidos são mesmo um povo especial, que o Espírito usa para iluminar os ignaros... Vai ver... Como não sei nada sobre isso, e como me constrange dizer a pobres e humildes aquilo que "a Bíblia diz" para eles fazerem, não posso me dar ao luxo de engajar-me. Minha consciência não me permitiria mais esse pecado.
6. Para mim, só resta um caminho que contemple, ao mesmo tempo, Bíblia e comunidade: educação - ensinar o povo a ler, e ler criticamente. Qualquer técnica de dar interpretações prontas, mesmo as da Teologia da Libertação, tão na moda para quem gosta de criticar a pesquisa, é, a meu ver, reprovável. E mais ainda, quando, diante da pesquisa, porta-se como modelar. Presunção - self-deception... Há um poço sem fundo diante dos olhos de quem ousa admitir que tem nas mãos a sabedoria de dizer aos outros o que fazer - e, ainda mais, com ornamentos divinos na voz. Parece subir certo cheiro desse poço... Mercadoria, diria Menocchio, mercadoria... A alma sacerdotal é camaleão... Cínica, deveria admitir-se aristocrata, teocrata, clerical...
7. Se eu conheço trabalhos de educação bíblica? Não - conheço trabalhos "engajados". Neles, a Bíblia é, meramente, "instrumento". Em termos operacionais, alguma diferença entre as bibliopraxis engajadas? A "vida" está na visão de mundo do catequista, ele faz que a retira da Bíblia, faz crer nela a "comunidade" - ah, palavra cínica! - e dá por cumprida a "missão" - outra palavra-deboche.
8. Há alguma lucidez por aí. Não é posível passar pelo século XX sem a crítica à "objetividade" das interpretações. Daí o "bloco" hermenêutico-lingüístico da pós-modernidade engajada - já que não há objetividade, a vida está, mesmo, na "interpretação"... Mas, reparem, companheiros, que a Bíblia, objeto pré-moderno, permanece debaixo do braço - elemento objetivo da hipnose do bem... Deus paupável...
9. Já disse: deixem-me quieto com minhas pesquisas. Não saio a campo para azucrinar a vida de quem está a deliciar-se com a sensação divina de cumprir sua missão divina. Mas, por favor, não procurem modos de fazer chegar aos meus ouvidos frios e mortos as críticas vivas e sagradas à minha fria e morta morte crítica. Uns com carne, outros com celulose - cada qual pastoreando seu rebanho... Ou, como dizia minha avó, cada macaco no seu galho... cada ovelha no seu redil...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Bem, em primeiro lugar, deixem-me deixar claro que não se trata, aqui, de uma "defesa da exegese da PUC". Quando se fala desse jeito, é de algumas pessoas da PUC que se está falando, quero dizer, não é à PUC que se faz referência, diretamente, mas é tiro indireto, mas com destino que se sabe reconhecido... Exegese morta e fria? Sei de quem se está falando...
3. Não quero levar muito longe esse desabafo. Apenas direi o seguinte: não conheço muitas exegeses engajadas "exegeticamente" sustentáveis. Há, sim, evidentemente, aqui e ali, tentativas de se criar "vida" com um mínimo de honestidade acadêmica. São momentos, parece, em que um senso de "missão" se faz em face do espelho... Mas, diferentemente dessas exceções raras e apreciáveis, na maioria dos casos a Bíblia é manipulada grosseira e alegoricamente, e, como a "comunidade", vítima, entende tanto de exegese quanto eu de culinária, faz-se de conta que a Bíblia ali tem algo a dizer, quando, a rigor, quem o diz são os ventres - eventualmente, bem-intencionados... Onde a Bíblia é maniplada, pessoas igualmente o são. Para o bem? E existe esse conceito?
4. Há casos de "engajamento bíblico" de caráter evangelical - "missão integral". Há casos de engajamento bíblico de caráter prioritariamente puritano-confessional - "fundamentalismo". Há casos de engajamento bíblico "libertador" - alegoria latino-americana. Cada um tem direito de fazer o que queira, mas que o conjunto se constitui como manipulação "branca", seja, de um lado, da Escritura, seja, de outro, da própria comunidade - não me vejo em condições de negar. Onde quer que adultos sejam tratados como crianças - e usar a Bíblia com quem não sabe interpretá-la não me parece decente - instala-se a disfunção política: os adjetivos que se auto-atribuem são bonitos, mas a verdade é que, na prática, se trata de manipulação. No fundo, cópia daquela classe de catecúmenos de oitenta e quatro...
5. Não estou dizendo que não se faça. Eu não sei nada sobre a vida - muito menos sobre as pessoas. Vai ver as pessoas são mesmo bonecos de manipular, com amor e tudo, com o furor do Espírito no ventre de catequistas, missionários integrais, fundamentalistas e libertadores... Se se dizem tão movidos pelo Espírito, como vou eu negar, eu, que nada sei desses movimentos intestinos? Vai ver os escolhidos são mesmo um povo especial, que o Espírito usa para iluminar os ignaros... Vai ver... Como não sei nada sobre isso, e como me constrange dizer a pobres e humildes aquilo que "a Bíblia diz" para eles fazerem, não posso me dar ao luxo de engajar-me. Minha consciência não me permitiria mais esse pecado.
6. Para mim, só resta um caminho que contemple, ao mesmo tempo, Bíblia e comunidade: educação - ensinar o povo a ler, e ler criticamente. Qualquer técnica de dar interpretações prontas, mesmo as da Teologia da Libertação, tão na moda para quem gosta de criticar a pesquisa, é, a meu ver, reprovável. E mais ainda, quando, diante da pesquisa, porta-se como modelar. Presunção - self-deception... Há um poço sem fundo diante dos olhos de quem ousa admitir que tem nas mãos a sabedoria de dizer aos outros o que fazer - e, ainda mais, com ornamentos divinos na voz. Parece subir certo cheiro desse poço... Mercadoria, diria Menocchio, mercadoria... A alma sacerdotal é camaleão... Cínica, deveria admitir-se aristocrata, teocrata, clerical...
7. Se eu conheço trabalhos de educação bíblica? Não - conheço trabalhos "engajados". Neles, a Bíblia é, meramente, "instrumento". Em termos operacionais, alguma diferença entre as bibliopraxis engajadas? A "vida" está na visão de mundo do catequista, ele faz que a retira da Bíblia, faz crer nela a "comunidade" - ah, palavra cínica! - e dá por cumprida a "missão" - outra palavra-deboche.
8. Há alguma lucidez por aí. Não é posível passar pelo século XX sem a crítica à "objetividade" das interpretações. Daí o "bloco" hermenêutico-lingüístico da pós-modernidade engajada - já que não há objetividade, a vida está, mesmo, na "interpretação"... Mas, reparem, companheiros, que a Bíblia, objeto pré-moderno, permanece debaixo do braço - elemento objetivo da hipnose do bem... Deus paupável...
9. Já disse: deixem-me quieto com minhas pesquisas. Não saio a campo para azucrinar a vida de quem está a deliciar-se com a sensação divina de cumprir sua missão divina. Mas, por favor, não procurem modos de fazer chegar aos meus ouvidos frios e mortos as críticas vivas e sagradas à minha fria e morta morte crítica. Uns com carne, outros com celulose - cada qual pastoreando seu rebanho... Ou, como dizia minha avó, cada macaco no seu galho... cada ovelha no seu redil...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO