sexta-feira, 19 de julho de 2019

(2019/021) Religião e ética - só conheço duas possibilidades


1. Só conheço duas formas possíveis de lidar eticamente com a religião. Nos dois casos, trata-se de considerar as religiões, todas as religiões, da mesmíssima maneira.

2. De um lado, pode-se tratar todas as religiões como se trata a própria. Se a pessoa tem uma religião, então deve aplicar a todas as demais os mesmos critérios de avaliação geral que aplica à sua: seu deus existe, então, a despeito do que sua religião diga dos outros deuses, você mesmo dirá que existem, porque, se o seu existe, então os deuses das outras religiões existem também. Se um religioso diz que seu deus existe, mas os deuses das outras religiões, não, então esse religioso é um bom filho de doutrina, mas um péssimo representante da ética humana.

3. Outra possibilidade é tratar todas as religiões como criações da cultura, logo, invenções humanas, considerando-se igualmente os deuses, todos, como também invenções humanas. Não é que uma pessoa assim terá de deixar de ser religiosa. Ela pode continuar sendo religiosa, mas será uma pessoa religiosa de um tipo totalmente diferentes dos religiosos que hoje caminham pelas ruas, porque estes acham realmente que os discursos de sua religião são descrições mesmas e reais da realidade, e não são: são mitos interpretativos, construídos não pelos próprios religiosos, mas pela elite histórica. O mais comum, todavia, é que quem assim considere o conjunto das religiões assuma uma forma não religiosa de vida.

4. Como eu disse, desconheço outra forma de ser ético, ao lidar com as religiões. Conheço poucos religiosos éticos. Realmente poucos. Agora, é bastante mais fácil para não monoteístas serem, então, ao mesmo tempo, religiosos e éticos. O problema mesmo, se não a impossibilidade, é o caso do religioso monoteísta. Há até casos de pessoas que, nas ruas, aparentemente, mesmo sendo monoteístas, recebem amorosamente não religiosos ou não monoteístas. Mas quando falam na igreja, quando leem a Bíblia, expressam o discurso exclusivista que desgraçadamente está marcado naquele livro e naquela tradição. É uma contradição. E essa contradição se deve à insuficiência da operação que se iniciou na mente desse religioso: é preciso derrubar ainda mais fundo a masmorra em que se vivia...







OSVALDO LUIZ RIEIRO

3 comentários:

O Tempo Passa disse...

Osvaldo,
Prazer em te encontrar na Web depois de tanto tempo!
Estive perdido nas redes infernais (twitter e facebook) até que disse um "basta de bosta!" e resolvi usar meu tempo em coisa mais agradável. Realmente, as redes estavam me fazendo mal, e depois que vi "Privacidade Hackeada", no Netflix, fiquei mais enojado ainda.
Voltei aos blogs e, de todos os vinte e tantos blogs que eu seguia, apenas uns 3 ou 4 ainda estão ativos... pena, né!
Bem, é um prazer voltar a ler teus textos! E, só pra vc saber, continuo firme nas leituras de Morin!!!
Abraços!

Marcelo Castro disse...

Olá, Professor! Uma pergunta: e quando o religioso (cristão, por exemplo) não diz que o deus do outro é falso ou inexistente, mas sim que o deus do outro é o mesmo dele (no caso, é o mesmo Jesus), porém o religioso da fé alheia ainda não sabe disso (que é o mesmo Jesus, pois só pode existir um deus)? Pode-se citar a passagem de que Abraão adorou Yahweh mas não sabia disso (El Shaday já não era mais). Então, o religioso que faz isso tentando "aceitar" essa pessoa da religião alheia com esse discurso, o quanto ele está sendo ético ou não?! Abraço!

Peroratio disse...

Olá Marcelo, obrigado por seu comentário. Bem, na minha opinião, é uma falsa saída ética. Experimente uma alternativa: digamos que um candomblecista diga que todos os deuses, inclusive o deus cristãos, e também sua forma "Jesus", sejam, na verdade, um único deus ou orixá, Olorum ou Exu, por exemplo. Ou que um islamita diga que na verdade, Jesus é Alá. Eu duvido que um cristão achará a tese "boa". Posso ver teólogos dando saltos de meio metro! Na verdade, a transformação do outro em uma imagem de si mesmo é a estratégia que se usa para fazer de conta que o outro é aceito: se eu digo que o deus do outro é o mesmo deus meu, ainda que ele não saiba, eu o transformo em outro eu e, condescendentemente, o "aceito". Não se trata de aceitação nem diálogo, mas uma espécie de neo-evangelização. A prática é muito comum em "manuais" de "diálogo inter-religioso".

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