1. 25 de abril passou. Em Portugal, comemorou-se a Revolução dos Cravos - 1974. Foi quando, depois de quase meio século de ditadura, viveu-se ali um período revolucionário. Em atenção àquele 25 de abril de 1974, Chico Buarque compôs Tanto Mar:
2. Naturalmente, os censores do regime militar brasileiro, à época no poder, não gostaram da obviedade da referência à Revolução. Chico Buarque, então, alterou a letra:
3. Hoje, sobrevivem as duas versões - das quais eu prefiro a primeira, por questões óbvias, conquanto a segunda não deixe de dizer a que veio.
4. Há episódios semelhantes nas Escrituras. Textos que, por alguma razão, cada caso sempre é um caso, foram re-escritos, seja pelos mesmos portadores da tradição original, seja por censores, que, contudo, se viam na necessidade de substituir, e não simplesmente suprimir, o texto tradicional. Seja como for, lá estão, tanto a versão original, quando a versão alterada, porque ambas sobreviveram, foram incorporadas ao cânon e chegaram até nós.
5. Alguns casos: Sl 53 versus Sl 14. Para mim, o original é o 53. Além de outras alterações mínimas, o penúltimo verso é totalmente alterado na versão do Sl 14, e é justamente nesse verso, do 53, que a causa da re-escrituração do salmo se encontra: trata-se de uma crítica incontornável ao comportamento do rei de Jerusalém durante um cerco militar (talvez se trate de Ezequias!).
6. Judas versus 2 Pedro 2 - o original me parece Judas. 2 Pd 2 dificilmente deixaria de ser uma re-escrituração de Judas, com a supressão programática da referência explícita e implícita à literatura que, hoje, classificamos como apócrifa, mas que Judas usa com força de Escritura (Enoque, Testamento dos Doze Patriarcas e Ascenção de Moisés).
7. 2 Samuel 24 versus 1 Crônicas 21 - o original é obviamente 1 Samuel 24. Lá, a "ira de Yahweh" é o agente promotor de uma ação da parte de Davi que acaba sendo castigada muito severamente pelo próprio Yahweh. Já em 1 Crônicas 21, o agente promotor não é mais a "ira de Yahweh", e sim um ainda não muito específico "adversário de Yahweh".
8. Não deixaria de considerar as duas séries de duas narrativas de criação e dilúvio. A meu ver, trata-se de dois sitemas binários, um, do final do século VI e outro, de meados do século V. Mas, aqui, a questão se torna muito mais problemática.
9. Há outros casos, muitíssimos, até, nos Evangelhos. Descobri-los é chegar cada vez mais perto da constação que já me parece irrefutável: as Escrituras não apenas são históricas, no sentido em que nasceram, pouco a pouco, na História. São, ainda, no sentido mais profundo - são filhas do jeito humano, histórico, de fazer escritura, de fazer, refazer, desfazer.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
4. Há episódios semelhantes nas Escrituras. Textos que, por alguma razão, cada caso sempre é um caso, foram re-escritos, seja pelos mesmos portadores da tradição original, seja por censores, que, contudo, se viam na necessidade de substituir, e não simplesmente suprimir, o texto tradicional. Seja como for, lá estão, tanto a versão original, quando a versão alterada, porque ambas sobreviveram, foram incorporadas ao cânon e chegaram até nós.
5. Alguns casos: Sl 53 versus Sl 14. Para mim, o original é o 53. Além de outras alterações mínimas, o penúltimo verso é totalmente alterado na versão do Sl 14, e é justamente nesse verso, do 53, que a causa da re-escrituração do salmo se encontra: trata-se de uma crítica incontornável ao comportamento do rei de Jerusalém durante um cerco militar (talvez se trate de Ezequias!).
6. Judas versus 2 Pedro 2 - o original me parece Judas. 2 Pd 2 dificilmente deixaria de ser uma re-escrituração de Judas, com a supressão programática da referência explícita e implícita à literatura que, hoje, classificamos como apócrifa, mas que Judas usa com força de Escritura (Enoque, Testamento dos Doze Patriarcas e Ascenção de Moisés).
7. 2 Samuel 24 versus 1 Crônicas 21 - o original é obviamente 1 Samuel 24. Lá, a "ira de Yahweh" é o agente promotor de uma ação da parte de Davi que acaba sendo castigada muito severamente pelo próprio Yahweh. Já em 1 Crônicas 21, o agente promotor não é mais a "ira de Yahweh", e sim um ainda não muito específico "adversário de Yahweh".
8. Não deixaria de considerar as duas séries de duas narrativas de criação e dilúvio. A meu ver, trata-se de dois sitemas binários, um, do final do século VI e outro, de meados do século V. Mas, aqui, a questão se torna muito mais problemática.
9. Há outros casos, muitíssimos, até, nos Evangelhos. Descobri-los é chegar cada vez mais perto da constação que já me parece irrefutável: as Escrituras não apenas são históricas, no sentido em que nasceram, pouco a pouco, na História. São, ainda, no sentido mais profundo - são filhas do jeito humano, histórico, de fazer escritura, de fazer, refazer, desfazer.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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