quinta-feira, 26 de março de 2009

(2009/114) "De dentro" e "de fora" - entendi...


1. Caro leitor, por favor, leia:

1.1 "Isto não é para dizer que a teologia se reduz ao acadêmico. 'Todos somos teólogos, significa cada cristão. Todos somos chamados de teólogos, de modo que todos somos cristãos', afirmava Lutero. Pessoas não profissionais em teologia refletem sobre a fé, seja de forma apaixonada, de dentro, ou de forma crítica e distanciada, de fora. Embora se compreenda a fé, afinal, apenas de dentro, e assim também a teologia, é possível falar sobre a fé de forma acadêmica, descritiva, exploratória. Precisamente por isso é que a teologia tem seu direito na academia, porque consegue fazer esta ponte do viver da fé para o pensar sobre a fé. Nisto, ela precisa da filosofia para articular-se, pois esta providencia um instrumentário analítico útil para o afazer teórico-científico da teologia" (Rudolf von Sinner, Teologia como Ciência, Estudos Teológicos, v. 47, n. 2, p. 61-62, 2008).

2. Trata-se de um artigo que postula a presença da teologia na Universidade, e que apresenta a seguinte definição de teologia: "a reflexão metodologicamente responsável sobre o falar de Deus". Já critiquei bastante esse artigo (aqui) - mas sempre há mais que se criticar. A safra é abundante.

3. Vou re-escrever o parágrafo, mas com minhas próprias palavras, com o compromisso de, todavia, tentar ser fidelíssimo ao teor do argumento de von Sinner. Vamos lá. A teologia não está restrita ao pensamento, âmbito, pensador, acadêmico. Qualquer cristão é um teólogo, e qualquer teólogo é um cristão, disse Lutero. Fora do âmbito profissional da teologia, pessoas refletem sobre a fé, pessoas que estão dentro da própria fé, por isso, apaixonadamente, e pessoas que estão fora da fé, por isso, críticos e distanciados. A fé, contudo, e, logo, também a teologia, somente pode ser compreendida pelas pessoas que estão dentro da fé, e não, por conseguinte, pelas de fora, embora nada impede que se possa falar academicamente, exploratoriamente, descritivamente da fé, desde, naturalmente, "de dentro", isto é, a partir da fé, uma vez que só se compreende a fé e a teologia estando-se dentro da fé ou da teologia. Aliás, falar teologia é falar fé: "embora se compreenda a fé, afinal, apenas de dentro, e assim também a teologia". Teologia é fé, fé é teologia, tanto quanto ser teólogo é ser cristão e ser cristão é ser teólogo. É justamente porque consegue fazer a ligação entre viver na fé e refletir "academicamente" que a teologia pode estar na academia - para o que serve-se da filosofia.

4. Se minha paráfrase/interpretação está correta, posso extrair os seguintes elementos do discurso. Primeiro: "de dentro" significa: a) ser teólogo e ser cristão, b) estar apaixonado e c) viver da fé. Segundo: a fé e, logo, a teologia, só podem ser compreendidas "de dentro", logo, por quem é cristão, está apaixonado e vive da fé. Terceiro: ainda que academicamente, para se falar da fé, compreendendo-a, logo, com pertinência, deve-se, primeiro, "entrar", logo, apaixonar-se, logo, "tornar-se cristão". Ora, isso não tem outra aparência que aquela que Paulo emprestou à fé: o homem natural não pode compreender as coisas do Espírito... Quereis compreender a fé?, fazer teologia, convertei-vos, incréus...

5. O que eu devo dizer? Bem, primeiro que o(s) Cristianismo(s) são isso aí mesmo. Não farei nenhuma exceção - todos eles, católicos, protestantes, ortodoxos, evangelicais, fundamentalistas, tradicionais, pentecostais, liberais, invente-se o rótulo, cunhe-se a identidade que se quiser, é cristão?, é isso aí: ruminador apologético da fé. Se a carga que a besta cristã, no dizer de Nietzsche, carrega não é outra é, com certeza essa, pelo menos a carga da fé, a doutrina, conquanto haja muito mais no lombo cristão que somente o balaio do dogma. Republicanamente, insisto: é de direito. Que o mundo todo se converta - é de direito. Que a TV brasileira inteira, aberta e fechada, a cabo, por satélite, via Internet, por telepatia, transmita, dia e noite, programas evangélicos e católicos - é de direito. Se é saudável é outra questão - mas é de direito. A gente até deixa.

6. Agora, sugerir, sugerir, não, dizer que isso, esse compromisso fideísta, fiduciário, dogmático, confessional, deva estar na Universidade - e mais! - com "cara" de ciência, com jeito de ciência, com bula e tudo, é demais para meu raciocínio. Não sei o que é pior: o MEC ter aceito essa indecência epistemológica? A própria teologia disfarçar-se, fingir-se de ciência, para sentar-se entre as ciências? A Universidade, como um todo, calar-se? Equivoco-me, ou sou o único, ou quase o único, a dedicar-me quase-patologicamente à denúncia desse escândalo?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio