sábado, 7 de abril de 2012

(2012/371) Frases de (d)efeito - porque é preciso mais do que juntar palavras para se dizer algo inteligente

1. Acabo de ler uma frase de Paul Veyne (1): "a verdade é que a verdade varia". Veyne diz que a teria escrito no texto "Foucault révolutionne l'histoire", em Paul Veyne, Comment on écrit l'histoire, p. 203-242. A presença de Foucault não me surpreende...

2. "A verdade é que a verdade varia". Parece inteligente, não? No fundo, trata-se de um programa de desobjetivação, trata-se de passar para o campo da dinâmica dos fluidos e dos gases a matéria com que se faz a vida. Trata-se de reviver Pilatos - "a verdade?, mas o que é a verdade?".

3. Pois bem: se a verdade é que a verdade varia, deixem-me fazer uma pergunta - nesse momento, agora, em que eu acabei de dizer que a verdade é que a verdade varia, ela variou? E variou para quanto? Passou a ser, então, que a verdade é que a verdade varia um pouco?, que não varia?

4. Ora senhores, se a verdade varia, se aqui ela é uma coisa, ali outra, se cada dia é ela é uma coisa diferente, como pode haver uma verdade que não varie? E a frase pretende que haja ao menos essa verdade invariável - a de que a verdade é que a verdade varia. Essa verdade ("a verdade varia") só pode pretender que seja invariavelmente verdadeira - mas como se ela quer dizer que a verdade é justamente uma coisa que varia?

5. Por outro lado, se também essa verdade varia, isto é, a verdade de dizer que a verdade varia, então não posso empregá-la para dar como certo que a verdade varie, porque ela não é verdade invariável.

6. Jogos de palavras, senhores, jogos de palavras. É com que brincam os filósofos e historiadores que sentiram o nojo do real, ou reagiram às revoluções materiais desmaterializando a matéria...

7. Lembra-me a insistente citação que Vattimo faz de Nietzsche: "não há fatos, só interpretação de fatos". Bem, se é assim - e Nietzsche mesmo nunca creu nisso - também essa afirmação de Vattimo não é um fato, só uma interpretação. E ele tanto sabe disso que alega que não pode ser confrontada com o real ou com outras, para verificar-se sua procedência. Ele quer que ela seja tomada como retórica...

8. Sei. 

9. Losurdo está a dizer que Vattimo não pensa mais assim, hoje em dia.

10. Vamos aguardar para ver se isso é um fato.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

(1) Paul Veyne, Acreditavam os Gregos em Seus Mitos? Ensaios sobre a imaginação constituinte. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 134.

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