segunda-feira, 2 de março de 2009

(2009/043) Jimmy ressuscitou (IX)


1. Meu amigo Jimmy, eu não tenho certeza de estar ou não aceitando um papel ridículo, esse de destrinhcar, como se faz ao porco, à mesa, seu post, parágrafo a parágrafo - exceto o parágrafo quatro, que é extraordinário (risos). Não sei se é perda de tempo, também. Suspeito que seja alguma coisa de muito aborrecida, para você. E também sei que, a despeito disso, não posso, simplesmente, deixar de escrever. Enquanmto meu cérebro não der por encerrada a resposta, ele não me deixará em paz, como uma assombração, entende? Da próxima vez - se chegar a haver próxima vez - escreva só dois parágrafos, aí, quem sabe, minha reação seja proporcional...

2. Seu parágrafo nove sofre, naturalmente (e isso se fiz bem o dignóstico!) do problema grave do equívoco das esferas pragmáticas - todo ele é estético, e você mo arrosta como se fosse uma alternativa à minha crítica heurística das manipulações políticas do sagrado - Lévinas não vai além disso, malgrado seu gosto por ele. Mas, dado que seu post está tão longe, ei-lo:

2.1 "Há algo aqui que acho digno de atenção: a sensibilidade ao trágico que está no interior da experiência religiosa. Por isso gosto de filósofos judeus como Levinás, Osvaldo. Não pelo conteúdo – monoteísta – de sua saída religiosa, mas por sua sensibilidade ética – no próximo post falarei sobre esse judeu lituano. Há nessa sensibilidade o mesmo espírito de revolta presente em autores existencialistas como Camus. Uma negação da racionalização do niilismo. Digo deles o mesmo que Camus afirmou sobre os heróis de Dostoiévski: esses pensadores se interrogam sobre o sentido da vida: não receiam o ridículo. Nietszche, imbuído de seu espírito aristocrático, não fez – ao menos para mim – a pergunta religiosa fundamental: porque não há na pervesidade da natureza – repito, não há – fundamento ético que impeça a destruição dos mais fracos pelos mais fortes. O problema não é a natureza, eu sei. É a minha consciência".

3. Aí está: o trágico. Estética, Jimmy, estética. A heurística jamais se deparará com o "trágico", porque a matéria não tem sentido. Como você disse, é a consciência que "põe" o absurdo, o trágico, como traje noturno de Gaia. Mas Gaia, mesma, sequer usa roupas... E, contudo, você saltou para o campo da estética, tendo entrado em minha casa, com seu post-espada, brandindo o fio da heurística. Entrou na minha arena, na luta que eu travava, e, para tentar ganhá-la, nos seus termos, foi, progressivamnete, mudando a arena, para poder usar as armas da estética. Houvesse um juiz, e não há, somos nós, Jimmy, os jogadores, os combatentes, também os juizes, daí a necessidade inegociável de honestidade epistemológica, condição sine qua non da compatibilidade dos discursos entre si e entre os discursos e o "real", mas houvesse um juiz e ele teria levantado a bandeira vermelha.

4. Você fala do "espírito de revolta". E o que quer que eu faça com Camus? A sua obra é estética, Jimmy, ela nada sabe de heurística, nem quer saber. Se tudo se resumisse não a Camus, mas a esse Camus - há um outro, que ganhava dinheiro, urinava e, eventualmente, fazia sexo -, a saída, honesta, era o suicídio. Se a vida não faz sentido, Jimmy, e se é a isso que tudo se resume, porque ainda está vivo, com tantos meios de acabar com o nonsense? Chega a ser meio piegas a transposição da vida, toda ela, para a dimensão da estética, como se a estética, essa noção soberbamente burguesa, própria de quem tem pão à beça (os pobres ainda não puderam chegar aos "dramas" próprios da estética, porque estão preocupados com os dramas das calorias... Mas veja: é um impedimento relativo e circunstancial, que, tão logo a condição financeira permita a aquisição de bons vinhos e cachimbos, se resolve). A estética tem uma parcela extraordinariamente importante da dimensão da existência, mas a existêncoa não se reduz a ela, nem ela é o carro-chefe da existência. Uma "hiperestetisia" (prurido humanista-solipsista, além de narcisita) não está distante de qualquer outra patologia, como o "hipercriticismo". A sanidade é saber a medida justa das coisas, e a sua inclinação para a ótica monocular da estética do absurdo e do trágico é capenga, eistemologicamente capenga, boa, eventualmente, para uma rodada de vinho, onde não se sopesam as palavras, tão somente se aprecia o sabor das beberagnes, mas não para uma discussão eistemologicamente comprometida.

