sexta-feira, 27 de março de 2009

(2009/118) Política e teologia


1. Sem muitos rodeios, digo-o de vez: a política nacional me dá náuseas. Com política, aí, quero-me referir à prática concreta, formal, institucional, partidária, da gestão legislativa, executiva e judiciária da sociedade. Falo, para empregar uma metonímia, de "Brasília" (mas, também, das "capitais" e das "municipalidades" - naquilo que o termo "Brasília" tem de metonímico para a prática política. Há exceções? Deve haver, e tão raras, contudo, que, para o que me interessa, aqui, de exceções raras não passam.

2. O que me causa asco na política nacional constitui-se de uma hendíade (dois termos que constituem um só): corrupção e cinismo. O grau de corrupção, de que, nós mortais, cidadãos, suspeitamos (apostaríamos braços e pernas nisso) é tão grande, tão óbvio, tão ululante, chegou-se a um ponto de não-retorno tão grande, é tão endêmica, tão entranhada nas artérias dos Poderes (para o que conta com a ajuda dedicada de gigantesca parte da sociedade civil e do empresariado nacional, bem como da mídia, porque não há corrupção de um só lado), que a distinha senhora Corrução faz-se, agora, acompanhar de um distinto amigo, o senhor Cinismo.

3. No caso da política nacional, o cinismo é a capacidade de o política praticar toda sorte de ilegalidades, imoralidades públicas e que tais sem, com isso e por isso, constranger-se, de modo que não tem vergonha de mostrar a cara onde quer que seja, dizer as mais deslavadas e disparatadas mentiras (o repórter sabe que é mentira, o âncora sabe que é mentira, eu sei, tu sabes, ele sabe, todos sabem, e, contudo...) diante de Deus e do mundo. O cinismo é o estado da alma afundada num modus vivendi absolutamente desligado da civilidade humanista, dos valores republicanos, dos cânones éticos do Estado Democrático de Direito.

4. Desse status quo, aquilo que me parece ter contaminado a teologia é o cinismo. Não que não haja casos de corrupção também na teologia (quando teologia, por exemplo, funciona como um conjunto onde cabem todas as práticas profissionais - do exercício do "sacerdócio" à catedra, às assessorias, às escrevinhações, às capelanias, às missões etc.), mas o que me parece fundamentalmente endêmico - porque, nesse caso, a corrução não me parece endêmica, ainda, na teologia, nesse amplo sentido com que aqui a emprego - é o cinismo.

5. Por que cinismo? Porque a teologia se manifesta, publicamente, como se o mundo fosse sua varanda, como se ela, ainda, fosse, como foi durante dois mil anos, por duaz vezes tratados como túmulo (cf. Renascimento) e trevas (cf. Iluminismo), o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, porque ela, a Teologia, é Deus na terra - faz-me rir...

6. Assim, o pastor e o padre falam como que se de Deus tivessem ouvido alguma coisa - não ouviram coisa alguma! Teólogos falam como se tivessem papéis lavrados no cartório do céu - quando a sociedade bem-informada sabe que não passam de conteúdos intestinos do delírio sacerdotal e profético de teólogos no máximo medievais. Professores se pronunciam como se a cada articulação sintática uma verdade fosse parida, materializada, hóstia verborrágica de Ml 2,7.

7. Se tal quadro se pintasse do século XVIII para lá, para bem lá, até o olho de onde ele saiu - Platão e congêneres (há congêneres de Platão quer na teologia, quer na política eclesiástica milenar do Cristianismo), tudo recobraria um ar muito apropriado, porque era do feitio daquela época fingir que a Igreja e a Coroa eram representantes de Deus - ou do diabo, a gosto do freguês. Mas hoje? Depois do século XIX? No século XXI, a teologia ainda se comportar desse jeito? Chega a ser desagradável, em termos de gosto civilizatório, chega a ser deboche, é mesmo profundamente cínico.

8. Isso a política nacional e a teologia têm em com um - acham-se donos do mundo...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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