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domingo, 5 de dezembro de 2010

(2010/615) Da deseducação cristã - a didática do medo



1. Usa a palavra liberdade, eu sei, mas a didática cristã é toda baseada no medo. Não posso aplicar isso que vou dizer diretamente às Igrejas neopentecostais, que estão lotadas por outra razão - querem doces de Cosme e Damião, se me entendem, querem "bênçãos", dinheiro, saúde, e as doutrinas estão, ali, cada vez mais desalojadas. Mas, no que diz respeito às Igrejas tradicionais, históricas, é o medo a rede que as mantém "cheias".

2. O redil tem porta de entrada - mas não tem de saída. Tudo que você faz, pensa, quer, tudo isso é posto na balança, 24 horas por dia. Se você pensa algo de errado, Deus está olhando, e está prestes a castigar. Se você deseja algo de errado, Deus já, já, lhe arranca um olho. Se você faz algo de errado, sua carne já pressente o calor do inferno a chamuscar os pelos.

3. Tudo, aí, se deve fazer por causa de Deus. Mesmo o amor - amam-se as pessoas por causa de Deus, porque, digamos assim, Deus quer e manda. Casa-se por causa de Deus. É-se um bom cidadão, por causa de Deus. Cumprem-se as leis, por causa de Deus. Respeitam-se os mais velhos, por causa de Deus. No primeiro plano, por causa do enorme amor que se tem... de Deus. Todavia, ao fim e ao cabo, é por conta do medo de lhe cair nas mãos. Terrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo - mesmo depois da graça... Um Deus que não castiga e mata - serve para quê?

4. Tudo, então, aparentemente funciona - as pessoas são amorosísimas, respeitabilíssimas. Então, um dia, ela decide... estudar. Vai ler os livros de Teologia. Vai fazer Seminário. Aí, meus amigos, uma quantidade inimaginável de informações de que ela não dispunha vai minando aquele medo - e, minado o medo, rui a casa toda, porque toda a casa cristã está sustentada apenas por isso - pelo medo de Deus.

5. Uma vez que o cidadão não pintou e bordou, apenas porque tinha medo de Deus, travado que estava pela didática do medo, há aqueles que, perdendo o medo, desembestam, atiçada a sua loucura pela liberdade daquele sentimento acorrentador. Outros, simplesmente, vêm a paisagem desaparecer. A maioria, abafará as novidades, e retornará, para multiplicar, a eficiente didática do medo: ele mesmo fará outras vítimas, repetindo a masmorra em que vivera, vingando-se de Deus, da vida, de todos, odiando os espelhos...

6. Alguns aproveitam o tempo para reconstruir a paisagem e resignificar as suas ações. Alguns aprenderão a amar o outro, sem que para isso precise de uma justificativa. Outros continuarão bons cidadãos, considerando que a exigência é imanente - é o jogo republicano e social que demanda minha participação ótima na sociedade.

7. O medo é péssimo pedagogo. Eficiente, é verdade, para a reprodução dos costumes, das tradições, do sistema. O medo é a chave do sistema. Quando o medo acaba, o sistema não pode, mais, controlar as peças do jogo. Essa deveria ser a liberdade cristã. Mas não - a liberdade cristã virou uma orquestração cínica de pastoreio, e isso há muito, muito tempo.

8. E uma coisa, apenas, é importante - vencer o medo. Vencido o medo, a liberdade se tornará possível. Antes, não. Não nos esqueçamos de que a onda de "evangelização" evangélica, na década de 60 e 70, começou justamtente assim - expondo às praças públias o medo do inferno... Aí, ser evangélico fazia todo sentido. O divertido é ver, hoje, a mesma onda, agora neo-evangélica, desbancar, desde dentro, o medo, fazendo de Deus não mais carrasco e juiz, mas provedor e exorcista. Quanta criatividade pedagógica, não? Ou, no fundo, o que está alterado aí é apenas de quem ter medo - antes, de Deus, agora, do diabo?




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

quarta-feira, 21 de abril de 2010

(2010/326) Das heresias antigas


1. Antigamente era bom ser herege. Não houve heresia antiga que não tenha sido cooptada pela Teologia e pelo "povo de Deus". O que hoje é "ortodoxo", um dia, acredite-se, foi "pagão". Talvez haja, vamos lá, não sejamos tão radicais, alguma coisa que a Teologia ortodoxa tenha inventado do nada - quem sabe, a criação do nada! (não, nem isso!). Todavia, qualquer doutrina que quisermos estudar, ao ponto de investigar sua origem histórica, revelará sua origem "pagã". Até a máxima fundamental do Cristianismo - Deus e amor - é "pagã". É persa, e, antes de ser persa, talvez tenha sido de outro(s) povo(s). Antes de os judeus freqüentarem a Escola Bíblica persa, Deus era tanto amor quanto furor, era tanto bom quanto mau. Mas até os deuses amadurecem... E, de mais a mais, deve ser verdade o que os persas ensinaram, porque até na boca de Jesus essa cataquese esteve presente...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

domingo, 14 de fevereiro de 2010

(2010/137) De Bíblias e de tribos engajadas


1. Bíblia de um lado, "povo" e "comunidade" de outro, lá se vai a grande correição dos (possíveis?) auto-enganos. Há quem insista em afirmar - em solene tom de "acusação" - que o "trabalho" com a Bíblia é mais recomendável que a pesquisa "morta" e "fria": mutirões, assessorias, grupos de estudo, "encontros", "oficinas" - o modus operandi é grande. "A exegese da PUC é fria e morta", alega-se: "é preciso gerar vida com os estudos bíblicos"...

