segunda-feira, 2 de março de 2009

(2009/041) Jimmy ressuscitou (VII)


1. Precisamos dar um termo a esse ressuscitamento, de modo que é bom tratar, logo, dos parágrafos que faltam. O leitor fique à vontade, o Google é enorme, mas meu dever impõe-me terminar aquilo que comecei.

2. O parágrafo oito do post de Jimmy ((2009/030) Racionalismo blasé e experiência religiosa: a razão cega diante do intratável) parece revelar de modo bastante claro qual é o ponto em que Jimmy deixa escapar o problema de sua perspectiva, a perspectiva com que ele se pronunciou um tanto quanto imoderadamente: não conseguiu, em nenhum momento, situar, pragmaticamente, as esferas da ação humana que ele analisa: "há algo que me impede de permanecer (tão somente) nessa circularidade heurística. Não sei bem como traduzir – os filósofos judaicos chamam de pathos. Em nossa tradição filosófica se aproxima muito dos gritos da filosofia existencial. Algo que não se conforma com essa circularidade hermenêutica da razão".

3. O argumento de Jimmy é que o XIX - naturalmente a crítica do XIX, porque Rudolf Otto ele já tirou da circularidade cega, Otto é um "iluminado"!), e, com o XIX, eu (Jimmy mete Haroldo na roda, mas não serei eu a trazê-lo para meu argumento), somos como mariposas racionalistas rodopiando, cegas - veja-se o título de seu pronunciamento! -, e, posto que cegos, não podemos sair desse vício de dar cabeçadas contra o céu de chumbo. Ele, não. Ele até diz estar na circularidade ("há algo que me impede de permanecer (tão somente) nessa circularidade heurística"), mas que, não tendo se deixado cegar por essa heurística racionalista, ele dá um jeito de escapar e borboletear por outros pontos da existência... E dá o nome ao portal tridimensional que o teleporta para lá: pathos.

4. Jimmy, do que é que estamos tratando? De epistemologia ou de voluntarismo? Deixe-me dizer o que é voluntarismo: um cristão acredita que, só por ter nascido, vai pro inferno (claro, escreveram-se lá capítulos para discutir o momento preciso, a idade, natural e psicológica, em que o diabo escreve o nome do sujeito no Livro do Inferno, e o bom teólogo tem de saber essas datas todas, mas falo, aqui, em termos gerais), e, de forma voluntarista, ele crê que basta dizer "sim" para o Cristo da Fé (há lá variações as mais criativas, mas, na média, é isso aí) que, pronto, o "problema" está resolvido. Isso é voluntarismo. Em outras palavras: basta que você considere o problema resolvido, que ele está resolvido.

5. Pois bem: você considera que isso que chama pathos resolve o problema - então, porque você o considera resolvido, puf!, por voluntarista prestidigitação, ele está resolvido. Ah, se a fome mundial se resolvese assim... No entanto, Jimmy, quero lhe dar uma notícia ruim, quero dizer, ruim para quem ainda leva a sério saídas voluntaristas: nenhum problema heuríustico resolve-se de forma patológica/passional. O máximo que pathos pode fazer é mover você para pagar o preço da pragmática heurística. Porque o preço há e é caro. O pathos, em si, não é saída para nada - é, quando muito, Jimmy, ópio (com o que não quero, nesse ponto, criticar a saída como ópio, mas apenas descrevê-la como tal - que é o que ela é: ópio).

6. A epistemologia heurística está interessada nos problemas relacionados à existência humana em sua interface com a matéria, com a "natureza" - nesse caso, também consigo mesmo enquanto "natural". As projeções míticas/mitológicas próprias da alienação humana não podem ser usadas como substituto para a sua própria investigação. É a própria mística, a própria projeção, o pahos em si de lançar-se para o Tudo e para o Nada que têm de ser investigados - ou, sob outra rubrica, você se refugia neles, mas, com vergonha da situação, ainda alega pôr um dos pés na heurística.

