segunda-feira, 6 de abril de 2009

(2009/144) "A Floresta", de Augusto, e eu


1. Às vezes, tenho a sensação de que a (minha) vida [talvez devesse tirar os parêntesis] é a representação de um enredo, que ignoro, como se cada "ato" estivesse ligado ao outro não "por dentro", mas desde fora. Não, não, por favor, que tenho horror, abjeção mesmo, a qualquer laivo de "determinismo" - teológico (calvinismo) ou secular (estruturalismo). E, no entanto, essa neurose mística que me acomete, quantas vezes, beira essa patologia!

2. Sou Wald, já sabemos - floresta (selvagem). Agora há pouco, em meu ritual litúrgico de consulta ao Oráculo, bati-me de cara com um poema de Augusto dos Anjos - "A Floresta". Na minha adolescência, o Simbolismo de Augusto dos Anjos e de Cruz e Souza me apaixonava, também pelo fato de que, como o primeiro, eu não sabia, até então, o que era o amor. Sofrer de amor, ah, era o maior dos prazeres... É compreensível uma tal experiência, posto que eu vivia "preso" dentro de casa. O amor era, para mim, hormônios e olhares, mais nada.

3. Há muito não lia dos Anjos. E acabei de ser petrificado por "A Floresta":

A Floresta
Em vão com o mundo da floresta privas!...
- Todas as hermenêuticas sondagens,
Ante o hieróglifo e o enigma das folhagens,
São absolutamente negativas!

Araucárias, traçando arcos de ogivas,
Bracejamento de álamos selvagens,
Como um convite para estranhas viagens,
Tornam todas as almas pensativas!

Há uma força vencida nesse mundo!
Todo o organismo florestal profundo
É dor viva, trancada num disfarce...

Vivem só, nele, os elementos broncos
- As ambições que se fizeram troncos,
Porque nunca puderam realizar-se!

4. Impactado pelo poema, fui verificar a procedência de sua autoria (difícil alguém escrever como Augusto dos Anjos, mas, em todo caso), e, para minha ainda maior perplexidade, deparei-me com um artigo em que Augsuto dos Anjos é relacionado a ninguém mais do que Schopenhauer - um dos românticos, em grande medida, meus "pais epistemológicos" -, e isso precisamente por força desse poema. Trata-se de "A Racionalização de Schopenhauer na Poesia de Augsuto dos Anjos", de Cristiano de Sales (aqui). Eis um extrato de suas observações, nesse caso, aplicadas diretamente a "A Floresta":

4.1 "A começar do título já se pode notar que o soneto sugere um lugar cuja essência está no instinto, já que esta é a força que impera em meio à vida que lá existe. Ou seja, a intervenção racional do homem não é invocada ao que tudo indica. Afinal, conforme traz a primeira estrofe, toda a tentativa de interpretação se revelará negativa diante da complexidade da floresta.

4.2 A segunda quadra é um convite à reflexão e ressalta a sedução de um mundo que em muito lembra o olhar, ou a descrição, que Euclides da Cunha volta ao sertão, também na virada do século. Mas é a partir do primeiro terceto que a idéia schopenhauriana começa a ganhar traços bem definidos, pois nele estão contidos dois pilares fundamentais na construção teórica do pessimista filósofo: a dor como essência e o disfarce".


5. Também aí eu me encontro. Quem me vê, por fora, fatalmente empregaria a palavra "razão" ("ele é um crítico!") para descrever-me. Não, não, não. Emprego, sim, epistemologicamente, metodologicamente, a razão, sem a qual, não há, decerto, emancipação, jamais, crítica. Mas é, sobretudo, o instinto, a mística, o farejamento, o que me define - o assombro romântico em face do mundo. A razão, nesse caso, é tão-somente uma ferramenta de defesa, de terraplenagem, de arroteamento, com a qual constuímos nosso mundo, furtando-nos ao peso insuportável da nudez da matéria. Na prática, o que faz de mim um não-carismático, um não-fundamentalista, um não-apologista é essa correlação entre a mística de fundo (um cheiro de mistério impregna a vida) e a crítica (mas tudo quanto dela se diz é puramente invenção do dizer). Nisso, mais uma vez, encontro-me, se ele me permite, ao lado do incomensuravelmente genial Edgar Morin, quando ele diz: "é preciso ser racional e místico"... É talvez apenas no interior da floresta selvagem que se pode encontrar o equilíbrio adequado entre forças cosmogônicas tão poderosas...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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