2. Bem, em primeiro lugar, deixem-me deixar claro que não se trata, aqui, de uma "defesa da exegese da PUC". Quando se fala desse jeito, é de algumas pessoas da PUC que se está falando, quero dizer, não é à PUC que se faz referência, diretamente, mas é tiro indireto, mas com destino que se sabe reconhecido... Exegese morta e fria? Sei de quem se está falando...

3. Não quero levar muito longe esse desabafo. Apenas direi o seguinte: não conheço muitas exegeses engajadas "exegeticamente" sustentáveis. Há, sim, evidentemente, aqui e ali, tentativas de se criar "vida" com um mínimo de honestidade acadêmica. São momentos, parece, em que um senso de "missão" se faz em face do espelho... Mas, diferentemente dessas exceções raras e apreciáveis, na maioria dos casos a Bíblia é manipulada grosseira e alegoricamente, e, como a "comunidade", vítima, entende tanto de exegese quanto eu de culinária, faz-se de conta que a Bíblia ali tem algo a dizer, quando, a rigor, quem o diz são os ventres - eventualmente, bem-intencionados... Onde a Bíblia é maniplada, pessoas igualmente o são. Para o bem? E existe esse conceito?

4. Há casos de "engajamento bíblico" de caráter evangelical - "missão integral". Há casos de engajamento bíblico de caráter prioritariamente puritano-confessional - "fundamentalismo". Há casos de engajamento bíblico "libertador" - alegoria latino-americana. Cada um tem direito de fazer o que queira, mas que o conjunto se constitui como manipulação "branca", seja, de um lado, da Escritura, seja, de outro, da própria comunidade - não me vejo em condições de negar. Onde quer que adultos sejam tratados como crianças - e usar a Bíblia com quem não sabe interpretá-la não me parece decente - instala-se a disfunção política: os adjetivos que se auto-atribuem são bonitos, mas a verdade é que, na prática, se trata de manipulação. No fundo, cópia daquela classe de catecúmenos de oitenta e quatro...

5. Não estou dizendo que não se faça. Eu não sei nada sobre a vida - muito menos sobre as pessoas. Vai ver as pessoas são mesmo bonecos de manipular, com amor e tudo, com o furor do Espírito no ventre de catequistas, missionários integrais, fundamentalistas e libertadores... Se se dizem tão movidos pelo Espírito, como vou eu negar, eu, que nada sei desses movimentos intestinos? Vai ver os escolhidos são mesmo um povo especial, que o Espírito usa para iluminar os ignaros... Vai ver... Como não sei nada sobre isso, e como me constrange dizer a pobres e humildes aquilo que "a Bíblia diz" para eles fazerem, não posso me dar ao luxo de engajar-me. Minha consciência não me permitiria mais esse pecado.

6. Para mim, só resta um caminho que contemple, ao mesmo tempo, Bíblia e comunidade: educação - ensinar o povo a ler, e ler criticamente. Qualquer técnica de dar interpretações prontas, mesmo as da Teologia da Libertação, tão na moda para quem gosta de criticar a pesquisa, é, a meu ver, reprovável. E mais ainda, quando, diante da pesquisa, porta-se como modelar. Presunção - self-deception... Há um poço sem fundo diante dos olhos de quem ousa admitir que tem nas mãos a sabedoria de dizer aos outros o que fazer - e, ainda mais, com ornamentos divinos na voz. Parece subir certo cheiro desse poço... Mercadoria, diria Menocchio, mercadoria... A alma sacerdotal é camaleão... Cínica, deveria admitir-se aristocrata, teocrata, clerical...

7. Se eu conheço trabalhos de educação bíblica? Não - conheço trabalhos "engajados". Neles, a Bíblia é, meramente, "instrumento". Em termos operacionais, alguma diferença entre as bibliopraxis engajadas? A "vida" está na visão de mundo do catequista, ele faz que a retira da Bíblia, faz crer nela a "comunidade" - ah, palavra cínica! - e dá por cumprida a "missão" - outra palavra-deboche.

8. Há alguma lucidez por aí. Não é posível passar pelo século XX sem a crítica à "objetividade" das interpretações. Daí o "bloco" hermenêutico-lingüístico da pós-modernidade engajada - já que não há objetividade, a vida está, mesmo, na "interpretação"... Mas, reparem, companheiros, que a Bíblia, objeto pré-moderno, permanece debaixo do braço - elemento objetivo da hipnose do bem... Deus paupável...

9. Já disse: deixem-me quieto com minhas pesquisas. Não saio a campo para azucrinar a vida de quem está a deliciar-se com a sensação divina de cumprir sua missão divina. Mas, por favor, não procurem modos de fazer chegar aos meus ouvidos frios e mortos as críticas vivas e sagradas à minha fria e morta morte crítica. Uns com carne, outros com celulose - cada qual pastoreando seu rebanho... Ou, como dizia minha avó, cada macaco no seu galho... cada ovelha no seu redil...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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