quarta-feira, 19 de maio de 2010

(2010/389) Provocando Jimmy - à guisa de reação


1. Dias atrás, estava eu acamado, febril, e, desde as terras francesas, Jimmy escreve um post que me desesperou não poder responder. Um sujeito com 38º de febre não tem estrutura para dar conta daquela enxurrada de palavras desvairadas e doloridas. Quero enfrentá-las, agora.

2. Quero pinçar essa declaração de Jimmy: "como método teológico, resta-nos o niilismo racional e heuristico em ciências humanas que, por sua própria constituição (crítico e desconstrutivo), não pode fazer mais que demonstrar o cadafalso da história que nos apresenta a aporia do discurso religioso fundado na violência do mito, e a aporia de um humanismo, que, na tentativa de superar a "trivialidade da vida animal", não nos deu nada menos que um horror exterminador". Não sei se a declaração constitui uma descrição ou uma denúncia. Seja como for, cuido haver um possível - friso: possível - equívoco na construção. Jimmy, julgue. Haroldo, o que acha? Leitores, e aí?

3. Trata-se do método teológico que resta, ou, antes, trata-se da conclusão a que temos chegado, depois dos últimos extraordinários duzentos anos? Ora, método teológico não é conclusão. Método é processo, modus operandi. E Jimmy fala a partir de uma perspectiva que se encara, de um cenário que se tem à frente da cara. Mas deveríamos separar a questão do cenário em que operamos - os dias secularizados e humanistas das repúblicas pós-cristãs, da questão do método, seja qual ela venha a ser, porque não há, ainda, método alternativo, em teologia, para o método de criar mitos-divãs nos quais deitar e fazer deitar as almas cansadas.

4. O que se chamou até aqui de Teologia não passa, não vai além da "revelação" platônica. Teologia, até aqui, é conteúdo, e nada mais do que conteúdo. Teologia, até aqui, é mito e narrativa, cama de deitar, e mais nada. Quando a modernidade começou a sair da terra, os escrúpulos teológicos danaram a procurar justificativas pseudo-metodológicas para a manutenção do conteúdo - sempre o mesmíssimo e inalterado conteúdo. Mas método mesmo, não há nenhum. Sequer um. Salvo se você tratar por método a seguinte encomenda: como dizer sempre o mesmo, mas com formas novas? Cá entre nós - há muita forma nova entre Barth, Bultmann, Moltmann, Pannenberg, até em Tillich, mas, convenhamos, conteúdo novo? Não, não. Acho que não se trata, Jimmy, de método teológico, esse cenário que você descreve.

5. Você descreve a desesperança. Depois de dois mil e quinhentos anos - ah, sim, confessemos: a teologia é grega, é platônica, e não tem nada de excepcionalmente cristão, salvo a sua cooptação filosófico-abstrata, o sepultamento impiedoso de um judaismo semita. Começo de novo: depois de dois mil e quinhentos anos de mito, um mito desenhado à moda dA República, alguns desesperaram. Descobriram-se bichos, ainda, e não anjos, descobriram que a ética não vai além de convenções da cultura, que os deuses e os diabos são seres de espírito, descobriu-se a possibilidade de assoprar, e o teísmo desaparecer entre os dedos, algo bem parecido com a experiência da adolescência, que vê desaparecer diante de si a autoridade dos pais, e sai de casa. Não se trata de método. Trata-se de hormônio.

6. A casa caiu. Onde ela caiu. Não caiu inteira. Jimmy, meu amigo, não é porta-voz do cristianismo, que vai se cuidando bem, aos seus olhos. Jimmy fala apenas de seu próprio desespero, de ver pela janela - já atravessou a porta? - e desesperar do que vê. Não é coisa fácil olhar pela janela. Acreditem. A uns, a visão é até apaixonante, como se esperassem por esse dia, por essa visão. A outros, é como se pingassem ácido nos olhos: ver, e não querer ver o que se vê. A mente, a consciência vê, mas o corpo não quer ir, não quer atravessar o rio, para o outro lado... Eu achava que não havia essa hipótese. Acho que já disse que ver é, automaticamente, atravessar. Mas vou achando que não. Vou achando que o mito pode fraquejar, esboroar, esgarçar, os olhos podem ver o que há do outro lado, mas o sujeito pode remendar o mito, agarrar-se a ele, e decidir ficar.

7. Mas isso nada tem a ver com método teológico - não o "novo", o que Jimmy chama de heurístico. Há que se sentar, com calma, agora, e dizer o que vem a ser esse novo método. Haroldo me provoca, com gentileza, mas com estocadas firmes. O que há para descobrir, Osvaldo? Entendo. Não se acredita que, de fato, saímos de lá. As verdades ainda são as de lá. Os valores, os de lá. Os prazeres, as dores, os deuses, os de lá. De modo que não há alternativa, porque, além daquilo que sabíamos, não há nada mais, e, se não nos agarramos àquilo que sabíamos, nada mais há além disso. Logo, o que há para descobrir? Percebe-se o "jogo"? O sofisma oculto? O círculo de raciocínio?

8. A questão é outra, amigos. Saímos! Ponto. Bem, deixe-me colocar assim: saí!, ponto. Eu não tenho como tergiversar. Eu não tenho tangentes. Não tenho argumentações. Caí! A casca do ovo quebrou e eu não tenho como voltar. O que Jimmy descreve como aterrador cenário é, para mim, a coisa mais banal. Não me produz a azia que o acomete, porque esse é um mundo que eu preciso domar, entender, e aprender a viver nele. É meu mundo. Ah, sinto-me em casa... nele. Como teólogo, aprender a fazer teologia nele. Não se enganem. O mito religioso foi criado para esconder a dor de desespero do homem que saiu da Natureza, e, como Jimmy, desesperou-se. Amigos - não acham que somos o primeiro a ver a nudez da terra... Amigos, essas soluções de mito já foram ensaiadas, e, surpresa!, acabamos de desmontá-las. Podemos, como nossos mais antigos antepassados, aqueles já de há cem mil anos, voltar para os mitos religiosos, nos modos em que esses mitos religiosos e políticos se tornaram hegemônicos. Ou podemos criar outras soluções, outras saídas. Fatalismo? Eu, heim! Creio na criatividade. Creio na invenção. Inventarei um método diferente, de cobrir a nudez da terra, sem que eu precise usar a roupa velha dos mitos velhos, e me enganar que sejam novos e sofisticados. Não são. Novo nem sequer é o desafio. Nova só pode ser a resposta. Se de fato somos os homens para ela.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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