2. Você vai ler por aí que se trata da batalha homens versus mulheres. Mas muitas outras religiões ocidetais, ou no Ocidente, não seguem essa interdição - as religiões de matriz africana, por exemplo, desconhecem essa briga "homens versus mulheres". Uma das mais famosas líderes budistas brasileiras é uma mulher...
3. Esboço um explicação. Primeiro, tenha-se em mente que em Israel e em Judá, antes do século VI a.C. havia tanto sacerdotisas quanto profetizas. Na Grécia, idem. O mais famoso oráculo grego era uma mulher. A importância da liderança religiosa feminina era tão grande em Judá que o texto da suposta reforma de Josias precisa situá-la no contexto de uma consulta à Hulda, a profetiza.
4. De repente, elas desaparecem de Judá. Isso se dá quando os sacerdotes assumem o poder. Nesse período, desaparece quase que por completo a profecia, e as mulheres são interditadas ao ofício religioso. O serviço foi tão bem feito que a presença de uma apóstola entre os seguidores de Jesus deixa muito teólogo diplomado constrangido, e é do desconhecimento praticamente total dos cristãos de banco de igreja.
5. Parece seguro afirmar que os sacerdotes de Judá foram os responsáveis por impedir que as mulheres pudessem ser profetizas e sacerdotisas. A questão é como fizeram isso.
6. Bem, a ação política se dá em dois níveis: no curto prazo e no longo prazo. No curto prazo, primeiro se toma a faculdade do oráculo, passando a afirmar que quem é o mensageiro de Yahweh são os sacerdotes (Malaquias 2,7), e, em segundo lugar, prescrevendo o fim categórico da profecia (Zacarias 13). Morte aos profetas! Há quem interprete essa passagem muito convenientemente como se tratando de "falsos profetas". Mas essa é uma questão ridícula, naturalmente...
7. No longo prazo, é preciso convencer as próprias mulheres que elas são indignas. Como isso foi feito? Minha resposta - e risco: Levítico 15. A menstruação foi usada como argumento, sendo transformada em universal causa de imundície feminina e, por isso, condição interditante para o ofício religioso.
8. Escrevi sobre isso em um artigo publicado pela Revista Brasileira de História das Religiões e não vou desenvolver o argumento aqui. Mas uma lei existente, na qual homens e mulheres podiam incorrer igualmente em situações de interdição ritual foi transformada em uma lei em que a menstruação é causa de imundície. Na lei, ainda hoje, permanecem o fato de que homens que ejaculam, têm doenças venéreas e fazem sexo ficam igualmente imundos, mas isso certamente você jamais ouviu na igreja. Um pastor que faça sexo com sua esposa não se considera imundo, conquanto considere compreensível que a menstruação seja tratada como imundície. Para mim, os sacerdotes transformaram a lei em um instrumento de argumentação quanto à condição imunda da mulher, com isso impedindo-as de exercerem o ofício religioso. Em 500 anos, a lei já estava tão aprofundada na cultura, que você conhece a cura de Jesus da mulher com hemorragia menstrual, mas Jesus não precisou curar nenhum homem que ejaculou ou fez sexo, porque essa parte da lei foi simplesmente descartada do uso político, ao passo que a parte da lei que tratava da menstruação tornou-se a coisa mais importante das relações de pureza.
9. Por que hoje não se repete que a mulher não pode ser pastora, madre, o raio que o parta, porque menstrua? Porque depois de algum tempo ensinando as meninas, as jovens, as mulheres e as velhas que elas são intrinsecamente imundas, não se precisa mais dar a razão: todo mundo sabe que a mulher é imunda e pronto. Mas, no começo, elas não eram. Por isso, os sacerdotes tiveram que inventar uma forma de fazê-las ter de si essa imagem, que perdura até hoje.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2 comentários:
Por curiosidade fiz buscas pela palavra "profeta" em Malaquias. Só aparece em Ml 4,5, no acréscimo. O serviço dos sacerdotes foi bem feito, mas um "colaborador" inseriu alguns versos no final e estragou tudo.
Top
Postar um comentário