sexta-feira, 20 de março de 2009

(2009/094) Verdade e poder


1. Haroldo disse: "verdade é questão de poder" (Haroldo Reimer, (2009/091) Interpretação e Verdade, § 7). Entendo sua afirmação. Em seu contexto, ela estabelece um juízo sobre a "história" que ele narra, para ilustrar o modo com a "verdade" é construída, retoricamente. A despeito de eu apostar minhas fichas na afirmação de que a história é falsa e montada, ela ilustra bem o que Haroldo quer dizer com a afirmação. No entanto, o parágrafo seguinte põe as coisas em seu devido lugar: "Somente a pesquisa indiciária consequente é capaz de evidenciar as falácias das verdades 'estabelecidas'" (Haroldo Reimer, loc. cit., § 8).

2. Mas, não - a verdade não é uma questão política, não. É verdade, sim, que a política, em todas as suas expressões históricas, acaba por apropriar-se dos mecanismos retóricos da construção do que ela, a política, pretende seja assumido como "verdade". Mas, a despeito de ser eventualmente bem sucedida, a retórica política produz tão somente uma fraude, possivelmente desmascarada pelo que Haroldo mesmo chama de pesquisa indiciária - veja o caso famoso da Doação de Constantivo, ou, em outro campo, o exemplo da leitura "cristológica" da Bíblia Hebraica, insustentável fora da operação alegórico-teológica da Tradição, o que o demonstra cabalmente, sem sofismas, a boa exegese histórico-crítica (histórico-social).

3. A verdade é, antes, uma questão de correlação heurística entre objetos. A relação sujeito/sujeito (estética) não gravita em torno da noção de verdade. A relação sujeito/outro (política) não gravita em torno da noção de verdade. É a relação sujeito/mundo - objeto/objeto (heurística) - que estabelece o princípio da verdade - o princípio da adequação. Não vem ao caso se a verdade, nesse caso, constitui-se, também, de um quadro conceitual-representacional antropológico. O que vem ao caso é que o âmbito pragmático da verdade é a heurística, não a estética, muito menos a política.

4. Logo, é apenas em sentido fenomenológico - denúncia! - que se pode dizer que a verdade é uma questão de poder. E a própria denúncia, constituindo uma correlação entre objetos, é, em si, verdadeira: o poder subverte a verdade, instrumentaliza-a, degrada-a. Nas condições éticas presumíveis do descortinamento da verdade, e verdade verdadeira, verdade heurística, ela, a verdade, não tem relação com o poder - ao menos não o poder político. É a pesquisa, a capacidade investigativa, o manejo das teorias e dos métodos o plano no qual a verdade opera.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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