1. Hoje é meu aniversário de 43 anos. Dou-me um presente: pensar o pensamento teológico.
2. Até hoje, grosso modo, pensou-se teologicamente. Esse "pensar teologicamente" equivalia a um penar comprometido com um conjunto de proposições que se apresentava, no conjunto, como "verdade". Seu caráter metafísico, sua estrutura ontológica, sua postura inquestionável - isso era o que dirigia/controlava o "pensar teologicamente". Pensar teologicamente, então, era - e ainda é - pensar atrelado, em sentido técnico, como cavalos atrelados a uma carroça, àquele conteúdo - partindo dele, revoluteando à vonta e dentro dele, retornando para ele.
3. O pensar teológico que me foi ensinado, por meio do qual ingressei na caminhada evangélica, era esse pensar - tudo, absolutamente tudo, se media - e mede - por esse conteúdo. A liberdade, a criatividade, mediam-se pela capacidade de dizer sempre o mesmo, ainda que de modo diferente. Nesse sentido, é até compreensível, dada a medição de superfície, a análise rasa das aparências, que teólogos fossem classificados aqui e ali, nessa e naquela escola - o que se determinava pela "espuma", mas não pelo leite fervente sob ela.
4. Assim, na superfície, teólogos como Barth, Bultmann e Tillich (de um certo modo, "típicos" de uma legião hiperônima) podem ser colocados em escaninhos distintos - mas, corrija-se depressa esse jogo de aparências, é apenas na superfície que são diferentes: no fundo, na base, são iguais - atrelam-se àquele conteúdo prévio, àquele conjunto "tradicional", transformado em Tradição, despejam criatividade dogmática, aqui, existencialista, ali, "fenomenológica", acolá, e apresentam-se jarros de corres diferentes, de formatos diferentes, mas de mesmo material, com o mesmo conteúdo, forjados no mesmo forno. E mais - as intenções políticas são sempre as mesmas, sempre, inexoravelmente sempre.
5. Assim tem sido desde a origem, assim foi durante a "áurea" época dos apologistas, continuou assim durante a Baixa Idade Média, permaneceu de forma absolutamente inalterada - lástima! - durante e após a Reforma, despediu-se da Alta Idade Média sem qualquer alteração, a despeito de Aristóteles, convenientemente "castrado" por Aquino, sentiu-se ameaçada pelo Iluminismo, encarou o verdadeiro horror diante do Romantismo e, finalmente, reagiu, com a força dos arcanjos de Deus - Barth, Vaticano I e The Fundamentals - a Trindade Teológica Reacionária. O universo teológico cristão - inteiro - seguiu por aí: seja um liberalismo secularizado, seja um fundamentalismo neurótico e lunático, procurou-se, sempre, "pensar o conteúdo a partir do conteúdo" - mesmo quando se quis falar por meio de analogia e metáfora, como quando se faz da Trindade, por exemplo, um "modelo" de "comunidade": o "modelo", o "conteúdo", o "depósito", eis o fundamento sobre o qual a "teologia" se construiu, eis o eixo em torno do qual ela girou, eis o porto em direção ao qual ela partiu, tendo, ao mesmo tempo, partido dele.
6. Todavia, as transformações epistemológicas pelas quais passamos, desde o século XVII, mas, especial e especificamente, o XIX, impedem-nos, às náuseas, de continuar a pensar por meio de "conteúdos", "depósitos", "tradições". Nesse sentido, é modelar o título do terceiro volume da série O Método, de Edgar Morin - O conhecimento do conhecimento. Não se trata mais de pensar, apenas. Pensar, em si, pode constituir nada mais, nada menos, do que ruminação bovina. Deve-se, doravante - pensar o pensamento, pensar epistemologicamente, pensar o modo de pensar. Dessa forma, a teologia-conteúdo dissolve-se, como névoa fria de manhã, o sol esquenta, a luz rasga a atmosfera, e ela se vai...
7. Dou-me de presente, aos meus 43 anos de idade, esse presente: a liberdade de pensar desatrelado de qualquer conteúdo teológico prévio. Permanece, como prévia, em sentido cronológico, a "tradição" - a "Tradição" enxotei-a a pontapés, dirigi-lhe uns "xô! xô!", como quem enxota galinhas. Prévia, a tradição me bate na rocha da crítica, como as ondas do mar do tempo, e eu me molho dessas águas. Mas tenho cá nas mãos um pote, um termômetro - avalio a temperatura, recolho o que quero, e, quanto ao resto, vai, como veio.
8. Essa teologia nova, que pensa o pensamento, que se pensa enquanto pensamento, que se critica, que diz "não faz isso, que isso é fraude!" para si mesma, sem esperar que outro o faça por dever de consciência e profissão, que é, para si, a maior tarântula, o maior perigo, ninguém a ameaça mais do que sua própria serevidade epistemológica, essa nova teologia começará tudo de novo. É provável que, da tradição, a maior parte das respostas seja negada, recusada (falo, aqui, por exepriência própria). Contudo, o mar traz, além de respostas, as perguntas - aquelas por meio das quais a política teológica construiu e constrói coações psicológicas... Não há muitas novas perguntas: as perguntas estão aí desde sempre, desde a manhã do Homo sapiens - mas as respostas dessa teologia de Platão/Paulo, elas passarão pelo crivo severíssimo da crítica - e, antecipo, não sobrará muita coisa, porque todas as respostas que demos, nessa teologia velha, para aquelas velhas perguntas, todas, sem exceção, construiram-se no mito. Logo, se você assopra, fu!, elas se espalham, como dentes-de-leão, e não há quem as recolha outra vez, e nem para que.
9. Mais do que descanso, Haroldo - que é trabalho constante! -, mais do que trabalho, Haroldo - que é relaxante labuta! -, essa varanda em que celebro meus 43 anos é de uma atmosfera leve, muito leve. Contei-lhe que há alguém aqui, comigo? Não, não é Bel... Bel está lá dentro, em afazeres, passa aqui, dá-me um beijo de aniversário, e volta às rabanadas. É outro alguém, do qual não se pode falar, nem se pode, efetivamnete, dizer que está aqui, alguma coisa entre imaginação e suspense. Mas gosto de fazer de conta que está, mantendo-me sempre ciente que sou eu a pô-lo, ou, a rigor, a deixá-lo que fique. Mais do que isso, é teísmo... é ateísmo... é a divinização, em "positivo" e "negativo" da self deception, é a rendição, como aos pés de um deus - e eis "Deus" -, àquele conteúdo, a que tudo se resume.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Até hoje, grosso modo, pensou-se teologicamente. Esse "pensar teologicamente" equivalia a um penar comprometido com um conjunto de proposições que se apresentava, no conjunto, como "verdade". Seu caráter metafísico, sua estrutura ontológica, sua postura inquestionável - isso era o que dirigia/controlava o "pensar teologicamente". Pensar teologicamente, então, era - e ainda é - pensar atrelado, em sentido técnico, como cavalos atrelados a uma carroça, àquele conteúdo - partindo dele, revoluteando à vonta e dentro dele, retornando para ele.
3. O pensar teológico que me foi ensinado, por meio do qual ingressei na caminhada evangélica, era esse pensar - tudo, absolutamente tudo, se media - e mede - por esse conteúdo. A liberdade, a criatividade, mediam-se pela capacidade de dizer sempre o mesmo, ainda que de modo diferente. Nesse sentido, é até compreensível, dada a medição de superfície, a análise rasa das aparências, que teólogos fossem classificados aqui e ali, nessa e naquela escola - o que se determinava pela "espuma", mas não pelo leite fervente sob ela.
4. Assim, na superfície, teólogos como Barth, Bultmann e Tillich (de um certo modo, "típicos" de uma legião hiperônima) podem ser colocados em escaninhos distintos - mas, corrija-se depressa esse jogo de aparências, é apenas na superfície que são diferentes: no fundo, na base, são iguais - atrelam-se àquele conteúdo prévio, àquele conjunto "tradicional", transformado em Tradição, despejam criatividade dogmática, aqui, existencialista, ali, "fenomenológica", acolá, e apresentam-se jarros de corres diferentes, de formatos diferentes, mas de mesmo material, com o mesmo conteúdo, forjados no mesmo forno. E mais - as intenções políticas são sempre as mesmas, sempre, inexoravelmente sempre.
5. Assim tem sido desde a origem, assim foi durante a "áurea" época dos apologistas, continuou assim durante a Baixa Idade Média, permaneceu de forma absolutamente inalterada - lástima! - durante e após a Reforma, despediu-se da Alta Idade Média sem qualquer alteração, a despeito de Aristóteles, convenientemente "castrado" por Aquino, sentiu-se ameaçada pelo Iluminismo, encarou o verdadeiro horror diante do Romantismo e, finalmente, reagiu, com a força dos arcanjos de Deus - Barth, Vaticano I e The Fundamentals - a Trindade Teológica Reacionária. O universo teológico cristão - inteiro - seguiu por aí: seja um liberalismo secularizado, seja um fundamentalismo neurótico e lunático, procurou-se, sempre, "pensar o conteúdo a partir do conteúdo" - mesmo quando se quis falar por meio de analogia e metáfora, como quando se faz da Trindade, por exemplo, um "modelo" de "comunidade": o "modelo", o "conteúdo", o "depósito", eis o fundamento sobre o qual a "teologia" se construiu, eis o eixo em torno do qual ela girou, eis o porto em direção ao qual ela partiu, tendo, ao mesmo tempo, partido dele.
6. Todavia, as transformações epistemológicas pelas quais passamos, desde o século XVII, mas, especial e especificamente, o XIX, impedem-nos, às náuseas, de continuar a pensar por meio de "conteúdos", "depósitos", "tradições". Nesse sentido, é modelar o título do terceiro volume da série O Método, de Edgar Morin - O conhecimento do conhecimento. Não se trata mais de pensar, apenas. Pensar, em si, pode constituir nada mais, nada menos, do que ruminação bovina. Deve-se, doravante - pensar o pensamento, pensar epistemologicamente, pensar o modo de pensar. Dessa forma, a teologia-conteúdo dissolve-se, como névoa fria de manhã, o sol esquenta, a luz rasga a atmosfera, e ela se vai...
