segunda-feira, 2 de março de 2009

(2009/042) Jimmy ressuscitou (VIII)


1. Não largo, ainda, a presa: meus dentes estão cravados no dorso do parágrafo oito do post de Jimmy ((2009/030) Racionalismo blasé e experiência religiosa: a razão cega diante do intratável). Uma vez que ali foram misturados todos os circuitos da expressão existencial humana, negligenciando o fato de que não se resolvem problemas estéticos por meio políticos, nem problemas políticos por meio heurísticos, nem problemas heurísticos por meio estéticos etc., de modo que se propõe, então, uma falsa saída "patológica/passional" para um problema heurístico - o que é conhecimento? -, talvez eu deva, para deixar minha posição clara como a de um ribeiro raso, expor minha perspectiva (que Jimmy decirá se saiu da minha própria cabeça ou se decorei manuais da crítica, já não sei mais quem sou...).

2. Uma vez que a atividade humana, a sua vida, ecologicamente instalada, socialmente desdobrada, faz-se por meio de três níveis de apropriação do real, três dimensões hermenêuticas, três pragmáticas, a saber, heurística, política e estética, há duas considerações importantes a fazer. Primeiro, que cada incidente da vida pode ser tratado, se adequadamente ou não é outra questão, por qualquer uma das três instâncias. Segundo, incidentes específicos do compo de uma das três pragmáticas só pode ser adequadamente superado no âmbito dessa pragmática.

3. Vamos ao segundo caso. O problema do conhecimento - a pergunta que o post de Jimmy diz, corretamente, ser a pergunta kantiana - não é um problema estético. Não é uma questão de gosto. Não é um problema político, não é uma questão de consenso. É um problema heurístico - cognitivo (cérebro/mente) e natural (cérebro/matéria) ao mesmo tempo. A saída religiosa para o conhecimento é fraudulenta. A palavra é pesada, e precisa ser esclarecida. Se estivéssemos no século XVIII, poderíamos ser mais amenos. Mas, depois de Kant - e mais ainda, quando é um acadêmido a dizê-lo -, não resta outra palavra: salvo, ignorância. Ou o acadêmico não sabe nada de espitemologia, ou sabe, mas está fazendo birra, como criança mimada.

4. Platão é o deus das fraudes nesse campo. Ou copiou do oriente (é provável) ou inventou que o conhecimento vem do mundo das idéias (era teólogo esse que nos ensinam ser filósofo). Até um mito da Queda está presente em seu sistema "epistemológico". É especificamente contra esse sistema, incorporado na Igreja dos profetas e sacerdotes (que diferença?), que Kant e toda a crítica do conhecimento (os cegos do século XIX - e eu, junto!) se levanta. Não se pode postular que o conhecimento venha do céu, porque nem se sabe se o céu está lá, nem se pode saber. Se há mecanismos sacramentais para além das operações orgânicas e das injunções históricas, isso, precisamente isso, é "intratável" (Jimmy já pôs um "Ser" lá, e "intratável", para ele, é esse ser - malabarismo retórico). Em termos metafísico e ontológicos, o kantismo é cético. Mas, em termos da teoria do conhecimento, não (Jimmy também não se deu conta disso, mas devia).

5. Agora, vejamos. Não vamos analisar a relação entre a existência humana, a vida, e as dimensões pragmáticas da consciência humana, daqui pra lá. Vamos analisar a vida em si, a partir do que Jimmy chama de "absurdo" da existência, e que, com propriedade, faz remontar à consciência humana essa dimensão do absurdo. O que é que Jimmy quer? A consciência do absurdo? Ou a sua superação? Se apenas a consciência, malha em ferro frio, porque não há pesquisador das ciências que não se tenha dado conta disso, de que a vida, em si, conforme ela aparece à consciência humana, não faz o menor sentido - e, desde aí, aparecem as religiões, para dar sentido a esse absurdo, ainda que por meio de teorias que, pior do que a vida, têm ainda menos sentido... Mas funciona. Porque as pessoas querem. Mas funciona. Enquanto elas querem. Por isso, pra mim, não funciona mais, Jimmy. Porque eu não quero.

6. Como um sujeito cego, equivocado, decorador de manuais de crítica da esquerda kantiana, ora lunático, trataria a questão? De modo tríplice, tendo a consciência da operação em cada nível da pragmática.

