quinta-feira, 28 de agosto de 2008

(2008/13) Textos sagrados e espírito ecumênico

1. Textos sagrados querem (e precisam) ser lidos em espírito ecumênico. Afinal, suas raízes são ecumênicas.

2. Os textos bíblicos, por exemplo, nasceram em contextos diversos, ao longo de séculos de desenvolvimento humano no antigo Oriente próximo e na Ásia Menor. Falam de experiências, vivências e crenças de pessoas em ambientes distintos. Há toda uma carga de vivências e percepções está aí reunida. Tradições diversas foram guardadas, colecionadas e transmitidas por mãos humanas, de geração em geração. Releituras foram feitas, acrescentando palavras, rearranjando tópicos, sobrepondo sentidos. Os vários 'níveis' estão lá guardados. Viraram coleção com valor ‘especial’. Assim, experiências de vida se tornaram cânon.

3. De cânon, os textos bíblicos querem (e precisam) se tornar novamente vida, e vida em pluralidade. Não pode haver monopólio na leitura e na interpretação de tais textos. Eles chegaram a nós como dádiva, como testemunho, em fidelidade e também em coerção. Nesse espírito precisam ser lidos e transmitidos adiante.

4. A interpretação pode (e deve) ser feita por uma pluralidade de sujeitos hermenêuticos. Bíblia não é texto exclusivo de uma determinada tradição religiosa. Há compartilhamentos com outros. A leitura da Bíblia carece sempre de dialogicidade. O diálogo é sua marca e exigência maior.

5. Assim, o espírito ecumênico das raízes se manifesta (pode se manifestar) também nos frutos, nas leituras, nas interpretações, num interminável diálogo.

HAROLDO REIMER

Um comentário:

Felipe Fanuel disse...

Caro Haroldo,

O próprio ideal originário de ecumenismo carrega uma noção difícil de ser aplicada no espaço do poder eclesiástico atual.

Como se sabe, a palavra oikoumene significa “todo mundo habitado”, sendo empregada em Mt 24,14, quando, segundo o evangelista, Jesus vai dizer “E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo (oikoumene), para testemunho de todas as nações”. Também, nos antigos concílios da igreja cristã, o termo “ecumênico” fora usado para designar a representatividade de todos os adeptos da fé cristã no mundo.

Ou seja, o sentido nascente de ecumenismo está longe da presente realidade das instituições cristãs.

Hoje, com tantas divisões entre as comunidades eclesiásticas do cristianismo, dificilmente será possível aplicar a tarefa de pregar o evangelho por todo o mundo como igreja cristã.

Afinal, qual é esta igreja cristã? Ela ainda existe? Definitivamente, as palavras mateanas não servem mais para os tempos atuais, caracterizados por desunião entre os cristãos, sobretudo os detentores do poder institucional.

É curioso que, lá no início do século, no limiar dos tempos modernos, a preocupação pela unidade cristã tenha surgido de um problema observado pelas pessoas de outras religiões no campo missionário. Os supostos “pagãos” da Ásia e da África começaram a perceber as diferenças e as divisões entre aqueles que pregavam o amor a Deus e ao próximo. Esta incoerência forjou uma urgente discussão pela unidade cristã.

O fato é que o ambiente eclesiástico provou ser, através da experiência do Conselho Mundial de Igrejas, um lugar pouco apropriado a mudanças profundas que engendrem igrejas mais abertas e menos fechadas para a unidade. Não se viu ainda nascer entre as lideranças cristãs um espírito de igreja realmente comprometida com a unidade radical da cristandade. Pelo contrário, cada dia mais as denominações cristãs se tornam ninhos de conservadorismos que desembocam em fundamentalismos hostis.

Isso reforça a tese de que atualmente qualquer diálogo, dentro e fora do cristianismo, está fadado ao fracasso se depositar todas as fichas nas instituições.

O caminho não-institucional parece ser o mais propício para se alcançar resultados satisfatórios. Afinal, é aqui que se pode chegar até as pessoas simples sem pretensões. E, se assim for, novas possibilidades podem ser construídas no cotidiano de homens e mulheres, em especial no meio daqueles que se identificam com uma transformação social, que constitui um dos grandes objetivos cristãos.

Para isso, entretanto, não se deve se prender aos ditames institucionais, que conduzem ao fechamento e não à abertura. Antes, o sagrado espaço de respeito ao outro, seja qual for a sua confissão de fé, deve ser cultivado e mantido, visando acima de tudo à unidade e ao bem comum.

Um abraço.

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