sexta-feira, 3 de abril de 2009

(2009/133) Jimmy: "ver até aonde isso vai..."


1. Almoçamos, Jimmy e eu - ele, uns matos verdes, "causo qui", disse-me, uma barriga lhe ia incomodando a compreensível vaidade da flor da idade (rins e fígado não fizeram, em vinte anos, o que uma barriga fez em três meses!), eu, uns palmitos, oxalá de extração legal. Tomamos chuva, depois, voltando para a Colina (que é como chamamos a colina sobre a qual se instala o prédio da Faculdade Batista do Rio de Janeiro - cf. foto ao lado - no Google Earth: latitude 22°56'2.54"S, longitude 43°14'8.49"O).

2. Conversamos sobre assuntros de interesse comum - Filosofia, Teologia, Política, Método. Às vezes, quase creio que Jimmy me leva a sério... Seja como for, é admirável o caráter meteórico de sua formação, já chegando ao doutorado, deixando "para trás" um sem número de colegas e professores, entre admiradores e críticos. Daqui a pouco tempo serei obrigado a tratá-lo como "um igual", vejam vocês que absurdo!, logo a ele, que nem às minhas aulas ia... Acho que foi a umas cinco, talvez, não, Jimmy? (em tempo: à época, o curso era "livre", e não fazia "chamada": quem quiser vir à aula vem, quem não quiser, não vem encher o saco, era a minha regra, explicitada a todos [a maioria ia, mas um grupo bom sempre deixava de ir - Jimmy entre eles. Jimmy não fora, portanto, excessão, sequer privilegiado - a diferença, é que, conquanto a maioria dos faltantes era constituída de confessionais aborrecidos de ouvirem um professor crítico, Jimmy não ia porque sempre se sentia dispensado, considerando que já superara a fase de "ouvinte". Quanto aos confessionais que, eventualmente, não iam à aula, não digo que me fizessem "falta", porque não havia mesmo como "dialogarmos", porque nem eles nem eu estávamos dispostos a abrir mão de nossos pressupostos, e eu pago para não obrigar ninguém a me ouvir de má-vontade. Mas Jimmy fazia falta - e roubou-me, anote aí, Jimmy, boas trocas. Mas era um "menino" - eu compreendo... O MEC, agora, obriga-me a fazer "chamada". Confesso que o faço por obrigação. Hoje, Jimmy, não me escaparias...]).

3. Conversamos, pois. No meio do "papo", Jimmy me sai com essa: o seu post, aquele que me arrancou (no dizer de Daniel Justi) irritantes dez respostas, representa uma investida na direção de ver "até aonde vai" a possibilidade de uma reação "místico-teológica" contra a onda emancipatória da razão ilustrada. Disse-me, inclusive, que o dissera a Pondé: "Pondé, vou ver até aonde vai essa retórica". Bem, se isso é verdade, Jimmy, com efeito, ali você inflou o peito, como um sonoro sapo-boi, e mandou ver. Mas, repara lá bem: o coaxar saiu como o de uma pequena perereca de charco, você há de confessar, ainda que a contra-gosto.

4. Jimmy, meu velho, há duas formas de a questão da "espiritualidade" (mística, teologia, "fé") milenar do judaísmo-cristianismo ser encarada. Ou (1) considerar que os equívocos político-epistemológicos dos dois mil anos de sua história (um quarto disso a mais, se retroagirmos tudo a Josué, o sumo-sacerdote de Zacarias) foram circunstanciais, não-estruturais, não-eidéticos, não-sistêmicos, e, por isso, cogitar de uma possibilidade de corrigir os erros "medievais", de modo a se poder fazer uma teologia de "encarar as faces de Deus" sem os pecados notórios daqueles tempos, ou (2), ao contrário, considerar, como é meu caso, que não se trata de corrigir problemas de "um sistema bom, mas defeituoso", mas se trata, antes, de substituir todo o sistema, dado que não se cogitaria da articulação do mito travestido de conhecimento, como desde o inicio da emancipação (Kant) se sabe - saber é saber, fé é fé, e fé não é saber. Mais que isso: conquanto haja alguma dose de mito e, até, de fé, no "saber", não há, todavia, nada de "saber" na "fé".

5. Assim, Jimmy, aonde vai dar esse inventimento na estratégia de desancar a emancipação? No óbvio - na leniência, na negligência, nos acordos de gaveta, nas políticas de dizer e deixar dizer (refiro-me aqui à feira dos horrores da retórica pós-moderna), na aparência de uma "libertação", atrelada, no entanto, a uma estrada doutrinária, esquiva e fluida - porque qualquer afirmação, profunda ou rasa, positiva ou negativa, sobre a dimensão "metafísica" (em sentido teológico/mitológico) é, ao fim e ao cabo, irretorquivelmente, doutrina -, em propostas como a de von Sinner/Dalferth de uma teologia que dita as próprias regras epistemológicas, ao mesmo tempo em que quer atentos a si os ouvidos das ciências (quer os ouvidos, sem ter os olhos e a boca!).

6. Vai lá, Jimmy, "experimente". Ensaie. Teste. Verifique. De minha parte acho que será um tempo precioso desperdiçado - se o objetivo confessado corresponde à sua real motivação, naturalmente. Não se trata de sistemas comparáveis: há uma parede de chumbo entre as cosmovisões da teologia (seja de Barth, seja de Lévinas, seja do movimento The Fundamentals, seja do Vaticano I ou II) e das ciências - sejam as humanas, sejam as naturais. Parede instransponível. Não há como fazer ciência séria, fazer crítica séria, ser iconoclasticamente sério (ou a ciência é iconoclasta, ou não é ciência), assumindo, antes, uma pré-visão norteadora fechada e inacessível à falseabilidade, ainda que Deus aí seja um espectro ectoplasmático estético: travestido de "pressuposto" epistemológico, danou-se...

7. Sobretudo, o modus operandi de todas essas teologias é irrecuperável, em seus próprios termos, porque elas não têm a mínima vontade de reconehcerem-se estética e política, muito menos de fazerem-se, verdadeiramente, heurística, porque, para elas, a sua"doutrina", o seu deposito fidei é conhecimento.

8. Torço, Jimmy, honestamente, por você. Oxalá eu esteja absolutamente enganado, e haja um jeito, quem sabe?, de fazer o que se fazia até há duzentos anos, sem cair nos mesmos erros e desacertos, um jeito de usar "Deus" (com maiúscula, minúscula, no singular ou no plural) como base saudável para alguma epistemologia conseqüente e verdadeiramente pública. Quem sabe? Não creio. Torço, contudo, para que você se encontre, e, encontrando-se, encontre a resposta. Quanto a mim, perdi-me, porque achar-me foi, ao mesmo tempo, perder-me, porque você não sabe mais quem é, o que é, à medida que vai constituindo sua existência à luz dos pressupostos emancipados - você vai-se fazendo, na abertura, na provisoriedade, na circunstancialidade, no possível, no provável e probabilístico, no risco, na singularidade. Você é projeto, aberto, sem a mínima chance de determinar-se a priori. Nesse sentido, é bastante mais confortável cuidar sentir bafos do divino na cara nua... Mas, amigo, te conto um segredo de Polichinelo - seja o bafo, seja o divino, seja o sentir, tudo isso é pura mitologia da alma. Em alguns casos, sem a mínima consciência. O que me causa surpresa é que haja almas que se debatam contra si mesmas, e ainda precisem recorrer ao que Feuerbach já adiantou ser placebo... Já leu meu Teologia no Divã?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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