quarta-feira, 2 de junho de 2010

(2010/403) E o que tem a dizer-nos a Teologia?


1. "Durante muito tempo a teologia queixou-se do paradigma científico que não lhe reconhecia cientificidade e a relegava a um plano secundário, não lhe reconhecendo o direito a um discurso científico de conhecimento humano. Tal realidade imperou durante muito tempo e em diversos lugares, sendo que a teologia só podia falar para seus 'adeptos', pois seu discurso não era ouvido fora de seus muros. O reconhecimento oficial dos títulos e dos cursos de teologia significa que a sociedade, por meio de seu governo, reconhece à teologia amplo direito de cidadania, incluindo seu direito, talvez dever, de pronunciar um discurso que será ouvido pela sociedade, porque responsável, científico e autor de cultura e conhecimento" (Antonio Manzatto, A Teologia na Universidade - Perspectivas, Revista de Cultura Teológica, n, 69, 2010, p. 69).

2. A declaração consta do artigo citado. Originalmente, contudo, constou da "conferência (...) realizada no dia 29 de outubro de 2009, na celebração dos 60 anos da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo", a Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção. Agora, faz-se divulgar, na forma de artigo, guardada ainda, conforme nota lavrada na p. 63, na forma original da conferência. Digo-o, para que se reconheça tanto o contexto original da citação, quanto seu estado ainda preservado de "conferência".

3. E avanço. "O reconhecimento oficial dos (...) cursos de teologia significa que a sociedade (...) reconhece à teologia amplo direito de cidadania, incluindo seu (...) dever (...) de pronunciar um discurso que será ouvido pela sociedade, porque responsável, científico e autor de cultura e conhecimento". Alvíssaras! Oxalá! Não sei se é verdade que a sociedade esteja, de fato, interessado em ouvir qualquer discurso da Teologia. Mas confesso que, se estiver, e, dado que a Teologia está na Universidade, nada diferente se poderia esperar a não ser isso: um discurso científico e culto. O "alvíssaras" vai pela torcida quanto a uma possível consciência - finalmente! - disso. Não sei. O "oxalá" vai, justamente, por meu ceticismo. Sinceramente, não sei mesmo se a Teologia - e eu falo dos teólogos, claro, porque Teologia não há, o que há são teólogos - está mesmo interessada em discurso - de verdade - científico.

4. O próprio artigo, mais à frente, reconhecerá que a cientificidade da Teologia é uma cientificidade própria - "o trabalho teológico deve ser feito com rigor científico. A teologia não é simples enunciado da fé (...). Ainda que sua cientificidade lhe seja própria, deve ser respeitada por ela mesma, pois tal rigor lhe é exigido por seu próprio estatuto científico" (p. 70). Eu fico cá a pensar sobre o que quer dizer isso: uma cientificidade própria da Teologia... Ela não é uma das Ciências da Religião, logo, necessariamente, uma das Ciências Humanas? Se é, então não tem cientificidade própria. Se não é, não é científica. Assim, dizer que a Teologia tem estatuto científico pode ser a mesma coisa que afirmar que a Astrologia faz sentido. Faz. Claro que faz. A Teologia também. Se há inferno. Se há pecado. Se Deus é juiz - conquanto ame! Se Jesus é o único salvador... então faz sentido a Teologia... cristã. Mas se todos os ses que usei não passam de especulação metafísica, acabou-se o estatuto científico da Teologia.

5. Assim, voltamos ao início de minhas questões desde há algum tempo levantadas: a Teologia quer mesmo tornar-se ciência? Manzatto o deseja? Ou, no fundo, o que a Teologia quer é que seja reconhecida pelas Ciências a sua, digamos, peculiaridade "científica", a sua delicada idiossincrasia, qual seja: a fonte de suas verdades é a Revelação, as Escrituras, a Igreja? Justo! Legítimo! De Direito. De republicaníssimo direito - inalienável, até! Mas "científico"?

6. Por outro lado, esse parágrafo cairia como uma luva sobre os indicativos - todos - do Parecer CNE/CES n. 118/2009 - uma Teologia que parta de critérios e princípios acadêmico-críticos, científicos. E, no entanto, a Teologia "geme sob o peso da mão do Estado"... Ah, como dói o Parecer... E justamente por quê? Porque estabelecem-se aí obrigações contratuais à Teologia, que, a meu ver, mas posso estar enganado, vai-se saber!, pedem-lhe que se "submeta" à epistemologia das Ciências - com especial atenção ao princípio da exclusão do transcendente. Mas a especificadade da ciência teológica não seria, pergunto ingenuamente, justamente o fato de que, diferentemente das outras ciências científicas, a Teologia é uma ciência teológica, que, diferentemente das demais, não exclui o princípio da transcendência, porque, a rigor, é ciência da fé?

7. Da fé e do "magistério", ratifica o artigo, à p. 70! Eu entendo. Fala-se intramuros. Por isso, até, não se citam as Teologias não domésticas... Aliás, nunca. Até agora, teólogos só os há na Igreja, a crer nos artigos "teológicos"...

8. Fico por aqui. Naturalmente que provoco. É programática a provocação. Ainda vejo nu o rei, nua, a rainha. A Teologia está a fazer vergonha nos salões universitários. Como teólogo, envergonho-me. Perceba-se a transferência psicológica: envergonho-me, e transfiro minha vergonha a ela, à Teologia. É que eu queria que a Teologia cedesse. Mas, como eu disse, não há Teologia. Só há teólogos...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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