quarta-feira, 19 de maio de 2010

(2010/390) Da morte de Deus e da liberdade de mulheres


1. Essa vai para minha amiga Ivoni. Haroldo é esposo dela. Ivoni é uma teóloga-exegeta feminista. Não sei se lê Peroratio. Mas Haroldo a provocará a ler ao menos esse post. É sobre uma relação que penso ser possível desvendar. Falo de mulheres. E falo da morte de Deus. Falo da liberdade de mulheres, somente possível com a morte de Deus.

2. Não posso rastrear a situação de mulheres para antes do século VI a.C. e não estou seguro quanto à universalidade dessa condição. Todavia, estou seguro, conquanto sempre sujeito a erro, quanto ao seguinte fato: o Templo de Jerusalém pisou bem pisado o pescoço de mulheres. A princípio, é minha percepção do início dos fatos, não pelo fato biológico de serem mulheres, mas pelo fato sóciopolítico de serem liderança campesina. Todavia, a liderança feminina campesina contaminou toda a "classe", e, de um jeito ou de outro, e seja por que razão tenha sido, parece certo o fato de que o corpo da mulher foi tomado cativo pelo templo, o que permanece claro em Gênesis 3,16, todavia transgredido em Ct 7,10.

3. Contudo, o templo não lograria sucesso sozinho. Foi preciso que a comunidade masculina, aliada ao projeto religioso do templo, recebendo por compensação justamente o benefício dessa submissão feminina, cooperasse para o jogo da submissão da mulher. Era preciso que, na prática, o homem da mulher dominasse sobre ela, controlando-a por conta de seu próprio desejo. Poderia não fazê-lo. Poderia comportar-se como parceiro dela, mas não, auferiu mais lucro aproveitando-se de seu papel no jogo político-religioso do templo. A maldição que cabe ao homem - o trabalho - é compensada pelo direito de domínio que ele tem sobre a mulher maldita. O acordo está fechado. A conta é entregue sobre o corpo-escravo da mulher.

4. Isso posto, se correto for, resulta correto dizer que, no campo das idéias, Deus é o fiador da submissão dessa mulher, posto ser ele o promulgador da maldição, seu garantidor. Enquanto Deus estiver de pé, e esteve, a mulher estará caída, e esteve. Não erraria se pretendesse que essa tem sido a história da mulher...

5. Até o século XIX. Aí, "inventou-se" a República (ao menos, de brincar mais seriamente dela). Isso, de manhã. De tarde, Nietzsche já sentenciava: é, parece que Deus morreu... Deus morto, Deus posto, o jogo de compadres entre o Templo (e quando o Cristianismo não o foi?) e os homens não mais é possível jogar. Não que não se tente. Mas - agora - as barras da justiça laica podem receber os processos da mulher oprimida. A religião - na República - não tem mais poder de oprimi-la - se ela assim o desejar. Assim, demora um pouco, mas começam a pipocar os ensaios de libertação. Inicialmente, muito lentamente, como gatas presas em caixas por dez anos, e, súbito, se abre a porta. Algumas, de medo, paralisadas, ficarão no escuro. Outras, ousarão sair.

6. Estouram os movimentos civis. Estoura o feminismo. As mulheres gritam alto, e Deus não reage. Nem pode. Os homens, os religiosos, sim. Mas, eis o segredo: não têm mais poder fora da bainha de suas batinas e da barra de seus ternos. Fora dos templos, são traques de mula suas apoplexias verborrágicas. Se ensaiam violência, pode-se, e cada vez mais, denunciá-la. Lá ainda está, pendurado, o crucifixo, na parede, sob a cabeça do juiz. Mas Deus não pode mais dizer que essa mulher que reclama direitos é maldita. Porque não é. E, não podendo, é um símbolo, para isso, inútil.

7. Se minha intuição não erra, foi preciso que Deus morresse, para que a mulher pudesse ser livre. Talvez por isso o Ocidente conheça mais e melhor a liberdade das fêmeas, e, no Oriente, somente onde o Estado é laico se vai, também, alcançando a utopia. Onde Deus manda, não importa qual, parece que a mulher responde pela parte que paga todo o custo do sistema de compensações do jogo religioso-cultural de compadres machos.

8. Se minha intuição estiver correta, os próprios homens mataram Deus e, assim, permitiram a libertação das mulheres ocidentais. Terá sido esse um efeito colateral, não apenas não previsto, mas, heim?, Ivoni, não pretendido?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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