sexta-feira, 3 de abril de 2009

(2009/132) A última - eu acho...


1. Ontem, a turma do quinto período de Graduação em Teologia (campus de Nova Iguaçu do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil), a pedido (Tópicos Especiais em Teologia), terminamos de discutir o artigo de Rudolf VON SINNER, Teologia como ciência, Estudos Teológicos, v. 47, n. 2, 2007, p. 57-66 (passaremos à análise do artigo de Enio Mueller e, depois, do de Zabatiero - ambos constantes da mesma edição da revita). A "despedida" não trouxe novidades - a "teologia" que se defende no texto é, para todos os efeitos, confissão de fé, logo, indiscutivelmente imprestável para a academia e irrecorivelmente impossível de constituir-se "ciência", a despeito de se fazer assim alhures e dos argumentos retóricos arrolados.

2. E o artigo o sabe. Eis o "argumento" que se pode encontrar no quase encerramento de "Teologia como Ciência": "com boa razão a teologia está [...] sendo ensinada em universidades desde que estas existiam na Europa. Ela tem e procura seu lugar no âmbito da ciência institucionalizada [...] Isto não quer dizer que a teologia deveria submeter-se a um princípio de ciência alheia ao seu assunto e ignorar seu caráter próprio como responsabilidade pensadora da fé cristã. Quer dizer, isto sim, que aceita o dever de prestar contas publicamente sobre seu raciocínio, portanto envolver-se no discurso crítico-argumentativo sobre suas temáticas e seus argumentos" (Ingolf Ulrich DALFERTH (ed), Sprachlogik des Glaubens, München: KAISER, 1974, p. 66, apud VON SINNER, loc. cit. - a foto acima, à direita, é de Dalferth). Chamo a atenção para a surpreendente - sim, surpreendente, porque se trata, ou não?, de um artigo [o de von Sinner] que de si diz-se discutir a presença da Teologia no "jogo das ^ciências"! - declaração: "isto não quer dizer que a teologia deveria submeter-se a um princípio de ciência alheia ao seu assunto e ignorar seu caráter próprio como responsabilidade pensadora da fé cristã". Aqui, levantar-se-iam os jurados, porque o caso se encerra... Ou o assunto da Teologia é o mesmo das Ciências Humanas, e, então, o jogo já está em andamento, ou é alguma coisa como o que ela trata por "Deus" (mesmo que na forma amainada, eu diria, dissimulada, de um "falar de Deus"), e, nesse caso, a Teologia é mito, legítimo em termos estéticos e políticos, vá lá, mas, sob nenhuma circunstância, possível para a ciência (= heurística).

3. Como, Deus do céu, em sã consciência, pode-se afirmar que a Teologia não deveria submeter-se a um princípio de ciência alheia? Como não? É sua obrigação, se quer, mesmo, fazer-se ciência. O que essa "teologia" quer? Recitar "revelação" - faz-me rir! -, jornal na direita, Bíblia na esquerda? Na cátedra? diante da qual a ciência persignar-se-á, genuflexa, sob efeito, ainda, dos incensórios? A ciência virou o quê? Feira-livre? Espetáculo de idiossincrasia teatral? O quê? Cada ator, cada feirante, fala por quinze minutos em sua própria babélica língua, sobre um tabuleiro epistemológco de encomenda?

4. Compare-se essa proposta de von Sinner/Dalferth com a lucidez das declarações de Jérôme H. Règles Barkkow, feitas durante entrevista que concedeu ao historiador François Dosse: "eu coloco como exigência que toda explicação sociológica da ética seja compatível com as teses psicológicas da ética, e que estas sejam compatíveis ao mesmo tempo com as neurociências e com a biologia da evolução (...) A maneira pela qual as ciências sociais se isolam é indefensável. Isso não quer dizer que seja preciso ser reducionista. É preciso ser compatível" (François DOSSE, O Império do Sentido - a humanização das Ciências Humanas, EDUSC: 2003, p. 265). Compatibilidade! A Sociologia não precisa tornar-se Psicologia, mas tem de ser compatível - porque ou são ciências, todas, o que significa que jogam o mesmo jogo, operam segundo as mesmas regras, os mesmos limites, ou não são - mais - ciência.

5. Von Sinner quer uma Teologia (e por isso recorre a Dalferth!) que tenha suas próprias regras, que não se submeta! Dalferth ainda chega a brincar com minha racionalidade. Ele quer que eu acredite, como ele disse, que "a teologia está [...] sendo ensinada em universidades desde que estas existiam na Europa" - Deus do céu! A Teologia estava lá - até o século XIX - porque era ela quem controlava, coercitivamente, monarquicamente, ditatorialmente (que o diga Galileu!), sacerdotalmente, dogmaticamente, o "jogo". Foi só as regras serem determinadas pelas próprias ciências que a Teologia de lá foi enxotada - e, onde não foi, é Barth seu epistemologista! Popper? Aí? Fala sério! O negócio aí é "apologética". E não é que se olvide a História - o próprio von Sinner reconhece que, durante aquele período, as ciências eram prisioneiras: "diferentemente da época quando era preciso libertar a ciência, a política e a lei da prepotência da igreja, e se começou a argumentar etsi deus non daretur, 'como se Deus não existisse'". Vê-se como von Sinner sabe que a "prepotência da Igreja - logo, da fé, da Teologia, de Deus! - tanto oprimia a ciência que, então, fez necessário "libertar a ciência, a política e a lei"? Sim, ele o sabe - e nós também! Então como pode afirmar, para isso apelando para Dalferth, que desde sempre a teologia esteve na Universidade? O que se quer com esse tipo de argumento?

6. O que se quer? Aqui está o que se quer: "é preciso, hoje, argumentar precisamente etsi deus daretur, pressupondo a existência de Deus e explorando o que isto significaria para nossa percepção do mundo". MEC, pariste um monstro! A Teologia quer que o seu jeito de estar na Universidade seja a partir do pressuposto - da fé, da doutrina, do dogma, da confissão - da existência de Deus. O XIX inteiro, nessa proposta, é escoado para o ralo. A fé que eventualmente anime o cientista, o acadêmico, que nutra a sua alma, anime o seu corpo, ótimo - mas que fique bem do lado de fora da porta, porque não é nem que não tenha serventia na pesquisa - é mais grave do que isso: ela é prejudicial à pesquisa. Ela assassina a pesquisa - e, se pudesse, também pesquisadores...

7. Fiquei satisfeito com o fato de a própria turma ter pedido, votado e decidido pela discussão do tema do estatuto epistemológico da Teologia. Num contexto onde o assunto pouco aparece, e, quando aparece, é em quantas em estilo apologético, na condição de pesquisador e crítico dessa pretensão divinatória da teologia, fiquei satisfeito. Todavia, mais ainda com a percepção de que não estou louco: os própros alunos, lendo cada uma das declarações de von Sinner, perguntavam-se como é possível uma ciência que, na partida, já tenha compromisso com a fé e a verdade, e não enquanto alvo, mas enquanto confissão já declarada? E eu acrescentaria - pior, ainda, quando ela mesma decide as regras em que os discursos podem e devem ser montados... Incorrigível essa Dona Teologia...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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