sexta-feira, 27 de março de 2009

(2009/117) Serafins, Querubins e Éden


1. Haroldo, que me dizes? Por conta de sua postagem, e de minha resposta, uma intuição - uma hipótese a ser testada - bateu-me cá na caixa craniana, aquela que, há não tanto tempo assim, costumava-se trepanar para dar saída aos maus espíritos aí aninhados...

2. Gn 2-3, essa ode à heteronomia sacerdotal humana - termina com querubins guardando a entrada do Éden, o que, em termos mítico-teológicos ("mítico", aí, é redundância, tu sabes, mas não me furto às alfinetadas), significa que eram esses seres mitológicos - e não os serafins -, então, os guardiões da presença de Yahweh.

3. Interessante. Em Is 6, são os serafins. Como os serafins, foi o que sugeri na dissertação de mestrado da qual você foi o orientador, são a hipóstase, a representação noológica, iconográfica, de Nehushtan, a serpente de bronze, na corte celeste de Yahweh - ponto um. Se, como penso, e também outros mais ilustres interessados, como Eckart Otto (e também tu, quero crer), Gn 2-3 é pós-exílico (século V) e, logo, sacerdotal - ponto dois. Uma vez que o movimento monolátrico-sacerdotal expurgou do culto e da teologia judaítas todas as referências polilátricas, será se os serafins foram programaticamente substituídos pelos querubins na tarefa mítico-teológica de proteger a divindade de olhares interditados, isso porque Nehushtan fora definitivamente jogada fora? Não era para os serafins estarem ali, protegendo a entrada do Éden, como, lá, no templo, a face e os pés de Yahweh?

4. Se eu estiver certo, se os sacerdotes monolátricos judaítas, no século V, acabaram de triturar a memória de Nehushtan, substituindo os serafins, sua imagem litúrgica, pelos querubins na tarefa milenar das serpentes templárias, Nehushtan deve ter sentido um misto de vendetta e indignação, quando, a partir da Idade Média, os serafins retornam, ressuscitados, mas, coitados, como anjos de candura, a própria imagem de homens (depois, criancinhas rechonchudas) com asas de ganso... Não é lá uma grande vitória, não? Chora, Nehushtan, chora...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio