sexta-feira, 9 de outubro de 2009

(2009/532) Exegese e Teologia - "via" Bultmann


1. Para quem tiver vontade e paciência, apresento o link para um artigo recente a respeito da relação entre Exegese e Teologia: Dogmática como Exegese Conseqüente? Sobre a relevância da exegese para a Teologia em conexão com Rudolf Bultmann. Dessa vez, não vou comentar parágrafo a parágrafo. O "tom" geral e a abordagem do artigo não me satisfazem, uma vez que dá por "superada" a condição moderna, e por caminhos que, a meu ver, não se sustentam. No entanto, trata-se de um considerável artigo - certamente erudito.

2. Não vejo como Bultmann possa servir de critério para resolver o impasse entre Exegese e Teologia. Não vou gastar muito tempo com a questão. Direi apenas o seguinte:

a) Bultman permaneceu na Alemanha, e não me surpreende que sua teologia tenha dissolvido a historicidade judaica de Jesus e do Evangelho. Tudo quanto era judaico, tornou-se mito. O que era "cristão", contudo, transformou-se em "querigma". Esse movimento, essa operação, essa tática, essa estratégia - cheiram-me muito mal...

b) O conceito de querigma de Bultmann reflete a manutenção do conceito de sacramento da Igreja, mas, agora, transposto para a "pregação". Para Bultmann, o valor central, o momento fndamental do cristianismo, é a homilética, que ele toma como "sacramento": momento de enfrentamento existencial entre homem e Deus...

c) Tomar a pregação como sacramento, para Bultman, está, ainda, de acordo com a planificação existencial de sua reflexão teológica. Não se trata, é verdade, de um autêntico existencialismo, mas da "adaptação" (mal-feita, em perspectiva crítica, excepcional, em perspectiva retórica e teatral) do existencialismo: um querigma a-histórico como sacramento para um encontro a-histórico entre Deus e o homem existencialmente dado.

d) a hermenêutica que daí decorre, isto é, o modo como a Bíblia passará a ser lida, refletirá isso e nada mais do que isso - cada palavra das Escrituras, principalmente de João, será decodificada a partir do projeto teológico-existencial de um querigma cristão germanicamente palatável.

3. Todo o mais, cansa-me, agora, comentar. Palavras demais, mas, eis a questão, com que mão se pegam tais palavras? Onde a base crítica está dissolvida, onde uma hermenêutica de circunstância, uma muitíssimo mal-formulada "intentio operis" - não importa seu genitor, é mal-formulada - é instrumentaizada, só pode dar em algo solipsista, algo entregue ao gosto da multidão, como quem escolhe a cor do algodão-doce. Talvez a realidade seja isso mesmo, uma quermesse estética - que me faria, nesse caso, abandonar definitivamente a pesquisa, coisa inútil e enfadonha, se o mundo é relativo...

4. Recordo-me de Croatto. O primeiro, de 1984. Gritava - e era "ouvido" - em seu pequeno livrinho - Hermenêutica Bíblica -, mas gritos retóricos, decerto, porque ele se tentava fazer entender!, que não havia exegese, só eisegese, e que toda tentativa de exegese era, ou auto-engano, ou fraude... Eram dias de construir um arcabouço teórico para a pouco sustentável prática de fazer textos bíblicos afirmarem o que a teologia da libertação queria. Era preciso uma teoria hermenêutica que desse um ar de fundamento à leitura "engajada" - tudo é engajamnto!, nada é crítico, tudo é subjetivo, ideológico, "produção de sentido". Fez escola. Ainda outro dia estávamos discutindo que texto "usar", depois que Êxodo ficou pesado demais para o empreendimento engajado...

5. Então, uma década depois, vejo o mesmo Croatto escrevendo, de um lado, um manual de Fenomenologia da Religião, e de outro, três comentários a Isaías. Rasgue-se o livrinho de 1984, senhores e senhoras, que, nas duas obras citadas, Croatto reabilita a História e a Exegese... É que o projeto, agora, é outro...

6. Quando se produz reflexão a partir de uma defesa de posição, cai-se no partidarismo, na apologética. Penso que qualquer tentativa de sustentar um "consenso" entre duas palataformas irreonciliáveis - uma, heurística, Exegese, outra, política, Teologia - só pode dar em naufrágio. Uma auto-afirmação de perspectiva.

7. Agora - é ou não é muito divertido observar o esforço objetivo para se fundamentar a... ausência de objetividade...? Resta ver se é um caso para Nietzsche ou Freud... Seja como for, não é, certamente, um caso para exegetas...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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