6.1 Do ponto de vista heurístico, de modo otimista e positivo, envidando todos os esforços para cavar profundamente: como me orientou Nietzsche, onde quer que eu esteja, eu cavo profundamente, porque é embaixo que ficam as fontes, malgrado os homens sombrios gritem que lá fica o inferno - e não é que Jimmy quer-me olhando para nuvens, antes que cavando o chão!?... Todo e qualquer avanço do conhecimento humana pode - não há garantias, porque há outras dimensões em jogo, como a política - promover melhoras na existência humana, como os tratamentos dos problemas renais, por exemplo... Ou, no campo das Humanas, no desvelamento das rotinas cérebro-mentais do conhecimento humano. A heurística tratará de conhecer a matéria e o mundo material, o homem enquanto material e natural, biológico e ecológico, psicológico e religioso, a sociedade enquanto configuração estrutural da espécie ecologicamente situada. Esse é seu projeto, seu compo, sua missão. A heurística é suficientemente infantil para não deixar-se aparvalhar pelo absurdo, coisa de adultos.

6.2 Do ponto de vista político, o absurdo da existência deve ser superado por meio da construção - política - de condições dignas de existência. Aqui gravitam os temas das leis, das instituições, dos costumes, das práticas, das interdições, construídas através de cabo-de-guerra, de ganha e perde, a depender do modelo econômico de produção que subjaz a essa sociedade em questão. "Porrete do Estado"! Menos, Jimmy. Não cabe à pragmática política resolver - no campo não-político - o absurdo da existência, mas de promover a própria vida humana, negociar os confrontos naturais, próprios do encontro de vontades egoístas, mais uma vez, naturalmente egoístas - a condição bovina de uma humanidade a-pática é a condição primeira da sua nulidade. Estou dizendo que um vida em estilo escandinavo, com IDH de topo de lista, resolve o problema do absurdo da existência? Não, porque esse problema não é político, mas há de levá-lo, ao menos, para sua concreta dimensão, e revelar que o absurdo, em si, muitas vezes, é falso, próprio das condições materiais de vida. Se posso me fazer entender, Jimmy, a Dinamarca prescinde de "profetas" do tipo que você tem em mente, e os tem porque está na América Latina - e, aí, resta ver se o "absurdo" é ontológico ou sócio-econômico. Até o tipo de profeta depende do tipo da sociedade.

6.3 Finalmente, se o absurdo da vida é apreendido por meio da dimensão estética da consciência humana, saltamos para o campo da pura subjetividade. O próprio absurdo é uma expressão subjetiva - ora ele é agudo, ora, aguado, ora se dessipa, ora é ígneo, depende muito do estado de ânimo do sujeito, e, até, do teor de álcool no organismo: o que, para uns, traduz uma relação diretamente proporcional entre teor alcoólico e consciência do absurdo da vida (bêbados-filósofos pessimistas), ao passo que, para outros, a relação é inversamente proporcional (bêbados-filósofos otimistas). A saída estética é, sempre, interior, subjetiva, particular, intransferível. Um, torna-se monge, outro, faz serviços sociais, outro, torna-se cirurgião, outro, casa, outro, suicida-se.

7. Eu penso que a noção de absurdo da existência é, a rigor, própria da pragmática estética. É a consciência humana quem "interpreta" um sentido de absurdo na "vida" - fenômeno que, contudo, não é, nem de longe, "universal", nem poderia ser, já que se trata de fenômeno estético, logo, personalíssimo. Seria, contudo, um erro, responsabilizar a natureza por isso (heurística) ou as condições concretas e materiais de vida (política). É, sem dúvida, uma expressão estética da consciência humana - se bem que, nem por isso, menor.

8. Ora, ora, e o que dizer do arroubo "profético" em face da consciência do absurdo da vida? Um equívoco tanto de dignóstico quanto de terapia, porque, vá lá, é certo dizer que o sujeito sente dor, mas, se o médico confunde a causa (ele considera que se trata de uma condição "material"), há de receitar Amós, quando, talvez, fosse o caso de Eclesiastes. Bom médico não é o que sabe o nome dos remédios, nem aquele que sabe que remédio serve para que patologia, mas aquele que consegue identificar concretamente o caso desse doente aqui, e, claro, não está reprovado naqueles dois quesitos anteriores.

9. O grito da Filofia ou o esgoelar-se profético talvez resolvam o problema estético do filósofo e do profeta, talvez lhes dêem a sensação subjetiva do combate cosmogônico. Mas, Jimmy, o problema, nos termos em que você o levanta, recorrendo, ainda, a um Camus, é estético! Nem a ponta do dedo do profeta pode tocar essa região. Ela é só. Ela, sim, é intratável, senão pelo próprio sujeito tomado pelo absurdo, quando for o caso...

10. Mas que seja: se gritar parece bom, grita...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio