sexta-feira, 29 de agosto de 2008

(2008/14) Teologia, Exegese e Teologia Bíblica


1. Bem, Haroldo, ao menos pudemos ter acesso ao seu texto, nós, que não iríamos ao congresso. Há males que vêm para o bem. E, já que você quer conversar sobre isso, aceito deixar de lado - por hora - o tema do encantamento da Metáfora pela Teologia.

2. Aliás, pobre Exegese. Na "Teologia", a Exegese é muito mal-tratada. Hans Küng defendeu-a encarniçadamente, em Teologia a Caminho, a meu ver, o melhor momento desse tema no século XX. Mas ainda aguardamos que seja ouvido. A Teologia, como você diz bem, tem acordos e compromissos com a Metafísica e a Igreja, e não decidiu, ainda, sair em campo - os campos exegéticos. Ela gosta dos elíseos alegóricos, metafóricos, normativos. É ter paciência, e, em nosso metro quadrado, enquanto esperamos a conversão da dama, levar a Exegese a sério.

3. Já a Teologia Bíblica "resolveu-se". G. F. Hasel, eu concordo, descreve bem a crise de separação entre a Teologia Bíblica (TB) e a Teologia Sistemática (TS). Hasel discerne oito momentos, desde a Reforma, quatro deles até 1787: 1) TB como auxiliar da TS; 2) TB como fundamento (retórico!) da TS; 3) TB como rival - por causa da emergência do método histórico-crítico - da TS; e 4) TB como disciplina independente da TS - 1787, conferência de Gabler. Desde aí, a "Teologia" cindiu-se em duas áreas incomunicáveis - TB e TS. Na TB, tem havido tentativas de retorno (como o modelo "canonical approach", de B. S. Childs), que, ao fim e ao cabo, costuram relações implícitas com a "fé" constituinte da Sistemática. Retrocesso. A estrada crítica da TB, contudo, desembocou no que era de se esperar - História da Religião de Israel. Nesse campo, Exegese, Fenomenologia da Religião, História, Sociologia, Antropologia, Etnologia, Arqueologia são/contêm pressupostos, métodos e ferramentas imprescindíveis.

4. No ambiente "acadêmico", concordo com você, o problema é o corporativismo de certas metodologias. Penso que o modelo da transdisciplinaridade resolve isso - à custa, claro, de os pesquisadores tornarem-se transdisciplinares. A Exegese constitui - sem nenhuma sombra de dúvida - ferramenta de excelência para o acesso à Teologia Bíblica, ou melhor, História da Religião (e das Idéias) de Israel. Como aplicar Sociologia, aí, sem Exegese? Impossível - e há bons sociológicos que, contudo, não lidam bem com Exegese. A formação de um Exegeta impõem-lhe, necessariamente, abrir-se para o conjunto das Ciências Humanas de recorte indiciário (Ginzburg). Algumas dessas Ciências, contudo, permitem vícios de práxis e síndromes de auto-suficiência. Você está certo em apontar isso, em denunciar isso, e em postular a superação desse corporativismo academicista.

5. Seja como for, a Exegese encontra-se em sua fase madura - o que não significa que não deve, ainda, evoluir, muito menos ue estyeja pronta e acabada. Já a Teologia... Essa, sim, no conjunto das Ciências Humanas, onde foi instalada sem Consulta Pública, está deslocada, pelas justas razões que você indica - e que ela ainda não superou, nem dá ares de querê-lo (cf. minha crítica aos três artigos da Estudos Teológicos, 42/2, que se propuseram a discurtir o caráter epistemológico da Teologia em face do MEC).

6. Eu diria, então, rigorosamente em consonância com você, que: a) as Ciências da Religião, quando debruçadas sobre a Bíblia Hebraica e o Novo Testamento, devem aceitar uma circunstancial orientação da Exegese - sem ela, nem têm como entrar lá; b) a Teologia, no MEC, no conjunto das Ciências da Religião, no concerto das Ciências Humanas, deve, imediatamente, depôr suas armas metafísicas, seus pincéis ontológicos, e iniciar-se no rito da quenosis científico-humanista - o tipo de teólogo que cabe aí é o pesquisador/filósofo/fenomenólogo, não (mais) o xamã/oráculo/sacerdote.

7. Uma ressalva, contudo. Ainda tendemos a gravitar em torno da Teologia "cristã". Não se poderia, mais, falar de Teologia, nesse sentido. Teologia, no MEC, deve constituir-se na forma de uma disciplina universal, onde devem caber todas as noologias mitológicas. Por enquanto, nem o MEC teve como resolver esse imbróglio - cada curso de Teologia ensine sua própria tradição. Foi um começo - mas temos de avançar para uma formatação do Curso de Graduação em Teologia que seja universal e científico-humanista ao ponto de independerem das tradições. Se, aí, houver disciplinas que estudem a modalidade própria das literaturas sagradas, a Exegese apresentar-se-á, pronta e madura para a tarefa. A Teologia está, ainda, longe, muito longe disso. Ou melhor - os exegetas estão prontos, mas os teólogos ainda têm saudades dos alhos do Egito...

OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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