sábado, 18 de abril de 2009

(2009/175) Mais um artigo a respeito do estatuto epistemológico da teologia


1. Saiu na última Correlatio: Teologia, ciência ou metafísica?, de Júlio Fontana. Não pretendo, aqui e agora, analisar, como gosto, ponto a ponto, o artigo. Minha primeira impressão não foi boa, pela razão de que não se está, de fato, aí, interessado em trazer a teologia para o campo da ciência. O propósito é, primeiro, perguntar se ela é uma ciência - não é, concluirá. Para o fazer, serve-se de Popper. Corretamente, eu diria - se uma teoria não é refutável, não pode ser considerada científica, o que não significa que esteja, necessariamente errada. Todavia, não é científica, logo, em termos epistemológico-científicos, não é "conhecimento", não é "saber", porque o sujeito não pode afirmar que sabe o que diz saber, já que, para o saber, deveria poder checar, e não pode, porque o que diz ser "saber" não é refutável. Assim, o que não é refutável, não sendo, por isso, científico, só pode ser assumido como "fé" ou tradição, ou, para sair do campo da religião, como um a priori metafísico normativo-dedutivo: independentemente de eu saber se a coisa é assim, tudo irei analisar como se assim fosse.

2. O artigo, portanto, reconhece que a teologia não é ciência. Ponto para o artigo. Bem, se a teologia não é ciência - é metafísica e mito, como o reconhece Júlio Fontana -, qual a conseqüência, então? Nos termos do artigo, na prática, nenhuma. Prova-o o artifício de, primeiro, argumentar-se a respeito de uma superioridade "racional" da doutrina cristã criacionista sobre todas as outras mitologias criacionistas, desde as pré-socráticas até as concorrentes domésticas. O argumento do autor é que a teologia cristã da criação impôs-se pela sua relativa superioridade em face das demais - o que, a meu ver, é um exemplo típico de abstração da história concreta: as questões relacionadas à política romano-cristã, Nicéia, o Império, a cassação de todas as doutrinas contrárias, a coerção político-religiosa, o engessamento, a hegemonia, o aggiornamento, as perseguições, nada disso serve para trazer à luz o fato de que, assim como as doutrinas teológicas de Nicéia, o criacionismo imperou onde e quando imperou por meio exclusivamente da força política, até que a massa cristã estivesse estupidificada demais para chegar a ter razões e/ou forças para a confrontação, o que, contudo, logo aconteceria, após a introdução de Aristóteles na Europa. Para Júlio Fontana, contudo, o criacionismo disputou com as demais mitologias um concurso público, e levou o primeiro prêmio porque é extraordinariamente coerente e bem-formulada. As demais mitologias até aplaudiram a sua "vitória", não se sabe...?

3. Mas tem mais. Partindo para um campo que Popper não legitimaria, muito pelo contrário, o campo epistemológico do não-fundacionismo, ou seja, a pós-modernidade, Júlio Fontana vai fazer o seguinte. Uma vez que o criacionismo é a mitologia campeã da história dos mitos, tendo alcançado o campeonato por meio dos méritos racionais que o constituem - ele conseguiria responder o máximo de questões, enquanto que as demais mitologias ficariam, em relação a ele, devendo... -, o criacionismo é posto lado a lado com o evolucionismo, como teorias equivalentes. Não importa quem ganhará essa disputa que Júlio Fontana promove. A epistemologia, aí, foi absolutamente, corrompida. De um lado, um mito, de outro, uma hipótese das ciências - a mesma coisa... É só promover, agora, uma eleição...

4. A meu ver, o artigo de Júlio Fontana persegue um caminho semelhante àquele que perseguiu Júlio Zabatiero, no seu artigo da Estudos Teológicos 47/2 - teologia não é ciência, mas manda ver... Não é coincidência que ambos tenham recorrido ao não-fundacionismo, Zabatiero, por meio de Habermas, Júlio Fontana, recorrendo a um "é assim que é hoje". Porque, nesse jogo, afirma-se que a teologia não é ciência, com o que se livra a teologia das regras do jogo científico, e, ao mesmo tempo!, afirma-se que, contudo, ela é, sim senhor, plenamente racional, e o que ela diz tem tanto "valor" quanto o que a ciência diz, ou seja, ela e a ciência são "visões" equivalentes sobre o mundo, a vida e o homem. É, pois, necessário recorrer-se ao não-fundacionismo, porque, assim, transforma-se a ciência num jogo de palavras, sem qualquer base na realidade, e a faz equivalente à teologia.

5. Movem-se céus e terra, mas tudo permanece do modo como está - é a "revolução" dos astros, que, partindo do mesmo ponto da elíptica, chegam novamente a ele... O Eterno Retorno retórico da epistemologia não-fundacional pós-moderna - a serviço da contra-crítica.

6. O que está em jogo, contudo, é o que faz a teologia na Universidade. O que ela quer, é, de fato, sob as regras das ciências, sem burlá-las, conhecer-se, ou, ao contrário, dona de si, de seu nariz, quer-se fazer faceira, dizer o que lhe vem à telha, tricotar seus mitos à mesa comensal, como se direito a isso tivesse, justo ali, esse espaço construído à força de expulsá-la do controle da sociedade? Não aprendeu nada essa teologia, meu Deus?



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

3 comentários:

Júlio Fontana disse...

Prezado Osvaldo Luis Ribeiro,

Em primeiro lugar fico feliz do senhor ter se interessado em ler o meu artigo. Nossa intenção é a busca da verdade, por mais que seja difícil saber quando a encontramos, ou se a encontraremos (Popper).
O senhor disse em sua crítica: "Minha primeira impressão não foi boa, pela razão de que não se está, de fato, aí, interessado em trazer a teologia para o campo da ciência."
Poderia estar interessado se a teologia apresentasse o mesmo estatuto epistemológico das ciências empíricas. A teologia quer ser ciência para quê? Embarcar de carona no status que a ciência adquiriu nos últimos séculos? (Searle) Teologia é hermenêutica.
O fato da teologia não ser uma ciência como a física, por exemplo, não é nenhum reconhecimento de inferioridade, mas de reconhecer que tratam de matérias distintas.

Sobre o que o senhor afirmou: " Partindo para um campo que Popper não legitimaria, muito pelo contrário, o campo epistemológico do não-fundacionismo, ou seja, a pós-modernidade"

Não há qualquer relação entre não-fundacionalismo com pós-modernidade. Popper é um não-fundacionista sim! O senhor ainda afirma que Popper não legitimaria a minha descrição sobre o pensamento dele? Estás brincando senhor Osvaldo? O senhor sugere que Popper seja um fundacionista? Qualquer leitura superficial das obras dele irão mostrar que Popper é avesso a qualquer fundacionismo.
Obrigado pela leitura do artigo, mas a crítica não é referente ao meu texto, mas aquilo que o senhor queria que ele falasse.

Att,

Júlio Fontana

Peroratio disse...

Olá, Júlio Fontana. Vou comentar sua resposta no próximo post de Peroratio, está bem? Tentemos manter as coisas no campos das idéias, está bem? Sabia que depois de escrever também esse post, acabei vindo trabalhar na Unida e tendo como colega e chefe Julio Zabatiero, que menciono no texto? Quem sabe a vida não acabe fazendo com que trabalhemos juntos...? Nunca se sabe... Mas isso não significa que não devemos dizer o que pensamos sobre o que esse ou aquele escreve, certo? Pois bem, até o próximo post de Peroratio que, se me conheço, sai hoje ainda...

Peroratio disse...

De fato, saiu:
http://peroratio.blogspot.com/2011/07/20114230-treplica-julio-fontana-minha.html
Osvaldo

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