7. Dou-me de presente, aos meus 43 anos de idade, esse presente: a liberdade de pensar desatrelado de qualquer conteúdo teológico prévio. Permanece, como prévia, em sentido cronológico, a "tradição" - a "Tradição" enxotei-a a pontapés, dirigi-lhe uns "xô! xô!", como quem enxota galinhas. Prévia, a tradição me bate na rocha da crítica, como as ondas do mar do tempo, e eu me molho dessas águas. Mas tenho cá nas mãos um pote, um termômetro - avalio a temperatura, recolho o que quero, e, quanto ao resto, vai, como veio.
8. Essa teologia nova, que pensa o pensamento, que se pensa enquanto pensamento, que se critica, que diz "não faz isso, que isso é fraude!" para si mesma, sem esperar que outro o faça por dever de consciência e profissão, que é, para si, a maior tarântula, o maior perigo, ninguém a ameaça mais do que sua própria serevidade epistemológica, essa nova teologia começará tudo de novo. É provável que, da tradição, a maior parte das respostas seja negada, recusada (falo, aqui, por exepriência própria). Contudo, o mar traz, além de respostas, as perguntas - aquelas por meio das quais a política teológica construiu e constrói coações psicológicas... Não há muitas novas perguntas: as perguntas estão aí desde sempre, desde a manhã do Homo sapiens - mas as respostas dessa teologia de Platão/Paulo, elas passarão pelo crivo severíssimo da crítica - e, antecipo, não sobrará muita coisa, porque todas as respostas que demos, nessa teologia velha, para aquelas velhas perguntas, todas, sem exceção, construiram-se no mito. Logo, se você assopra, fu!, elas se espalham, como dentes-de-leão, e não há quem as recolha outra vez, e nem para que.
9. Mais do que descanso, Haroldo - que é trabalho constante! -, mais do que trabalho, Haroldo - que é relaxante labuta! -, essa varanda em que celebro meus 43 anos é de uma atmosfera leve, muito leve. Contei-lhe que há alguém aqui, comigo? Não, não é Bel... Bel está lá dentro, em afazeres, passa aqui, dá-me um beijo de aniversário, e volta às rabanadas. É outro alguém, do qual não se pode falar, nem se pode, efetivamnete, dizer que está aqui, alguma coisa entre imaginação e suspense. Mas gosto de fazer de conta que está, mantendo-me sempre ciente que sou eu a pô-lo, ou, a rigor, a deixá-lo que fique. Mais do que isso, é teísmo... é ateísmo... é a divinização, em "positivo" e "negativo" da self deception, é a rendição, como aos pés de um deus - e eis "Deus" -, àquele conteúdo, a que tudo se resume.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2 comentários:
Quero reler isso aqui várias vezes com calma. Não sei se concordaria plenamente com o § 4. Se a teologia é um exercício hermenêutico sobre vários temas, como ela é enxergada na Ciências da Religião, cada teólogo, na condição de intérprete do sagrado, interpreta os temas de um jeito diferente. De modo que a teoria dos símbolos tillichiana se difere hermeneuticamente de Barth e Bultmann. São visões hermenêuticas diferentes, apesar de serem iguais enquanto teólogos. (É sabido que a expressão "círculo teológico" de Tillich se trata de uma consciência do seu papel hermenêutico como teólogo.)
Ah! Não é demais dizer que "Tradição" (seja com "T" ou com "t") é um tema também, tal como "Deus", "fé", "religião". A maneira segundo a qual Tillich lida com estes temas é desliteralizando-os. Ele é um teólogo, como os outros. Poderia trabalhar sua hermenêutica do jeito que quisesse, mas preferiu não optar pela literalidade do símbolo.
Como cirurgiões do sagrado, podem ser iguais, mas são também muito diferentes no seu modo de operar. Com efeito, Tillich é acusado de tautologia. Afinal, é possível que no coração de seu sistema ele esteja apenas comprometido em reler os símbolos. Ok. Mas isso é muita coisa.
Toda ciência, e a teologia se trata de uma, precisa de seus exercícios tautológicos, para que, assim, possa enriquecer os diálogos em torno de sua própria epistemologia. Acredito até que o empobrecimento da teologia que se produz no Brasil, a partir das igrejas se deva à própria carência tautológica. Aí, Professor, qualquer literalismo reina deitado eternamente em berço esplêndido. E a emergência de criatividade teológica é silenciada, porque não encontra campo fértil de atuação.
Quem pensa diferente sobre a mesma coisa tem de ir para outra área do conhecimento, ou se afastar da igreja, ou se tornar ateu... Tanto faz, porque ele/ela é um cirurgião/ã que opera diferente, mas não querem dar a ele/ela a possibilidade de trabalhar em hospital algum.
Um abraço.
Felipe, ensaio uma resposta aqui:
http://peroratio.blogspot.com/2008/12/2008120-resposta-felipe-fanuel.html.
Um abraço,
Osvaldo.
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