segunda-feira, 6 de abril de 2009

(2009/143) Lá como cá - cá, porque lá...


1. Sciences et Théologie é o título de uma obra que pretende discutir a relação entre as ciências - também as da Natureza - e a Teologia. Foi publicada pela primeira vez em 1999 (Dominique Lambert, Sciences et Théologie - l'es figures d'un dialogue. Bruxelas: Éditions Lessius, 1999), tornando-se disponível ao público brasileiro pela tradução da Loyola - Ciências e Teologia - figuras de um diálogo. São Paulo: Loyola, 2002. Nos termos em que Lambert - e esse tipo de Teologia - propõe a relação, é pô-las em "diálogo". À essa altura, contudo, já sabemos de que tipo de "diálogo" se trata, nada muito diferente do tipo de diálogo que o Cristianismo mantém com os povos do planeta... De modo que a expressão "tornar científica a fé" equivale, politicamente, àquela outra: "inculturar a fé": as culturas e as ciências devem levar muito a sério a Teologia...

2. Do capítulo "As três formas de interação das ciências com a teologia", fazem-se constar três seções: "o concordismo" (p. 68-80), "o discordismo" (p. 81-94) e "a articulação" (p. 94-111). Basta o título da conclusão do capítulo para se saber a posição de Lambert (surpreende a alguém, ainda?): "conclusão: alcance e limites da articulação" (p. 111-114).

3. Dominique Lambert quer uma alternativa entre o concordismo e o discordismo (a ciência simplesmente concordando ou discordando com tudo quanto diz a Teologia), e, para isso, postula a "via média", ou, em suas palavras: "descobrir uma situação mediadora que, ligando as duas ordens, de realidade e de discurso a que estão associadas, garanta-lhes autonomia própria" (p. 94). Obviamente que esse constitui o discurso padrão de uma Teologia não-fundamentalista, mas, nem por isso, também não-metafísica e não-normativa. Não é por outra razão que, não obstante não constar a obra da bibliografia empregada por Francisco de Aquino Júnior, os argumentos de Lambert poderem ser também lidos no seu artigo da Rever (aqui o artigo, aqui minha crítica).

4. Um exemplo: Lambert vai interditar às ciências a possibilidade de justificarem, sob seus próprios regimes epistemológicos, a existência do Universo (p. 95-96). Nesse ponto, então, Lambert encontra a primeira articulação possível - a "teologia da criação" (p. 96). De forma catedrática (escolástica, obviamente), ouve-se-lhe a dizer que "a criação é justamente uma relação 'metafísica' pela qual Deus coloca o Universo em seu ser" (p. 96). Daí em diante, Deus entrará na argumentação, como ator, agente, o próprio ser. Ora, as ciências devem tormar essa perspectiva, porque aí encontrarão a plena possibilidade de articulação entre seu limite epistemológico e aquela melhor capacidade da Teologia de percepção da realidade...

5. E, contudo, mesmo um Gadamer, depois de ouvir por horas tanto um Gianni Vattimo quanto um Jacques Derrida (em Capri), conclui, quase em desânimo: "em resumo: os dois companheiros de diálogo concordam claramente na questão fundamental de que nem a metafísica nem a teologia podem dar uma resposta científica à questão de saber por que existe alguma coisa, em vez do nada" (cf. Jacques Derrida e Gianni Vattimo (org), A Religião - o seminário de Capri. São Paulo: Estação Liberdade, 2004, p. 231). Ora, se a Teologia, logo, a metafísica, não podem dar a resposta científica que as ciências aceitam, o que as ciências podem aproveitar dessa "articulação" com o puro mito? Devem, hum, converter-se?, é isso?, fazer como as culturas, diantes das missões?

6. O que esse tipo de argumentação chama de "articulação" representa, nada mais, nada menos, que a supressão de todas as regras epistemológicas e críticas das ciências (nem que por dois segundos que seja, se as ciências acenarem que sim com a cabeça, acaba, na hora, a ciência inteira). O que a Teologia quer é ser aceita como é, com sua mania metafísica, seus pruridos revelatórios, suas idiossincrasias divinatórias, pelas ciências. Esse tipo de articulação é impossível. Um Teólogo seria capaz de escrever oitocentas teses sobre isso, doze mil artigos, orientar trezentas e dezessete monografias de bacharelado, promover sessenta e três congressos, redigir três bulas e meia, vender doze dúzias de apologias e pregar um sem número de sermões. Um "cientista", contudo, teria de, rapidamente, procurar alguma coisa boa para urticária e mal-estar...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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