domingo, 21 de dezembro de 2008

(2008/114) Profissionais de teologia


1. Haroldo, outro dia, chamou-me a atenção para o fato de que foram gestões programáticas levadas a termo por relevantes instituições de ensino teológico que levaram, no Brasil, a Teologia a ingressar no rol das disciplinas de Pós-Graduação - CAPES/MEC. Isso foi há mais de duas décadas. O que me parece grave - e é sintomático - nessa questão é que a condição epistemológica da Teologia não tenha merecido discussão pública organizada, sistemática e institucional - se houve alguma - desde então: do modo como entrou, lá está a Teologia, até hoje. Pelo andar da carruagem, haveria de assim permanecer, eternamente - como me foi dito, nesse contexto e ambiente: o Cristianismo há de ser revelado, ou não é Cristianismo, há de ser dogmático, ou não será Cristinismo...

2. Surpreendentemente, contudo, foi com o ingresso da Teologia no Sistema Federal de Ensino (MEC), no nível de Graduação, acontecimento relativamnte mais recente, que a levou, ultimamente, à ágora da discussão epistemológica: Teologia, quem és?, ou melhor: "Eu, Teologia, quem sou?". É verdade que não percebi, ainda, qualquer avanço entre aquela Teologia da CAPES e essa Teologia da Graduação, mas, não obstante, a chance de discussão pública - aberta e franca - sobre a condição e o estatuto epistemológicos da Teologia abre-nos uma janela de oportunidade para, quem sabe?, tentarmos, pela quarta vez (Lutero, Barth, CAPES, Graduação), avançarmos efetivamente - até aqui, não há, a rigor, qualquer diferença significativa entre aquela que se chama a si mesma de Teologia e o que se decidiu, sabemos como, em Nicéia: nada de novo no front. Aliás, malgrado o nome cunhado para si, evangelicais, não há substancial diferença entre evangelicais, evangélicos, neo-evangélicos, fundamentalistas, carismáticos, neocarismáticos - não no que concerne ao que deixam transparecer de sua reflexão e epistemologia teológicas (conquanto apontem o dedo uns na direção dos outros...).

3. Há, contudo, uma questão de todo relevante no fato de a Teologia ter recebido guarida no MEC - surge a oportunidade da discussão pública acerca do caráter do profissional de Teologia. Ora, o MEC tem, entre suas várias funções, a tarefa de preparar os cidadãos para o exercício das atividades sócio-profissionais decorrentes das respectivas formações acadêmicas. Dentre elas, agora, perfila a Teologia. Isso significa que há de se considerar o exercício do profissional de Teologia como um serviço - Terceiro Setor - regular da sociedade brasileira, aberto a qualquer um, democrático, de direito, de fato.

4. Mas - quem é o profissional de Teologia? A qual ética está, ele, vinculado? Haverá um critério "profissional" para a competência teológica? Quais são suas prerrogativas?, seus direitos?, seus deveres? O que ele deve fazer, quando faz o que faz? Quem fiscaliza o que ele faz? Que implicações decorrem da "profissionalização" da Teologia?

5. Quando, por exemplo, médicos - profissionais de saúde - erram, são punidos. Há um código de ética, de conduta, que baliza o exercício dessa profissão. Há fiscais. Há denúncias. Há julgamentos. Há punições. Há correções. E os profissionais de Teologia? Por exemplo: reclamarei a quem, quando ouvir "mentir" um profissional de Teologia? Como assim, mentir? Sim, mentir, quando, por exemplo, diz que a Bíblia diz isso assim assado. Ora, e não diz? Não, não é a Bíblia, é ele quem diz a partir do que lê na Bíblia, interpretando-a de forma ideológica - alegórica (quando, depois de o fazer, ainda, com despeito, esnoba da exegese, é por cinismo calculista que o faz). Por exemplo, quando afirma que o Espírito Santo está em Gn 1,2. Ué!?, e não está? Não!. claro que não! Pode-se colocá-lo lá, isso até é metodologicamente legítimo, se e quando se confessa, primeiro a si, mas, o mais importante, também aos "clientes" e "pacientes", que, a rigor, não está lá, é o "profissional de Teologia" quem o está pondo lá, por meio do recurso à alegoria, que, a rigor, é um instrumento, um "veículo", para pôr coisas que lá não estavam no lugar onde se quer que elas, agora, estejam... Não basta confessar a si mesmo que se está usando alegoria, fazendo metáfora? Não, porque o profissional de Teologia lida, politicamente, com a "comunidade" (virou moda, o nome!), de modo que deve, principalmente a ela, satisfações éticas e epistemológicas de seu discurso. Se ele mente para mim, que sei - pobres dos que não sabem! - quero, como cidadão, o direito de denunciar sua fraude. Pode não ser fraude, pode ser incompetência... Nossa!, bem lembrando... Graças a Deus, então, é teólogo, e não cirurgião...!

