sábado, 28 de março de 2009

(2009/121) De pinhas e guirlandas


1. Em Teresópolis, podem-se recolher, por todo canto, pinhas, recém ou há muito já caídas de pinheiros, abetos ou cedros. Você as chama de pinha, os botânicos, de estróbilo, e você e o botânico ficam satisfeitos. Há, contudo, uma diferença. O botânico trata a "pinha", para ele, o "estróbilo", como uma estrutura funcional (reprodutiva) de uma espécie viva, que, tendo cumprido sua função, proteger as sementes até que estejam prontas, desprende-se da árvore, para morrer, se o desprender-se já não é, em si, a própria morte.

2. Já você, nem está interessado em saber se a pinha é fruto, folha ou qualquer outra coisa. O que interessa a você é encontrar uma, duas ou três pinhas bem harmoniosas, simétricas, com cada uma das formações intacta, viçosa, sem parte alguma quebrada nem manchada, e sem fungos. O que você tem em mente é um enfeite, seja de Natal, seja para qualquer outra ocasião feliz, e você pensa em fitas, em arames, em efeitos de brilho e cor, na expressão feliz dos convidados da festa, na alegria da casa, na felicidade das pessoas, em como essas pinhas vão dar um efeito mágico às suas comemorações. É isso que você quer. É para isso que lhe servem as pinhas. O pinheiro?, bem, o pinheiro continuará a vida dele, até quando você, ano que vem, no próximo, precise de mais um punhado de pinhas baldias, com quando pensará em uma boa guerra entre amigos, e por isso, irá atrás de mamonas.

3. A pinha é o texto bíblico - a guirlanda, o cânon. Há alguma coisa a ser feita com o cânon. Eventualmente, até festa. Fala-se até da possibilidade de uma "teologia" do cânon, uma expressão austera. B. S. Childs gosta de pensar em suas pinhas amarradas umas às outras, um arame aqui, recolhido àquele Concílio, uma fita ali, solicitada àquela escola filosófica, um ou dois pontos de purpurina prateada, guardada de experiências litúrgicas e pastorais. Haverá, decerto, o gosto do clima - uma guirlanda de Childs, no frio norte estadunidense, conquanto se faça das mesmas pinhas, não há de ser como um enfeite tropical que o nosso bom Schwantes eventualmente proponha pendurar à porta da festa da fraternidade. Afinal, olha-se para o cânon com os mesmos olhos com que se olham as suas pinhas, de modo que cada qual faz sua própria guirlanda... e festa.

4. Entendo as guirlandas, as festas em torno delas. Entendo o cânon, a cerimônia de iniciação aos regimes de submissão à sua severidade ou, eventualmente, sua programática abertura. Entendo, sim. Mas não gosto da festa. Nem acho bonitas as guirlandas. Não se poderia me convidar a uma delas, sem que se exigisse de mim, das duas uma, ou uma recusa sincera e pouco politicamente correta, ou uma aceitação profissional, por dever, assim digamos, a esperar hora e meia de desconforto. Por melhor que seja a festa, se não é aí que queremos estar...

5. O que me atrai são as pinhas, caídas na terra. Aproximar-me, com cuidado, para não pisar-lhes a casca apenas aparentemente dura, mas frágil, frágil, como grãos de ontem. Observá-las de perto, contar-lhes os bracinhos de deitar sementes, há muito idas. Olhar a altiva árvore do tempo. Imaginar desde que galho elas tombaram, quando? Como a conchas, pô-las à altura do ouvido, como a tentar que me digam, elas mesmas, é possível?, seu nome, diga-mo!, sua idade, conta-mo!, do pó que carregam, vos suplico...

6. A minha aproximação às pinhas não é comparável à dos preparativos de Natal, mas à dos botânicos. Não é melhor, não é pior, mas é marcada por uma preocupação comprometida com a história mesma da pinha, não com a minha. Não é a minha festa, agora, que me interessa, mas a própria pinha, sua festa - eventualmente, sua dor e tragédia.

7. Exegese, para mim, é como recolher pinhas aos pés de uma Pinaceae, para as estudar, para as compreender, para estudá-los, para os compreender. Aliás, ao que tudo indica, se eu fosse um desses antigos pinheiros, ainda vivos, e os há de inacreditáveis quase dez mil anos, então poderia ter ouvido, com meus próprios ouvidos, visto com meus próprios olhos, o dia em que nasceu cada uma das minhas pinhas queridas, quero dizer, o dia em que se disseram e se compuseram todas as centenas e centenas de pinhas de que se constitui o pinheiro da Bíblia Hebraica. Ah, se eu soubera a língua dos pinhais... essa seria a minha festa!




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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