segunda-feira, 2 de março de 2009

(2009/044) Jimmy ressuscitou (X) - epílogo


1. Ufa! Negociei aqui com meus neurônios abarcar no "epílogo" (da série!) os parágrafos finais (10 a 13) do post de Jimmy ((2009/030) Racionalismo blasé e experiência religiosa: a razão cega diante do intratável), para antecipar o fim do (meu) constrangimento público. Tenho a meu favor, contudo, o fato de que não se trata de uma idiossincrasia minha - a reação. István Mészáros diz o mesmo de Marx: "o método de análise de Marx é mais reativo do que positivo e auto-sustentado: ele deixa que sua mão seja guiada pela problemática do objeto imediato de sua crítica, ou seja, pelos escritos dos economistas políticos" (István Mészáros, A Teoria da Alienção em Marx, Boitempo, p. 95). De igual modo, Jimmy arranca de mim essa série de reações. Mérito seu? Culpa sua!

2. Pois bem, o fechamento - a cereja do bolo - do post é a defesa do pathos profético. Nesse ponto, até o até agora "cego" Haroldo é citado como fundamento, conquanto o texto não se ache à disposição. Mas não é necessário: todos sabemos a ênfase que Haroldo concede ao profetismo clássico e crítico - Amós é sua tese doutoral. O meu problema com esse Jimmy desse post é que ele quer tirar o profetismo de sua esfera pragmática - a política e a estética - e, com isso, sugerir a supressão da "cegueira heurística" por ele pressuposta e denunciada - em mim, inclusive.

3. Eis a expressão de força: "pathos divino". Nossa, com esse designativo aí, eu até devia falar "aleleuia!", pôr-me de joelhos ou abaixar os olhos, humílimo, como convém. Bah! Jimmy não pode estar falando sério! Jimmy quer que eu leve a sério a retórica do profeta, que se diz tomado pelo divino? É isso? Simples assim? Quando o profeta africano, daquela tripo africana, disser que é tomado pelo pathos divino que ele extirpará o clitóris da menina, Jimmy dirá aleluia?, ou cairá sobre ele com sua ética secularizada de dignidade feminina? Quando, hoje são os fundamentalistas muculmanos, ontem, éramos nós, fundamentalistas cristãos, tudo é a mesma patologia incurável, um profeta se deixa tomar pelo pathos divino e de mais alguns apetrechos que fazem bum! na cara de Jimmy, Jimmy dirá aleluia?, ou, antes, reclamará aparatos de segurança e denunciará a estreiteza do olhar dialogal do xiita? Segundo sua lógica, deveria chegar ao céu às cambalhotas, e agradecendo as tripas que arrasta ventre afora: quero mais, quero mais, gostei desse negócio de pathos divino... Ah, Jimmy, fala sério!

4. Deixe-me dizer o que você está fazendo, o que Lévinas faz, o que Buber faz, e que quer(em) que eu faça, mas não faço, porque isso é fraude epistemológica disfarçada de mística e espiritualidade: uma determinada ética, e como ética, cultura, é tomada, determinados valores, determinadas circunstancialidades noológicas histórico-condicionadas, no caso dos senhores citados, você dentro, humanismo inconfessado, explicado até a próstata por Feuerbach, que você, agora, defenestra (claro, não o pode ouvir mais!, senão desaparece seu chão divino), uma ética assim é sacada é - digo-o com todas as letras: ela é a base. Aí, ela é projetada numa idéia difusa de "Outro" (Lévinas é escorregadio, e eu tive de fazer o que você não fez / não quer fazer para pegá-lo no contra-pé). Desde lá, como se essa ética fora, desde sempre, do "Outro", ditada por ele, "divina", ela volta para a cara do "outro", esse aqui, do meu lado. E isso é o grito profético, o "grito da filosofia". Feuerbach 1 x Lévinas, Buber, Jimmy, 0. Isso para não falar de Marx...

5. Quem conhece minhas pesquisas sobre os séculos VI e V em Judá sabe do "ódio" visceral que adquiri aquele sacerdócio - de modo geral, condeno toda e qualquer forma de sacerdócio, mesmo aquele aparentemente bonitinho, evangélico, disfarçado, cínico, católico até o reto, mas posando de "protestante". Ao mesmo tempo, descobrirá que via no profetismo daquele momento um adversário do poder sacerdotal, e tanto que foi aniquilado por ele, mas não apenas ele, o profetismo, mas todas as demais instâncias de intermediação do sagrado, até as sacerdotizas, imagens, templos, altares, tudo. Foi uma guerra ideológica extraordinária. Mas não é por isso que, século XXI, eu vá sair por aí fazendo apologia do profetismo, como se a índole da profecia não tivesse a mesma constituição da índole sacerdotal - o seu "saboroso" pathos divino... Jimmy!

6. Coloquemos o profeta em seu lugar. Se ele dá ouvidos às próprias tripas, e sente-se tomado por essa comichão, esse "pathos divino" (que só o é nos termos de sua ética, não Jimmy?), se ele está minimamente que seja, assim, por meia página de um Tratado de Psicologia da Religião, inteirado das rotinas psicológicas desse fenômeno, que saída ele tem, Jimmy? Rasgar o Tratado, dirá sua retórica de berros proféticos! Mas, se ele respira fundo, deixa passar a ressaca do vinho, e olha ao seu redor, há de esclarecer-se, e saber que as idéiais humanas assumem formas as mais extravagantes, inclusive essas que, nascendo da indignação ética, metamorfoseiam-se em "revelação" e "pathos divino", como aquilo que dizia Amós sobre leões bramando e Yahweh falando, interessante para a retórica política, mas, para nós, gente já crescida, manipulação religiosa. Se "Amós", à época, o sabia? Não me faz a mínima diferença - eu sei.

7. Não é necessário ter fogo nas tripas - pathos divino - para mover-se em favor dos pobres. E se o movimento tem por justificativa esse pathos, sequer é o pobre que o move. Não existisse o "Outro", talvez Lévinas não se interessasse pelo outro... Contudo, se o "outro" demanda a caridade a despeito do "Outro", para que a retórica do "Outro" para o exercício da caridade?

8. Além disso, que tem a ver o absurdo da vida com a caridade, o profetismo? De novo, é misturarem-se as estações. É a visão estreita de alguém provincianamente situado - América Latina - cuidando solucionar universalmente a questão mal colocada. Já disse que a Noruega não precisa de seus profetas, Jimmy, mas, eventualmente, experimenta, em profusão, o senso do absurdo...

9. Eu até encorajaria a todos que ousassem pôr a mão em coisas cada vez maiores, a enfrentar assuntos cada vez mais profundos. Mas faria duas advertências: primeiro, não sair por aí chamando de cegos aqueles que têm um recorte específico de tratamento da rede complexa de relações da vida, e, principalmente, que não ataquem por cima tais questões, porque o peso delas, quando se chega à sua base, pode esmagar irremediavelmente um esforço eventualmente honesto. Alternativamente? Agüentar o tranco...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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