domingo, 26 de abril de 2009

(2009/224) Hans Urs von Balthasar


1. Não é a hora de eu tentar aproximar-me de Hans Urs von Balthasar. Foi considerado por Henri de Lubac, "que o teve como discípulo, 'o homem mais culto de nossa época'" (1). Como, Paulo, posso, então, me aproximar? Somente de longe, olhando pela fresta do grande salão, porque, nesse festa, ainda estou longe de entrar.

2. Mas uma coisa me deixa curioso. Como alguém pode desenvolver o que se tem chamado de "teologia estética", e, tendo escrito um comentário sobre a teologia de Karl Barth - e Karl Barth é ontologia pura, quer dizer, não tão pura, posto que é ontologia política, sobretudo -, o próprio Karl Barth chegue a dizer que "foi aquela na qual foi melhor compreendido" (2)? O próprio von Balthasar percebe nesse Barth um ponto de contato entre catolicismo e protestantismo (3).

3. Além disso, ouvi a respeito, ainda, uma outra coisa. Se bem que a fonte eu não a endossaria sem mais nem menos, uma vez que se trata de um libelo anti-Boff, do tipo próximo-inquisitorial, e, de qualquer forma, de um pronunciamento pela direita mais radical da teologia, consta que Hans Urs Von Balthasar teria afirmado que "a Igreja do século XXI deveria se preparar para receber um ataque de dentro, promovido pelos falsos cristos e falsos profetas que apareceriam como herança do iluminismo humanista" (4). Ora, como a "estética" pode receber e/ou perpetrar ataques? A "estética" não é pura subjetividade seletiva? Ou, para o teólogo da "estética teológica", estética é só a "teologia", a "mística", mas a Igreja, essa é política mesmo? Sim, até porque como há de se explicar - mesmo conceber! - uma estética "coletiva"? Só mesmo aquela programada, patrocinada e mantida por mecanismos de massificação de "tipos", como faz a mídia. O que estaria bem de acordo com um programa de catequese, afinal de contas... Mas, aí, já não estamos diante de um fenômeno de estétioca, mas da manipulação política da estética.

4. Aqui, sou obrigado a fazer aquilo de que menos gosto, porque me sinto em falta comigo mesmo - devo recorrer a um terceiro: a Mondin. Mondin assim explica o ponto de virada "estética" de von Balthasar. As primeiras teologias teriam sido "cosmológicas". Tratava-se aí de uma possibilidade em face da "sacralidade" de um mundo assim concebido, fosse nas filosofias de origem grega, nas filosofias de origem romana, fosse já na própria teologia cristã. A modernidade teria posto um fim no caminho cosmológico da teologia, a partir daquele momento em que o nascimento das ciências emancipadas começava a tomar posse das rotinas de conhecimento humano (5).

5. A essa altura, migrou-se, então, continua Mondi, para uma teologia de caráter antropológico. Uma vez que as ciências recém-nascidas/emancipadas tomavam para si o mundo da Natureza, a teologia tomava para si o mundo humano. No entanto, ao passo que o paradigma cosmológico da teologia teria durado mais de dois mil anos, o antropológico não dura nem duzentos - posto em crise, diz Mondin, por eles - sempre eles - Feuerbach, Marx e Nietzsche (6).

6. É nesse ponto que, à guisa tanto de uma descoberta, quanto de uma saída, Hans Urs Von Balthasar postula o paradigma "estético" para a teologia, ao mesmo tempo nem "a fé fanática dos simples", nem a "arrogante presunção gnóstica dos sabichões" (7). Quando von Balthasar fala de "estética", trata-se, a rigor, da noção de beleza (8).

7. Sempre segundo Mondin, o princípio hermenêutico do conceito transcendental da beleza para a teologia, conforme postulado por von Balthasar, seria compatível com o homem do século XX pelas seguintes razões: a) o paradigma, ao contrário dos dois anteriores, não é reducionista, e alcança a "mensagem revelada (...) em toda a sua complexidade", b) sem o componente estético, "não é possível nenhum conhecimento verdadeiro", c) somando-se ainda o fato de que "na intuição estética se encontra o outro como outro; e (...) desinteressadamente". bem como o fato de que "o belo como princípio arquitetônico da teologia" é um dos "princípios constitutivos intrínsecos essenciais" da teologia (9).

8. A rigor, a estética constituiria um dos três pilares de toda uma teologia que von Balthasar quisesse e pudesse ter pensado e composto. Começando pela estética, caminharia para a "bondade", e, então, finalmente, para a "verdade" (10), com o que, então, agora sou eu a dizê-lo, von Balthasar organizaria a teologia - em tese - sob um programático regime pragmático. Com isso, quero referir-me à noção epistemológica que compreende o conjunto das ações intencionais humanas organizadas em três eixos independentes e mutuamente relacionados - estética, política e heurística, ou, para o dizer nos termos de von Balthasar - o belo, o bom e o verdadeiro.

9. Von Balthasar não chegou a completar sua obra, conforme planejada, antes de sua morte, em 1988. Planejava-se compor um monumento - Herrlichkeit ("Gloria") - que deveria ser composto em três partes: Estética, Dramática e Lógica. Eine Theologische Aestetik, em sete volumes, constitui o pilar propriamente estético de sua "trilogia", aos quais se fazem acompanhar os volumes Theologik (1968) e Theodramatik (1980), que constituem, respectivamente, esboços das contrapartes "lógica" ("heurístca") e "dramática" ("política") de sua Teologia. Apesar de constituírem o coração mesmo de seu empreendimento teológico, esses vlumes compreendem apenas uma pequena parcela de sua gigantesca produção impressa.

10. Da qual nem me arrisco a pretender dar cabo. Como? O que não significa que me furtaria a comentar um ou dois pontos. O primeiro deles é que não posso evitar uma comparação entre von Balthasar e Descartes. Este, diante da tentativa de construir um novo acesso à velha pretensão - conhecimento - estabelece o princípio, ainda platônico, do "pensamento" como "fundamento - conquanto, nesse caso, programaticamente emancipado do princípio da "autoridade", deve-se insistir, porque é um avanço em relação ao idealismo político de Platão. Von Balthasar não faz o mesmo, quando, escapando de uma confissão teológica de caráter cosmológico ou antropológico, refugia-se, para início de conversa, num argumento "estético"? Ora, mas o estético não se transforma, automaticamente, em ontológico, quando é tratado em si mesmo, independentemente da subjetividade humana? Tirem-se as mitocôndrias do homem, e Descartes fica sem ter onde enfiar seu "cogito". Suprima-se o fundamento antropológico, e a "estética" de von Balthasar há de ser reduzida a nada. Mesmo a estética, é, em von Balthasar, já, ontologia. E isso simplesmente me parece um problema epistemológico muito sério, que faz de todo esse colocassal monumento a sombra de uma racionalização da tradição.

11. Além disso, não vejo como um modelo teológico clássico poderia sobreviver a uma abordagem verdadeiramente pragmática. No momento em que se entregasse à heurística, mas isso de forma comprometidamente científico-humanista (a teologia de von Balthasar não quer falar ao homem moderno?), sentiria todas as suas carnes tradicionais ruírem, confessando-se mito, mesmo que aí se encarasse, de frente, a tradição. Mas não. Tudo permanece como sempre, independentemente da "lógica" - a rigor, racionalização a serviço do sistema. Da mesma forma como Aquino coopta e coonesta Aristóteles, e imuniza a teologia tradiconal contra o vírus anti-metafísico potencial aristotélico, von Balthasar, parece-me, coopta e coonesta o princípio pragmático, subdeterminando ao discurso estético-político a dimensão crítica do sistema - heurística -, transformando-o em mero legitimador racionalizador da arquiterura. Com o que subverte a pragmática - adultera-a. Porque o princípio heurístico ou é refutável, ou não se trata, realmente, desse princípio...

12. Mas o leitor de Peroratio há de saber que não li a obra de von Balthasar. Deve saber que essas observações servir-me-iam de roteiro. Lendo-o, eventualmente, eu estaria muito, muitíssimo interessado em saber como o teólogo pôde - pôde mesmo? - ter suprimido uma teologia antropológica (improcedente, como ele mesmo reconhece) ao mesmo tempo em que afirma uma "estética", e isso, ainda por cima, "logicamente" fundamentada. Suspeito que os nomes sejam novos, mas o espírito ainda é o de Platão.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

1. Batista MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 207.
2. Idem, p. 209.
3. Idem, p. 211-212.
4. Marcus BOEIRA, O Surrealismo na Teologoa da Libertação. Mídia Sem Máscara, n. 163, 09 de abril de 2009, disponível em 26/04/2009 no endereço http://www.midiasemmascara.org/index.php?Itemid=36&catid=92:religiao&id=105:o-surrealismo-na-teologia-da-libertacao&option=com_content&view=article.
5. Batista MONDIN, op. cit., p. 214-215.
6. Idem, p. 215-216.
7. Idem, p. 216.
8. Idem, p. 216.
9. Idem, p. 216-218.
10. Idem, p. 218-219.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio