quinta-feira, 19 de março de 2009

(2009/093) Wald


1. Hoje, aprendi um pouco mais de mim. Foi quando olhei para uma palavra - Wald.

2. Há algum tempo, uma criatura atormentada por seus fantasmas, cuidou diminuir-me publicamente, construindo um trocadilho até inteligente com meu sobrenome: Ribeiro. Utilizando-se de discurso paraninfal, referiu-se a mim por meio da expressão "ribeiros rasos", uma forma de dizer-me alguma coia entre ignorante e simplório, por isso menor, essas coisas de que se servem as almas tristes, coitadas, por despeito - estão verdes, disse a raposa... Em resposta e homenagem àquele pretenso insulto, reiterado em outra ocasião com um menos criativo "riachos rasos", redigi Sobre Ribeiros Rasos.

3. Sobre Ribeiros Rasos foi uma feliz oportunidade para pensar-me a partir de meu nome. E, ali, "abri" o segredo de Osvaldo, Wald em alemão - que, então, traduzi como "floresta". Asim, Osvaldo Luiz Ribeiro remetia às águas rasas dos ribeiros da floresta, à luz que entremeia a copa das árvores, a luz que resvala as águas rasas do ribeiro... Uma belíssima imagem. O tiro saíra pela culatra, e a resposta, conquanto tardia, reverberava elegância (há elegância também no fio do machado!).

4. Li, contudo, em Alain Gerreau, que Wald indica, mais precisamente, o espaço selvagem, sim, a floresta, mas sob a rubrica de ser, a floresta, selvagem, termo que teria por parente, ainda, o inglês wild. Não contive, na hora, o sorriso, como quando você se vê a si mesmo, de repente, quando, então, você levanta a cabeça do livro, olha para nada e ninguém, e ri-se.

5. Selvagem, sim, eu o sou. Ainda penso que por conta de não ter sido criado por um pai. Apenas minha mãe. Essa experiência fez-me, de um lado, primeiro tímido ao extremo, inseguro à beira da patologia, imaturo à extravagância, fruto de ausências afetivas dificilmente superáveis em outra circunstância. O encontro formidável com Bel, contudo, deu-me ocasião de superar essas inconveniências afetivas, e, então, curado eu dessas patologias "maternas", emergiu, desde dentro de mim, um "monstro" indomável, um ogro, de clava e tudo, um eu não castrado pela presença do pai, um eu que não se submete, não se curva, não acata autoridades onde não há autoridade, que não sabe o sentido de uma palavra de patente, uma ousadia de pele, um instinto waldiano.

6. Wald - selvagem. Por isso, agora compreendo, não me acanho diante de um Gadamer, por exemplo, de um Lévinas, de um Vattimo, de um Habermas, não pelo nome que carregam sobre a carne, mas os enfrento, ousadamente, sob o risco de perder a luta. Não importa! O que não posso, não um Wald, é considerar que a luta está ganha porque, do outro lado, está a Autoridade. Não, não há autoridades na floresta selvagem - só as feras, os javalis, a umidade, o calor, a caça... Quer vir o caçador? Venha - mas se benza sete vezes!, e encomende a alma...

7. "Os caçadores utilizavam um animal doméstico no espaço selvagem (Wald, wild) e, ao contrário, um animal selvagem um pouco adestrado no espaço cultivado: tratava-se de uma forma de inversão, e sabe-se que os ritos de dominação apresentam-se sempre como ritos de inversão" (ALAIN GUERREAU, Caça, em Jacques Le Goff e Jean-Claude Schmitt, Dicionário Temático do Ocidente Medieval - I, EDUSC, 2002, p. 145). Lá está - sou um espaço selvagem, uma floresta. Aquele meu tristíssimo desafeto poderia ter aproveitado também esse termo, e ter-me dito não apenas "ribeiro raso", mas, ainda melhor, "floresta inculta". Com isso, acertaria duas vezes, posto que eu não apenas sou raso: sou também inculto - nas árvores da minha floresta ninguém há de bater o machado, nas terras das minhas carnes ninguém há de fincar suas enxadas, ninguém há de arrotear-me, plantar em mim suas daninhas, afundar em mim suas raízes, viver da minha terra, posto que o ribeiro raso corre em terra inculta, chão selvagem e inóspito - morada, todavia, da ninfa dos pés mimosos, náiade fantástica, canela do meu tronco, fada feérica, ent mitológico da floresta inculta - Bel. Para ti, donzela, a floresta selvagem faz-se romântico recanto.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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