6. Pois bem - posso reclamar? Com quem? Com Deus não vale, porque se Deus fosse fazer algo a respeito, teria rasgado o Novo Testamento na origem, porque o Novo Testamento não faz sequer uma interpretação exegeticamente legítima da tradição judaica, incluída aí a Bíblia Hebraica. Antes, todos os escritos e escritores do Novo Testamento alegorizam elementos da tradição, o que significa dizer que a torcem e retorcem em conformidade com seus objetivos, cuja confissão pode ser lida, sem constrangimento aparente, em Diálogo com Trifão e Apologias I e II, de Justino Mártir, os mais "evangélicos" dos livros apologéticos já escritos. Assim, não espero que Deus faça nada a respeito - porque não vai.

7. Reclamar com a igreja para quem o profissional trabalha? Ah, sei - mas como?, se é por meio de tais interpretações que o "poder" do prossional se impõe, de modo que muito raramente alguém, um cliente, um paciente, vai ousar "tocar no ungido"...?

8. Reclamar com o próprio profissional? Deveria ser o mais lógico, o mais correto - mas o sujeito, imediatamente, manda a exegese para o inferno!, chama você de "presunçoso", olha para você como para um diabo, alternativamente, um inconveniente, um desmancha-prazer, estabelece aquele esgar sacerdotal na face, como faz o Padre Marcelo, olhando para algum lugar no teto da nave, e volta a palrar, como se você não existisse...

9. O quê? Estamos perdidos, então? Ah, sim, certamente, mantidas as condições normais de temperatura e pressão... Do jeito que está, estamos perdidos. Porque é compreensível que os "velhos" profissionais da "velha" teologia dissessem - e digam!, ela ainda está aí - os disparates (e quantos!) teológicos mais absurdos que tiverem condições de imaginar (e são criativos!) nesse constrangedor circo teológico (dos horrores!) em que o Evangelho, no Brasil, se converteu - Seminários de fundo de igreja, Seminários Maiores, mas dirigidos por mentes menores, fundamentalistas e politicamente comprometidas com a Tradição: aí, está-se navegando no mar dos impulsos estético-políticos, dos arroubos teológicos do carisma, da doutrina, da Tradição. Todavia - o profissional que venha a ser formado no MEC - ah, poderei aturar suas estultícias?, suas incompetências?, suas "manias"?, sua "fé"? Não me situo, em face dele, no direito de questioná-lo?, de pedir que volte para o banco da escola, que aprenda a ler, que aprenda a respeitar o bom senso, que não fale como um pequeno "deus", mas que se pronuncie como que "em tese", sabendo-se sujeito a erro?

10. Ah, que situação dos diabos essa: de um lado, uma Teologia apavorada de perder a revelação - sem revelação (alías, sem "iluminação", esse é o xis político!), a Teologia esvazia-se, como um baiacu desinflado - era pose, aquilo. De outro lado, profissionais de Teologia que falam como se suas bocas fossem extensões da boca de Deus, seja por meio de Dogma ou de Metáfora que se pronunciem, o que significa mais ou menos autenticidade, dignidade. Que confusão digna dos infernos! Que loucura de situação! Dante, nem tu imaginarias esse Inferno...

11. Esperemos o próximo ato. É tristíssima a constatação a que chego: se formos nós, teólogos, a decidir a questão, esqueçamos todas as regras de bom senso: vencem os homens de partido - como há dois mil anos vem acontecendo...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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