5. Veja a que ponto você chega: como o seu arroubo estético deforma a realidade. Se me permite voltar ao parágrfo oito, você, lá, diz assim: "não é a existência em si que é inviável. É a consciência da forma em que se organiza essa existência. É o jogo. Sensibilidade que não permite a racionalização do absurdo, esse darwinismo calvinista secularizado. Nietzsche foi mesmo um homem de força. Assumiu o trágico. E o que considero mais trágico, assumindo-o, não o considerou absurdo. O “tudo é permitido” da cidade dos homens com o céu de chumbo que causou vertigem e agonia moral em um Dostoiévski, foi recebido com gratidão, assombro e expectativa, por um coração Nietzscheano, que afirmando as boas novas, proclamou que o nosso mar está aberto novamente. Foi um aristocrata sem esses ultrapassados pruridos morais cristianizados. O “tudo é permitido” de Dostoiévski poderia ter como resposta de Nietzsche um “tudo está bem”". Vamos destrinhcar esse frango.

6. Você denuncia o que chama de "racionalização do absurdo". Do que está falando? Da compreensão heurística de que há um abismo intransponível entre o homem enquanto animal, logo, natural, o que faz dele um bicho a-moral como o é a tartagura e a lesma, e esse mesmo Homo sapiens, agora visto como é, agora, um ser moral, um ser que ganhou consciência da força que tem e do mal que faz? Isso é precisamente conhecimento heurístico dessa situação. Seu arrubo estético quer negligenciar isso, como se isso fosse racionalização? Que seja. Mas a moral é, em termos heurísticos, isso que é - um constrangimento humano diante do que pode (tem força para) fazer em face do que pode (deve) fazer. Onde há moral, Jimmy? Não onde houver apenas um homem e a natureza, nem onde houver um homem forte e outros fracos. A moral estará onde houver, ao menos, dois homens equivalentes, testantando suas vontades, negociando-as, e construindo termos designativos para suas próprias ações negociadas.

7. Ah, mas isso é racionalização, vamos é encher a cara de vinho, o pulmão de fumaça e olhar para o teto, porque a vida é um absurdo! Que seja, mas essa atitude é o que é: tomar o arroubo estético como leitura de mão-única do status quo. No complexo de relações pragmáticas humanas, essa noção é positiva. Isolada, assim, uma patologia. Um desespero bem burguês. Bem capitalista, até: rende dividendos.

8. E, com isso, sequer cheguei a seu pecado retórico. Você faz menção ao "tudo é permitido" da "lógica" de Dostoiévski - que é falsa. Já lhe disse isso, mas você não me deu ouvidos, pelo visto. Dostoiévski não sabe pensar com a cabeça pós-teológica que a questão impõe: ele só sabe resolver a equação com o número limitado e viciado de dados que tem. Deus é tudo, e o fundamento de tudo. Sem Deus, não tem fundamento, nada tem fundamento. Mas é o que ele pensa, e, em termos históricos, a situação fraudulenta da retórica política da Igreja e da sociedade de assegurarem a manutenção das massas sob o controle do sagrado - do castigo do sagrado. Dostoiévski tem pavor de que isso termine, porque as massas haverão de rebelar-se.

9. Se, para Dostoiévski, você está certo, quem está equivocada é a lógica que ele mesmo usa, escravo que é da retórica platônica dA República, sem Deus, "tudo é permitido", por outro lado você mete um "tudo está bem", como leitura desse "tudo é permitido", e o faz projetar-se desde a boca de Nietzsche. Ah, Jimmy, devagar. Que salto! Ainda lhe doem as juntas? Porque, com um salto desses, deu de cara no chão. Nunca, Jimmy, nunca, desafio-o a mostrar, Nietzsche caiu no canto do vigário de Dostoiévski - uma ameça velada, como a do Sl 127, tão bonito!, mas tão programático! Muito menos, Jimmy, Nietzsche, alguma vez, disse que "tudo está bem". Nietzsche não ficava olhando para as aparências da metafísica, nem para o fogo da cara de Deus, mas para a civilização, e, essa, para ela, ia muito mal, malíssima! A Alemanha, uma porcaria, ele dizia. A Europa, perdida em movimentos democráticos. Os homens, bestas de carga. O que, para Nietzsche, ia bem, Jimmy? Nada. Porque Nietzsche não suprimiu, jamais, lei alguma, apenas denunciou que as supostas leis divinas, aquelas de cuja ameaça de supressão apavorou-se um Dostoiévski, eram falsas. Que viessem, pois, as da terra. O fato de que, para Nietzsche, elas, as leis da terra, deviam ter as cores da aristocracia não vem ao caso - o relevante é que é falsa a sua alegação de que Nietzsche estava considerando como válida a supressão de todos os valores - ele pregou a transmutação, Jimmy, é bom ler! - a transmutação de todos os valores...

10. Mas deixemos Nietzsche em paz. Nietzsche é coerente consigo mesmo - aristocrata, para ele, os fortes devem prevalecer sobre os fracos. As então recentes proposições de Darwin, os valores da terra, sugeriam a Nietzsche que a sua perspectiva aristocrática tinha, inclusive, a aprovação da Natureza. Até a crítica que fazia ao Cristianismo decorre dessa posição - religião de escravos! Deixe-o quieto, que é gostar dele, sem deturpá-lo, sem torcê-lo. O que me interessa em Nietzsche é sua denúncia de que as "leis do céu" são um embuste. E, Jimmy, em que momento desses últimos seis meses descobriu que não?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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