7. Um investigador pode entregar-se ao pathos da mística? Pode. Pode "viajar" em sonhos, utopias, desejos? Pode. A estética e a política são dimensções co-naturais do "homem", constituindo 2/3 do modo como o homem lida com a existência: heurísta (1/3), estética (1/3) e política (1/3). Cada esfera tem sua competência, Jimmy, e a do pathos, acredite, não é o "conhecimento" - pelo contário. Ele é o da paixão, do desejo, da entrega, da libido. É a esfera do querer, a esfera do querer querer (que a depressão, eventualmente, inibe). E, como disse, querer que as coisas se resolvam (pathos), não resolve as coisas. Nem mesmo se esse pathos se ilude - esse é o termo, Jimmy, e se o sujeito não tem consciência de que sua ilusão é ilusão, tanto pior - com a idéia ainda mais alienada de que deriva de Fonte Insuspeita (preparo o bote em sua elegia ao profetismo, percebes?).

8. Deixe-me, pois, pôr as coisas em seu devido lugar - conforme as concebo, mediando-as por meio da pragmática. As relações eu/eu (subjetivas), são próprias da estética, a dimensão do fruir e do gozar. As relações eu/tu (sociais) são próprias da política, a dimensão do querer. As relação eu/mundo (objetivas) são próprias da heurística, a dimensão do saber. É tão simples que beira o constrangedor. E, todavia, alazões puro-sangue caem na vala comum da negligência. O XIX, a parte que você chama de "cega" (e eu junto) está interessado - e, meu Deus, você escreveu isso! - em como se pode conhecer e saber. O recorte está dado. Quando essa pergunta é feita, a prática religiosa/mística não a encoberta, nem a substitui, mas é abarcada por ela, e revela-se ilusória. Religião não gera rigorosamente nada de heurístico, conquanto gere fenômenos válidos no campo da estética e da política. Sua estratégia, não é à toa que ela começa "denunciando" meu "recuo" a um neokantismo apeliano: se você matar Kant, está salvo... Mata-o, Jimmy, se podes: ah, mas não por meio de Pathos, está bem?, porque essa saída é fraudulenta.

9. Sair da circularidade heurística por meio do pathos é uma falsa saída heurística, se é que você está interessado em saída, e não - ah, como sou malvado - em "entradas". As experiências extáticas, míticas, religiosas, superam o problema da heurística, o problema do conhecimento? Sim, num modo preciso: alienando a consciência humana desse problema espécífico, falsificando a realidade por meio da invenção de um mundo "outro" (gostam de escrever "Outro", mas é "outro" mesmo, sempre, seja qual for a hipótese). O quê, Osvaldo!?, o sujeito humano não pode decidir escapar por essa porta? Quem falou que não? Claro que pode! O que ele não pode é dizer que isso é visão, ao passo que as mariposas bêbadas são cegas, porque cego é ele, e de tão cego, inventa para si uma porta que nem sabe ser inventada, conquanto as informações estejam disponíveis. Mas o voluntarismo é assim: você escolhe a informação que serve...

10. Se você ler meus textos, verá que sempre deixo aberta a porta do mito, da mística, que sempre me confeso um místico e que vou inventando meus mitos aqui e ali, e, ainda, que a sanidade não é não criá-los, mas é manter a consciência de que são o que são, mito. Mas o que você quer é que a gente brinque de tratar isso como "saída". Não, Jimmy, nem que um milhão de profetas gritem, nem que o grito da Filosofia estoure os tímpanos da população da terra, grito não resolve nada. Mesmo na guerra, o grito é para arrebanhar forças internas do combatente (para "convencê-lo"!), e, eventualmente, assustar o adversário. Assim é o grito profético: um laço sobre a mente do ouvinte. Mas lamento: além de cego, você esqueceu de dizer que eu sou surdo também...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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