sexta-feira, 27 de março de 2009

(2009/119) Minha indignação, meu pecado


1. Mas nem de longe acato, mais, a doutrina platônico-paulina-agostiniana de um "pecado original", um "estado" amaldiçoado e determinista de pecaminosidade, o que não significa que não reconheça meus próprios pecados, no sentido de ações que me ferem a mim mesmo, ferem pessoas, ferem regras. Há pecado, sim, é minha constatação, conquanto, não, original.

2. Assim, à luz daquela belíssima passagem do Evangelho, nos termos da qual Jesus reconhece haver pecado no mundo ("vai em paz, e não peques mais"), conquanto recuse toda forma de condenação, mesmo a sua ("onde estão teus acusadores? Não te condenam mais? Nem eu. Vai em paz [passagem essa em que bem o cristianismo paulino poderia ter-se arrimado para constituir-se, antes que sobre o ideário sacrificial/sacerdotal do templo]), toda indignação contra o pecado - alheio - é um pecado, porque "esquece" o próprio pecado cotidiano.

3. Assim, minha postagem anterior é representação inequívoca de meu pecado diário, eu, pecador - e o sou, Deus o sabe! -, elevando-me à altura de pôr o dedo em riste... Pecado. Que, contudo, pratiquei com consciência, numa aritmética de somar e subtrair prós e contras. É melhor pecar esse pecado, do que passar ao largo - há ocasiões em que somente se pode escolher entre um pecado maior e um menor (e, sim, há pecados maiores e menores, não sejamos cínicos). Todavia, é um pecado a minha indignação com a teologia, porque eu mesmo carrego os meus pecados. Se minhas acusações são pedras, dois pecados cometi. No entanto, postulam apenas a constação do pecado da teologia, que, não obstante, não suprime os meus, e não são pedras que lanço, mas lamentos.

4. O teólogo que eventualmente se sinta ofendido, a esse peço sinceras desculpas. Entretanto, pode ser que um teólogo se sinta no dever de, em nome de Deus, promover a "libertação" - seja do diabo, seja do pecado, seja da opressão, seja em recorte teólógico-metafísico, seja em recorte político-sociológico. Nesse caso, vejo-me forçado a pecar outra vez.

5. E eis meu novo pecado: dizer que, onde quer que uma pessoa, uma comunidade e/ou uma instituição presumam e/ou postulem a "libertação" de si ou de terceiras consciências em nome - isso é importante - de Deus, o resultado do eventual engajamento em torno dessa cruzada constituirá, não obstante, não-libertação, ou, em outros termos, troca de senhor. Não há a mínima possibilidade de uma libertação em nome de qualquer coisa que não a própria consciência - naturalmente que se deve reconhecer que falo, aqui, da libertação da consciência humana, autonomia, em face de qualquer autoridade, heteronomia, questão essa que não deve ser posto sobre a questão mais concreta da libertação político-econômica humana, nos termos em que, por exemplo, Marx a coloca. Deus, a rigor, essa idéia, não promove libertação, conquanto a substituição de um senhor por outro possa, efetivamente, melhorar as condições do escravo: por pior que fossem as condições da escravidão, em sentido humanista, eu o digo, seria, para o escravo concreto, imensamente mais feliz a sua sorte se caísse nas mãos de um "bom senhor", um Boaz, digamos, do que cair nas mãos de um déspota cruel. No entanto, num ou noutro caso, o escravo é o que é - escravo.

6. Liberdade absoluta, do tipo metafísico, que a ontologia filosófica postula, é quimera. Não existe. O homem não é, nesse sentido, nem jamais será, livre. Mas a condição humano-ecológica de liberdade pode, sim, ser alcançada, a depender das condições sociais, se para isso elas trabalham, se para isso se constituem. Não será, é a minha hipótese, por meio da idéia de Deus - e de nenhuma idéia semelhante - que a sociedade se libertará, mas, somente, por seus próprios meios, por meio do estabelecimento de leis e condições sociais que tenham por objetivo a manutenção de liberdade humana, limitada essa liberdade, sempre, pela liberdade do outro e a liberdade da sociedade como um todo, gravitando elas, essas liberdades de um, do outro, e de todos, em torno do sol igualdade, animadas pela fraternidade.

7. Não foi, até hoje, nenhuma religião, nem nenhuma teologia, nem nehuma fé, aquela teoria humana que conseguiu constituir o melhor modelo concretamente possível para a expressão, para a emergência dessas liberdades necessárias - de um, do outro, de todos. Foi, apenas, a idéia do Estado Democrático de Direito, a idéia da República, a idéia do Estado Moderno. Se, num sentido, ele carrega consigo a idéia de "controle", essa idéia sustenta, como garantidora, a possibilidade das liberdades gerais, articuladas e negociadas na ágora e no diálogo. Nesse modelo, nesse jogo, Deus não é libertador - antes, foi por meio de sua exclusão do jogo que ele se pode constituir como tabuleiro. Uma teologia que disso não faz caso ou é convictamente medieval, ou se fez defintivamente cínica.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

SD disse...

Obrigada Oswaldo pela dica do texto de crítica a Morin! Vou dar uma olhada mesmo! =D

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio