segunda-feira, 3 de maio de 2010

(2010/365) Terceira reação ao post de Haroldo Reimer (2010/361) Teologia heurística?


1. Porque agora estamos na Universidade... Meu amigo Haroldo propôs-me algumas questões sobre a classificação que venho de postular para a nova configuração da Teologia, recebida que foi no coração do concerto das Ciências por obra e graça de seu reconhecimento pelo MEC. Já reagi uma e duas vezes ao seu pronunciamento. Agora, reajo uma terceira vez, e me debruço sobre esse citado: "Mas, e a Teologia heurística? Todo o conjunto daquilo que costumamos entender sob “Teologia” (claro que num viés cristão-ocidental) é uma importante rede simbólica na tessitura das relações sociais durante muitos séculos. Vida e morte, guerra e paz, esperança e desesperança, crítica e anti-crítica. Tudo isso se decidiu em relação a tais conteúdos ou sobre seus fundamentos. Reconheço a importância dessa tradição. Mas, o que se descobriu mesmo?".

2. Seu parágrafo, meu amigo, está carregado por condensações reveladoras. Primeiro, ressalva a ciência que tem do provincianismo de que está carregado o termo "Teologia", que, uma vez pronunciado, (ainda) faz reverberar o eco imediatamente cristão. Essa é uma questão histórica e política. Ainda mal aprendemos a lidar com o pluralismo religioso. Uma proposta de Curso de Teologia à distância, em Universidade secular privada do Rio de Janeiro, fez constar das matérias oferecidas a disciplina "Missão da Igreja". Isso, por si só, é revelador. Não é que se vive no "automático" porque se está inserido no contexto eclesiástico. Mesmo quando se trata de teórico a pensar currículo não-confessional, sua cabeça está atrelada não apenas ao imaginário cristão, mas, inclusive, aos costumes de "conquista" que prevaleceram nesses séculos, nos quais a Teologia se fez exclusivamente cristã, porque todos os outros deuses não eram deuses, mas diabos, de modo que, "de Deus", apenas a Teologia cristã falava. Tenho insistido: nem a Teologia nas Universidades estrangeiras, nem a Teologia na CAPES repensou-se como disciplina plural - apropriou-se, piedosamente, dos espaços públicos, manejando a retórica do termo sob sua exclusiva ótica. Sim, sim - reverbera o provincianismo teológico cristão... Mas não se pode mais avançar com seriedade na esteira desse provincianismo - até porque ele acabou em 1999. Havemos de policiar nossa linguagem.

3. Outra condensação relevante. Você, Haroldo, meu amigo, fala da Teologia - cristã - como tendo criado "uma importante rede simbólica na tessitura das relações sociais durante muitos séculos". Certo. Todavia, cabe uma questão: quem pode, efetivamente, manejar o adjetivo "simbólica" dessa declaração? Decerto, apenas, os "esclarecidos", que, justamente aí, operam epistemologicamente sob o regime, já, das ciências... O Cristianismo assumiu e ensinou tratar-se sua construção noológica uma operação "simbõlica", no sentido de que seus adeptos e fiéis tivessem/tiveram a necessária dose de bom senso no trato da coisa da fé? Estamos e estivemos todos inteirados da condição simbólica da fé? Ou, antes, ela não é tratada justamente como representação fiel e fidedigna da "esperança"? Ora, Judas já ensinava a combater pela fé - que, ele dizia, fora dada de uma vez por todas aos santos... E, se Karl Barth for representativo - o dogma é positividade revelada. E olha que para muito "bom teólogo", Barth ainda beira à... heresia...

4. Nesse imbróglio, por uma via, você argumenta bem: se a rede fosse, de fato, simbólica, ela em nada estaria interessada em "descobrir", mas em significar. De fato, mesmo não tendo sido concretamente simbólica, isto é, mesmo que aos olhos do fiel - e por isso mesmo - a Teologia tenha sido metafísica, ontológica e dogmática, essa Teologia não era "cognitiva", era catequética, não era heurística, era inculcadora, não era investigativa, era normativa. Perfeita a inferência. O que é que uma Teologia - assim - ia descobrir, se tudo ela já tinha, revelado?

5. Todavia, a Teologia heurística, como você denomina (eu a chamo de fenomenológica, mas, a rigor, dá no mesmo), aí já seria uma coisa nova. Sem, por enquanto, pretender a altura da obra, pensemos em A Transformação da Filosofia, de Karl-Otto Apel. Eu penso na transformação da Teologia. Assim ajuízo: o que a Teologia foi até hoje e insiste ainda em ser não tem cabimento na Universidade. Aliás, não apenas eu o digo, e nem o disse por primeiro: se não estou desinformado, o primeiro a dizê-lo - e/ou o último - foi Hans Küng, em Teologia a Caminho: a única Teologia que tem direito a estar na Universidade é a que ele chama de histórico-crítica. Cá entre nós, qual, então?

6. Eu não adotei a nomenclatura de Hans Küng, porque a teologia umbandista, por exemplo, não poderia ser "histórico-crítica" da mesma forma como se pode dizer que a Teologia cristã poderia/deveria ser histórico-crítica. Mas a metodologia histórico-crítica, aplicada às Escrituras, opera no campo da Fenomenologia da Religião, daí que prefiro uma classificação mais abrangente, já que não tenho em vista, como Hans Küng, a união dos três cristianismos, mas tenho, antes, a preocupação de um discurso e de uma classificação que abranja integralmente todas as representações teológicas hoje presentes no MEC.

7. Com "transformação" da Teologia, quero indicar para uma nova auto-compreensão que a Teologia passe a ter de si na Universidade. Ela não será mais, aí, metafísica - nem narrativa. Ela será parte integrante de um conjunto de disciplinas que estudam, investigam - heurística! - o fenômeno religioso - e a partir do princípio de "exclusão da transcendência", sem dúvida, celeuma principal do Parecer CNE/CES 118/2009 - que eu endosso integralmente. Assim, tão logo a Teologia, se o fizer, se decida pela plataforma operacional e teórico-metodológica das ciências universitárias, e cesse a resistência inadequada que ora ela faz, o passo decisivo será ela decidir-se sobre sua constituição estatutária, seu objeto, seu "telos" apropriado, ou seja, de um lado, seu lugar nas ciências humanas e, de outro, seu lugar entre as ciências da religião - e isso sem considerar-se poder situar-se "no plano de Deus", como se tem defendido nesse contexto. Porque não há cabimento de a Teologia querer estar na Universidade pensando de si tratar-se de uma "ciência de Deus" ou "da fé", se, com fé, pensa-se em discursos normativos. Não há conteúdos normativos em ciência. Há procedimentos críticos, iconoclásticos.

8. Emprego fôlego na tarefa da discussão do estatuto epistemológico da Teologia, presentemente, no capítulo "classificação da Teologia", porque estou engajado existencialmente na tarefa de contribuir para a transformação da Teologia - sua transformação de racionalização fideísta voluntarista confessional normativa em ciência humana. Eu pago o preço. Porque quero haurir também dos benefícios disso. E, acredito, eles são incontáveis - e não apenas para a Teologia em si, mas para toda a civilização humana. Uma Teologia que se considere em alta estima, mas desconsidere os modos de produção de si mesma, isto é, a condição inapelavelmente antropológica, psicológica, sociológica, histórica, de seus conteúdos, não deveria estar à mesa com as ciências. E, tanto pior, se nem disso ela quer saber... Mas, ora, ora, se a Teologia leva a sério essas questões, imediatamente, instantaneamente cessam todas as contra-argumentações, todas as resistências.

9. Para terminar com mais uma ousadia: se o Brasil avançar para a proposta de uma Teologia fenomenológica universitária, e isso pra valer, e com toda a seriedade epistemológica do jogo das ciências universitárias, depois da Teologia da Libertação, terá sido a segunda grande contribuição da periferia para a Teologia mundial. Não terá diso pouco para essa terra e povo.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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